Nascida na região de Cauca, considerada periferia da Colômbia, Francia Elena Márquez Mina, 40 anos, carrega uma trajetória de militância e ativismo na defesa da luta ambiental e representação, como ela pontua, dos “nadies” (ninguém, em tradução livre). A advogada afro-colombiana, eleita como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo pela rede britânica BBC em 2019, agora se consagra como candidata à vice-presidente do Pacto Histórico.
Nas primárias presidenciais em que Gustavo Petro liderou com mais de três milhões de votos, Márquez surpreendeu ao se consagrar em terceiro lugar com 786 mil, sendo apontando na imprensa colombiana como um “fenômeno político”.
Por conta de seu resultado, e também visando somar à campanha de Petro na eleição presidencial que acontece em 29 de maio na Colômbia, a advogada foi escolhida para ser vice do ex-guerrilheiro.
Formada em direito pela Universidade Santiago de Cali, a ativista foi reconhecida como uma importante figura política. Ao lado de Petro, a dupla tem cerca de 47% das intenções de voto para o pleito.
Líder ambiental colombiana
Originária de Cauca, no pacífico colombiano, a advogada foi inserida desde jovem na luta pela preservação do meio ambiente. Aos 12 anos de idade, Márquez se juntou a parentes e vizinhos para impedir que fosse ampliada uma das represas da região de La Salvajina, uma ação que afetaria o rio Ovejas, localizado também no departamento onde nasceu.
Em sua campanha eleitoral, Márquez pontuou que integra ao grupo dos colombianos que “levantam a voz” contra crimes ambientais que ocorrem no país. Neste sentido, a ativista diz sonhar “com um novo modelo econômico” que “garanta a vida”.
“Faço parte daqueles que levantam a voz para impedir a destruição de rios, florestas e charnecas. Daqueles que sonham que um dia os seres humanos vão mudar o modelo econômico da morte, para dar lugar à construção de um modelo que garanta a vida”, afirma a líder, que foi classificada como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo por conta do trabalho que desempenhou contra a mineração ilegal na região montanhosa de La Toma.
Assim como a lista das mulheres mais influentes, Márquez também conquistou, em 2018, o Goldman Environmental Prize, também conhecido como Nobel do Meio Ambiente, pela militância em Cauca contra garimpos ilegais na região.
À época, durante o discurso de recebimento do prêmio, Márquez mencionou a importância de sua ancestralidade e cultura latino-americana em sua trajetória, afirmando que as “crianças aprendem a amar e valorizar a terra, como espaço de vida”. “Minha comunidade se baseia em valores como solidariedade, respeito e honestidade. Ensinamos as crianças a amar e valorizar a terra como espaço de vida e a lutar por ela, colocando, inclusive, em risco nossa própria vida”, completou.
Francia Márquez/Twitter
‘Eu represento essa gente, os ‘ninguéns’, os que não têm voz neste país,’ defende Márquez
Por conta de seu ativismo, a advogada já sofreu diversas represálias na Colômbia. No mesmo ano que recebeu o Goldman Environmental Prize, a candidata à vice e sua equipe sofreram um atentado em Santander de Quilichao, município colombiano, ao se prepararem para uma reunião com o governo local. A líder e dois acompanhantes foram atacados com armas e granadas pela luta contra a atuação de garimpeiros na região.
“Voz dos nadies”
O processo de lançamento de Márquez como um possível nome à Presidência foi sobretudo rápido. Sua pré-candidatura aconteceu em dezembro de 2021 e em, março de 2022, estava ela em terceiro lugar nas primárias colombianas.
“Eu não era política, era uma líder social que estava lutando. Mas me cansei de lutar e não haver mudanças para meu país, para a maioria empobrecida, para as mulheres, para os povos étnicos, para os agricultores e para os jovens”, afirmou a candidata à Caracol Radio em março deste ano.
Márquez é ativista pelos direitos das populações negras e afro-colombianas, atuando como membro ativa da Organização do Processo das Comunidades Negras, posição que ocupa desde os 15 anos de idade. É com um discurso de uma “nadie” para os demais “nadies” da Colômbia que caminha com sua candidatura, defendendo as minorias sociais.
“Eu represento essa gente, os “ninguéns”, os que não têm voz neste país”, completou a ativista, que ganhou também o Prêmio Nacional de Defensores de Direitos Humanos da Colômbia em 2015.
Ameaças da extrema direita
O ativismo social e ambiental realizado por Márquez é alvo constante de ameaças, e isso não mudou após ser candidata à vice-presidente pelo Pacto Histórico, já que a advogada segue lutando pelo direitos humanos e ambientais.
Márquez traz para a campanha todo o caminho de militância e não se limita ao discurso de identificação social, mas também insere o debate sobre equidade entre as regiões da Colômbia, feminismo, sustentabilidade ambiental e aborto, trazendo alguns temas antes não discutidos nas agendas políticas.
Por conta dessa postura, em março deste ano, a candidata recebeu ameaças de morte pelo grupo paramilitar de extrema direita Águias Negras. Nos panfletos que foram enviados a ela, o grupo armado afirmava que “todo aquele que intervenha nos seus propósitos será erradicado do mapa”, mencionando o nome da líder e outros militantes sociais.
Ao realizar as denúncias, a advogada pediu uma investigação contra as ameaças pelo Ministério Público, afirmando que torce para que “dessa vez não vença a impunidade”.
“Como se não fossem suficientes as calúnias e manifestações racistas, em menos de um mês, me ameaçaram de morte duas vezes junto a outros líderes sociais. Senhor presidente Iván Duque, solicito que garanta minha integridade física, da minha família e de todos os líderes sociais mencionados”, publicou a candidata em suas redes sociais.
Segundo relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2020, a Colômbia é o país com o maior número de ativistas mortos na América Latina. E além da repressão contra a militância social, o conflito armado no país já dura 58 anos e soma cerca de 262 mil vítimas mortais, segundo o Centro de Memória Histórica colombiana.
Para os defensores de direitos humanos, tais ameaças são uma forma de tática da direita para disseminar o medo e aumentar sua popularidade antes das eleições presidenciais de maio.