O presidente francês, Emmanuel Macron, voltou a defender o envio de tropas terrestres ocidentais para a Ucrânia, em uma entrevista publicada nesta quinta-feira (02/05) pela revista britânica The Economist. Segundo ele, essa é uma questão “que pode ser colocada” caso Moscou ultrapasse “as linhas do front” e a Ucrânia solicite uma intervenção direta, “o que não é o caso hoje”.
“Deixar essa opção de lado significa que não aprendemos as lições dos últimos dois anos”, disse Macron. No início da guerra, em fevereiro de 2022, os países da Otan descartaram o envio de tanques e aviões para a Ucrânia, mas mudaram de ideia no decorrer do conflito, exemplificou.
Macron afirma que a Rússia entrou em uma “lógica de guerra total e por isso é preciso impedir o país de ganhar na Ucrânia. Caso contrário, “não haverá mais segurança na Europa”. Seu posicionamento se insere naquilo que qualifica de “credibilidade militar da Europa”.
No final de fevereiro, o chefe de Estado francês criou polêmica ao afirmar que o envio de tropas ocidentais para a Ucrânia não deveria “ser excluído” no futuro. Segundo ele, isso representava “um resgate da ambiguidade estratégica” na resposta europeia à invasão russa da Ucrânia.
Mas, após suas declarações, a maioria dos países europeus e os Estados Unidos não se alinharam ao presidente francês. “Como eu já disse, não descarto nada. Estamos lidando com alguém que não descarta nada”, reafirmou à revista The Economist, em referência ao presidente russo, Vladimir Putin. “Provavelmente hesitamos demais em relação aos limites de nossa ação, desconsiderando que a Rússia não tem mais limites e é o agressor”, declarou.
“Tenho um objetivo estratégico claro: a Rússia não pode vencer na Ucrânia. Se a Rússia ganhar na Ucrânia, não teremos mais segurança na Europa. Quem pode dizer que a Rússia vai parar por aí? Que haverá segurança para os outros países vizinhos, a Moldávia, a Romênia, a Polônia, a Lituânia e muitos outros?”, questiona.
“E por trás disso, qual será a credibilidade para os europeus que teriam gasto bilhões e dito que era a sobrevivência do continente que estava em jogo e não forneceram os meios para deter a Rússia? Então, sim, não devemos descartar nada”, insistiu.
Eleições europeias
Durante a entrevista, Emmanuel Macron também alertou para a ascensão de “nacionalistas” na Europa, a cinco semanas das eleições europeias. “O Reunião Nacional queria sair da Europa, do euro, de tudo. Agora se calou e está colhendo os dividendos da Europa”, disse o presidente francês em referência ao partido de extrema direita liderado pela ex-candidata à presidência, Marine Le Pen.
“De certa forma, é como se estivéssemos dizendo que não há problemas em dar a gerência do banco para um bando de ladrões”, acrescentou. “Dar as chaves da Europa para essas pessoas significa que o continente jamais se tornará uma grande potência”.
Segundo Macron, quando os movimentos nacionalistas ganham força, “tomam a Europa como refém”. Ele pediu aos eleitores que “acordem”. Uma pesquisa do Instituto Ipsos, publicada na segunda-feira (30/04), mostrou que o partido de Macron, “Renaissance”, tem 17% das intenções de voto contra 32% para o partido de extrema direita.
“Todos os nacionalistas europeus são defensores ocultos do Brexit”, disse. Segundo o presidente francês, “a melhor forma de construir juntos é ter o menor número possível de nacionalistas”.
Relações com a China
O presidente francês também falou sobre as relações com a China. “Temos de ser muito pragmáticos e analisar esta questão a partir dos nossos interesses estratégicos”, disse o chefe de Estado francês, quando questionado sobre a abertura do mercado europeu à China.
“Este será um dos meus principais objetivos ao receber o presidente Xi Jinping. Devemos fazer todo o possível para envolver a China nas questões globais e ter um intercâmbio sobre nossas relações econômicas, que são baseadas na reciprocidade”, acrescentou Macron, que receberá o presidente chinês nos dias 6 e 7 de maio.
O líder francês citou o exemplo dos carros elétricos chineses, que, segundo ele, são “taxados a 10%” no mercado europeu, enquanto sua produção é “massivamente apoiada” pelo executivo chinês.
Já os veículos elétricos europeus são submetidos a regras europeias que limitam as ajudas aos seus produtores, disse, e são “tributados a 15%” no mercado chinês.
“Hoje devemos nos comportar de forma respeitosa com a China em termos de comércio, mas defendendo nossos interesses, reciprocidade e segurança nacional”, insistiu Macron, que diz apoiar as investigações abertas pela Comissão Europeia sobre veículos elétricos, energia fotovoltaica e eólica envolvendo subsídios chineses suspeitos de distorcer a concorrência.
“Não devemos esquecer as questões de segurança nacional”, frisou. “Há muitos setores em que a China exige que os produtores sejam chineses, porque são muito sensíveis. Bem, nós, europeus, deveríamos ser capazes de fazer o mesmo.”
A visita de Estado de Xi Jinping visa celebrar os 60 anos de relações diplomáticas bilaterais. Este será o início de sua primeira turnê europeia desde a pandemia de covid-19. A guerra na Ucrânia e outros temas também devem estar na agenda das discussões franco-chinesas.
“Nosso interesse é fazer com que a China pese para a estabilidade da ordem internacional. Não é do interesse da China hoje ter uma Rússia que desestabilize essa ordem, ou ter um Irã que possa adquirir armas nucleares, ou ainda um Oriente Médio mergulhando em uma forma de caos. Então, temos que trabalhar com a China para construir a paz”, conclui Macron.