As eleições presidenciais do Chile têm um protagonista inesperado: José Antonio Kast, um advogado que lidera o jovem Partido Republicano, fundado em 2019 para ser a nova referência da extrema direita no país.
As pesquisas eleitorais recentes apontam Kast como líder da corrida para o Palácio de La Moneda, com pequenas vantagens sobre Gabriel Boric, o candidato da coalizão Apruebo Dignidad (coalizão mais esquerdista, que reúne a Frente Ampla e o Partido Comunista), que surgia como favorito. Segundo o instituto CADEM, Kast teria 24% contra 19% de Boric, e para a consultora Pulso Ciudadano, a disputa estaria em 22% contra 17% a favor do direitista.
A surpresa em torno de Kast e sua vantagem sobre Boric se dá pelo fato de que sua candidatura representa ideias e valores contrários aos que a sociedade chilena preferiu em eleições e plebiscitos recentes: em outubro de 2020, os eleitores deram 75% de apoio à criação de uma Assembleia Constituinte para acabar de vez com a constituição imposta pelo ditador Augusto Pinochet, e em maio passado, os partidos de esquerda e os movimentos sociais conseguiram mais de dois terços das vagas nessa mesma Assembleia, relegando a direita e a extrema-direita a uma minoria quase irrelevante no processo.
Para entender como o cenário no Chile mudou em tão pouco tempo, passando de um clima de superação do pinochetismo à uma campanha presidencial liderada por um nostálgico da ditadura, é o preciso conhecer o perfil de José Antonio Kast, incluindo suas similaridades com o atual presidente brasileiro.
Histórico nazista e pinochetista
José Antonio Kast nasceu em 1966, em Santiago do Chile, mas seus pais são alemães. Michael Kast, seu pai, foi um oficial do exército nazista que fugiu do seu país natal após a derrota do Terceiro Reich na Segunda Guerra Mundial. O candidato já enfrentou críticas em debates sobre o passado da sua família, e adotou a versão de que seu genitor era somente um soldado que cumpria ordens e não um entusiasta do regime nazi.
Suas ligações com o regime de Augusto Pinochet (1973-1990) também começam em família: José Antonio é o mais jovem de dez irmãos, sendo que um dos mais velhos, Miguel Kast, nascido na Alemanha, era um dos famosos “Chicago Boys”, economistas formados na Universidade de Chicago e encarregados de implementar o neoliberalismo no Chile com o apoio da repressão militar – ele encabeçou dois ministérios durante o governo ditatorial: Planificação, entre 1978 e 1980, e Trabalho, entre 1980 e 1982.
Relação com Bolsonaro
Mas Pinochet não é a única inspiração de José Antonio Kast. Em todas as entrevistas e debates, o candidato cita como seu modelo de governo na América Latina o do brasileiro Jair Bolsonaro.
“Bolsonaro é um presidente que fez coisas importantes no Brasil em termos de combate à delinquência e de combate à corrupção, e essas coisas eu quero reproduzir no Chile em meu governo”, explicou Kast em um debate.
A inspiração em Bolsonaro é reforçada por uma relação que existe pelo menos desde 2019, quando Kast se reuniu com o presidente brasileiro durante sua visita a Santiago, e também com o seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Para completar, Kast também se assemelha a Bolsonaro em seu histórico de deputado de pouca relevância: teve quatro mandatos entre 2002 e 2018, quando era militante da UDI (União Democrata Independente), o partido mais à direita no Chile antes da existência do Partido Republicano. No último desses mandatos (2014-2018), Kast foi considerado o parlamentar de pior performance, com apenas um projeto apresentado e recorde de ausências, por faltar a 48% das sessões durante o período.
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Líder nas pesquisas, Kast tem pai que serviu em exército nazista e se diz fã de Augusto Pinochet
Napoleão chileno
A ascensão de José Antonio Kast nas pesquisas coincide com a queda do candidato Sebastián Sichel, que era o representante governista no começo da campanha, mas que perdeu cerca de 15 pontos percentuais nas intenções de voto depois que foram reveladas suas atividades como lobista de empresas energéticas e financeiras.
Desde então, grande parte do eleitorado tradicional da direita tem migrado para o candidato mais extremista, e também os partidos tradicionais da direita e da centro-direita, que formavam a coalizão ao redor de Sichel, passaram a dar liberdade a seus militantes, o que é visto como uma forma velada de autorizar o apoio a Kast.
No entanto, o analista político Hugo Herrera, da Universidade Diego Portales, faz uma comparação com a França pós-revolução para tentar explicar o fenômeno de Kast. “Nos momentos de grandes mudanças, ele oferece um discurso de ordem que atrai aquelas pessoas que anseiam por mais estabilidade. Seu perfil não é o de um Napoleão, mas seu papel se assemelha um pouco ao que Napoleão representou em seu momento. Enquanto a candidatura de Boric representa a mudança, a de Kast é vista como uma tábua de salvação para o eleitorado conservador”.
Criminalização dos protestos ao estilo Pinochet
Apesar da proximidade com Bolsonaro, a primeira grande promessa de campanha de José Kast o relacionou mais ao ex-presidente norte-americano Donald Trump (2017-2021): ele apontou a imigração ilegal de venezuelanos e colombianos como sua primeira grande inimiga, e prometeu construir não um muro, mas sim um fosso contra imigrantes, nas fronteiras terrestres no norte do país.
Mas a sua proposta mais preocupante tem a ver com o que ele chama de “ressignificação do papel das forças de segurança e de ordem”. Inimigo do processo político iniciado no Chile desde outubro de 2019, Kast defende a teoria conspiratória que aqueles protestos foram provocados por supostas células terroristas estrangeiras infiltradas no país. Para enfrentar esse “inimigo”, a ideia defendida pelo seu programa é considerada por alguns como uma forma de regularizar condutas utilizadas pelos aparatos de repressão durante a ditadura pinochetista.
Uma dessas ideias visa criar um novo instrumento político, o “Estado de Emergência”, dando às polícias e às Forças Armadas o direito de grampear telefones, interceptar correspondências físicas ou virtuais e até mesmo prender pessoas sem a necessidade de uma ordem judicial. A parte mais polêmica dessa proposta é o trecho que diz que essas pessoas poderiam ser mantidas em detenção em suas casas ou em “locais não destinados à detenção”, o que tem sido criticado por especialistas em direitos humanos como uma possível forma de regularizar ações de sequestro e manutenção de centros clandestino de detenção e tortura, como os utilizados durante a ditadura de Pinochet pelo DINA (sigla em espanhol do Departamento Nacional de Inteligência).
Kast também promete extinguir o Ministério da Mulher e o Instituto Nacional de Direitos Humanos, e que seu governo estudará se retirar do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).
Sobre a Assembleia Constituinte, Kast não tem promessas específicas, mas costuma repetir que a carta magna que está sendo redigida ainda precisa ser aprovada em um outro plebiscito, em outubro de 2022, dando a entender que um possível governo seu promoverá uma campanha para rejeitar a nova Constituição, mantendo vigente a carta pinochetista.