O processo de impeachment contra o presidente chileno Sebastián Piñera, aprovado pela Câmara dos Deputados do país nesta terça-feira (09/11), favorece candidaturas presidenciais da esquerda, como a de Gabriel Boric, e do centro, como a da democrata-cristã Yasna Provoste. Essa é a análise da cientista política chilena María Francisca Quiroga, que dirige o portal jornalístico La Voz de los Que Sobran.
Em entrevista a Opera Mundi, Quiroga classificou a abertura do processo contra o atual mandatário como uma “vitória da oposição” e disse que, a 11 dias das eleições presidenciais, que ocorrem no dia 21 de novembro, a tendência é que a acusação reforce o “antipiñerismo” e ajude candidaturas opositoras.
“O resultado desta terça ajuda os candidatos desse setor, como Yasna Provoste [da Democracia Cristã] e Gabriel Boric [da Frente Ampla] ao reforçar o antipiñerismo como tema do debate, ao reinstalar Piñera como o inimigo e como representante do que é mais rejeitado na política chilena, a política feita pelas elites, pelo empresariado, pela direita liberal”, afirmou.
O processo contra o atual presidente chega na reta final da campanha presidencial, em meio a um cenário de rivalidade entre a extrema direita e a esquerda: nas últimas semanas, a candidatura de ultradireita de José Antonio Kast, do Partido Republicano, tem crescido nas pesquisas, chegando a liderar algumas delas, indicando um provável 2º turno com o progressista Gabriel Boric.
Instrumento similar ao impeachment no Brasil, o processo de acusação constitucional foi aprovado por estreita margem pela Câmara chilena por conta do envolvimento de Piñera em crimes relacionados a negócios em paraísos fiscais, transações que foram reveladas em outubro pelos Pandora Papers e as quais o presidente nega.
Apesar do processo ter sido aprovado sem folga, com o exato número de votos necessários (78), a votação desta terça mostrou uma oposição unida, algo que vinha sendo um dos grandes problemas dos setores de centro e de esquerda que, embora serem numericamente melhor representados, nem sempre conseguiam aparar suas diferenças.
Para Quiroga, a união dos deputados opositores em torno dessa pauta foi algo importante para o país, já que esse setor “não foi capaz de exercer sua maioria durante os quatro anos do governo de Piñera, não foi capaz de impulsionar projetos mais transformadores a partir desta instância, porque os democratas cristãos e até alguns socialistas, membros da antiga Concertación [coalizão que governou o Chile entre 1990 e 2010], terminavam votando com o governo”.
Reprodução/@GabrielBoric
Processo contra o presidente deve reforçar candidaturas da oposição na disputa presidencial
Além disso, segunda a cientista política, o próprio processo eleitoral acabou influenciando a abertura do impeachment de Piñera, porque “muitos deputados que votaram agora estão concorrendo à reeleição e um voto a favor de um presidente tão rejeitado não seria o melhor argumento de campanha, enquanto um voto contra ele é um fator que pode ser usado nesta reta final”.
Essa mesma situação, entretanto, não deverá ocorrer no Senado, segundo Quiroga, pois, apesar de ainda não ter data marcada, a votação do impeachment deve acontecer ainda em 2021, após o 1ºturno das eleições. “Não vai haver esse fator eleitoral, porque os senadores que concorrem à reeleição já terão enfrentado às urnas e sentirão menos a pressão na hora de votar”, afirmou.
Uma aprovação do processo no Senado resultaria na destituição de Piñera, faltando apenas três meses para terminar o seu mandato. Para isso, a oposição precisa obter um quórum de dois terços, ou seja, 29 dos 43 votos
Oposição vai até o fim
Entre os opositores, há esperança de destituir o mandatário até o final do ano. O deputado Giorgio Jackson, liderança da Frente Ampla que deu o voto decisivo para a aprovação da acusação na Câmara, afirmou que espera uma “conscientização” de alguns senadores governistas na hora de votar a acusação na Câmara Alta.
“O mais importante da votação na Câmara dos Deputados foi o sinal que nós demos à população de que não vamos mais tolerar a impunidade daqueles que cometem crimes de corrupção ou violações aos direitos humanos, e Piñera é um símbolo desse tipo de impunidade, por sua ficha criminal como empresário e como presidente”, disse o deputado.
O voto de Jackson foi cercado de polêmica, já que o deputado estava em quarentena por ter contato recente com uma pessoa com covid – justamente o presidenciável do seu partido Gabriel Boric – a qual terminou a meia-noite desta terça. A bancada governista atuou para impedir a votação à distância, como forma de evitar que a oposição alcançasse os votos para aprovar o impeachment de Piñera.
Para que Jackson pudesse chegar a tempo de votar, o deputado Jaime Naranjo (Partido Socialista) apresentou uma exposição de cerca de 15 horas, que terminou por volta das 2h, justamente quando Jackson entrou na sala.
Já os governistas alegaram que a exposição de Naranjo foi “um circo” e “mostrou que a esquerda está mais interessada em vitórias mesquinhas e não em legislar sobre temas que realmente interessam”, como definiu o candidato presidencial Sebastián Sichel, considerado o representante do atual governo na atual disputa eleitoral.
A acusação constitucional contra Piñera está baseada em um contrato de venda de ações da empresa mineradora Dominga no ano de 2010, através de contas offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. Porém, o crime que poderia levá-lo à destituição é o de uso do cargo em favor dos seus negócios – como presidente, Piñera teria atuado politicamente para impedir que a zona onde a mineradora iria atuar fosse decretada como zona de proteção ambiental, já que, segundo uma cláusula do contrato revelado pelos Pandora Papers, esta era a condição para que se realizasse o último pagamento relativo ao negócio.