O livro “Educação e resistência escolar: gênero e diversidade na formação do docente”, organizado por Daniela Finco, Adalberto dos Santos Souza e Nara Rejane Cruz de Oliveira, traz uma síntese dos debates promovidos e levantados durante o Curso de Especialização Gênero e Diversidade na Escola – GDE, oferecido pela Unifesp, sobre diversidade na formação do professor.
Leia abaixo o 1º capítulo da obra. O download do livro completo pode ser feito aqui.
Desafios para discussão sobre gênero e diversidade na escola
Este livro apresenta uma síntese das discussões produzidas ao longo do Curso de Especialização Gênero e Diversidade na Escola – GDE, entre os anos de 2015 e 2016, oferecido pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, em parceria com o Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica – Comfor – Unifesp, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) – Ministério da Educação e a Secretaria de Direitos Humanos do Município de São Paulo.
Gênero e Diversidade, mais do que temáticas de discussão são questões presentes no cotidiano escolar, envolvendo professores/as, estudantes e a comunidade escolar como um todo. Ao contrário do que pregam o senso comum e as ideologias conservadoras, Gênero e Diversidade precisam ser tratados na escola, como forma de torná-la de fato inclusiva, tolerante e respeitadora das distintas características de seus atores sociais. Embora tais questões sejam inerentes a toda comunidade escolar, compreende-se o papel do corpo docente de fundamental importância na promoção do debate e de práticas pedagógicas que superem o preconceito.
Ao analisarmos historicamente a formação docente podemos perceber que os debates sobre a diversidade e as questões de gênero são quase inexistentes. A grade curricular regular da maioria das instituições de ensino superior brasileiro destinadas à formação docente não contempla esses aspectos, porém, as políticas públicas de educação nos cobram tratamento crítico das diversidades na escola, como dimensões coletivas ou subjetivas do processo de construção e ampliação dos direitos.
Segundo um levantamento realizado pela Ong ECOS – Comunicação em Sexualidade (2017), as políticas mais recentes no campo da educação brasileira (programas, projetos, ações, legislação, normas técnicas) relacionadas as questões de gênero e sexualidade, têm como marco histórico o período de 2003 a 2008. Ao longo destes anos, o governo federal, nas gestões de Lula e Dilma promoveu diversas medidas que visam o enfrentamento de diferentes formas de discriminação e à constituição de uma cultura dos direitos humanos, especialmente por meio da educação formal e não formal.
Um dos exemplos deste avanço foi a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 21 de março de 2003, assim como a elevação da Secretaria de Direitos Humanos ao status de ministério. Outras ações importantes para o enfrentamento das diversas formas de discriminação e constituição de uma cultura dos direitos humanos foram: a criação do programa Brasil sem homofobia em 2004; a sanção da lei Maria da Penha em 2004; a criação da coordenação geral de promoção dos Direitos de LGBT em 2009; a criação do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT em 2010 e, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) em 2004, que posteriormente, com a reestruturação organizacional do MEC em 2011, passou a se chamar Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi).
Entretanto, a despeito dos benefícios que estes avanços trouxeram a nossa sociedade, nos últimos dois anos estamos vivendo um movimento inverso e temos visto um grande retrocesso nas políticas de Direitos Humanos. Houve retrocessos em direitos fundamentais que já estavam assegurados. Entre muitos retrocessos destacamos a extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos; a PEC 241/55, que limita os gastos do governo nos próximos vinte anos em áreas como educação e saúde; a proposta de mudança no Estatuto da Família, que define o núcleo familiar como sendo “a união entre um homem e uma mulher”, negligenciando as outras formas de constituição de uma família e ainda, a suspensão de diversos acordos entre o governo federal e os governos estaduais para a implementação do programa de proteção aos defensores dos direitos humanos.
É importante destacar que a implementação de políticas educacionais públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação demanda, de um lado, medidas de ampliação do acesso e melhoria da qualidade do atendimento aos grupos historicamente discriminados – negros, indígenas, mulheres, homossexuais, entre outros. De outro, são necessárias ações que visem educar a sociedade para o respeito e a valorização da diversidade e para o combate à discriminação.
A consolidação do gênero e da diversidade como temática prioritária nas políticas públicas de educação é uma tarefa do Estado e exige, entre outras medidas, uma revisão da formação dos profissionais da educação, incluindo no currículo não só a perspectiva de gênero, mas também a de classe, etnia, orientação sexual e geração (Vianna e Unbehaum, 2006). No momento atual, a produção e os debates acadêmicos sobre as temáticas de gênero no âmbito das políticas públicas de educação, destacam as contradições entre as propostas de inclusão do gênero nos planos educativos e a deficiência de ações, que garantam a devida implementação das novas exigências para a prática docente nas instituições escolares.
São reconhecidos os resultados de pesquisas que mostram que a escola é o espaço sociocultural em que as diferentes identidades se encontram, se constituem, se formam e se produzem, caracterizando-se, portanto, como um dos espaços mais importantes para educar para o respeito à diferença.
Neste sentido a educação pode ser considerada um “direito habilitante”, porque uma pessoa que passa por um processo educativo pode exigir e exercer melhor todos os seus outros direitos (Rizzi, 2009). A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de valores e atitudes.
As possibilidades de produção, reprodução e resistência à discriminação interagem de maneira complexa e colocam muitos desafios para o Curso Gênero e Diversidade na Escola, como o de introduzir as questões de gênero, da sexualidade e étnico-raciais na formação continuada, para docentes que atuam na primeira etapa da Educação Básica. Para que a educação cumpra plenamente seu papel neste complexo e necessário processo de transformação cultural, há que se fomentar a formação docente no campo da promoção da equidade de gênero, do respeito à diversidade étnico-racial, do reconhecimento da diversidade sexual e enfrentamento ao sexismo, à homofobia e ao racismo, bem como às diferentes formas de violência.
Considerando estes desafios atuais, o Curso Gênero e Diversidade na Escola – Unifesp, procurou realizar uma formação continuada para professores/as da Educação Básica e outros profissionais de educação, buscando possibilitar um espaço de debate crítico, para compreender e posicionar-se diante das transformações políticas, econômicas e socioculturais, que requerem o reconhecimento e o respeito à diversidade sociocultural do povo brasileiro e dos povos de todo o mundo – o reconhecimento de que negros e negras, índios e índias, mulheres e homossexuais, dentre outros grupos discriminados, devem ser respeitados/as em suas identidades, diferenças e especificidades, porque tal respeito é um direito social inalienável.
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Foi possível elaborar propostas e viabilizar ações concretas, como: a criação de acervos culturais nos diferentes contextos escolares, para o desenvolvimento de atividades curriculares nas diferentes áreas do conhecimento; o desenvolvimento de estratégias de formação do/a professor/a pesquisador/a, de autoria e de leitura crítica para a criação de diferentes recursos pedagógicos, assim como das diferentes mídias. O curso também incentivou a produção e intercâmbio de materiais didáticos, produzidos pelos participantes de diferentes escolas, além da relevante troca de experiências.
O curso Gênero e Diversidade na Escola – GDE, foi oferecido na modalidade semipresencial. Ao longo do curso a interação entre os professores/as, tutores/as e cursistas foi mediada pelos meios disponíveis na Plataforma Moodle- como disponibilização de conteúdo no formato de textos, vídeos e imagens que promoveram à práxis pedagógica, considerando a realidade da escola e das comunidades; fóruns de discussão e mensagens eletrônicas, além do apoio presencial nos polos de formação em diferentes regiões do município de São Paulo. Foram realizados encontros presenciais nos pólos, ao longo de um ano do curso, além de orientações para estudo por meio do ambiente virtual de ensino a distância. O curso contou ainda com a elaboração e apresentação de Trabalho final de curso (TCC), trazendo propostas de projetos para desenvolvimento na escola, no escopo das temáticas abordadas ao longo da formação.
Sabemos que, diante de temática tão abrangente, a oferta de um curso não é suficiente para romper as barreiras cotidianas do preconceito e intolerância dentro das escolas. Porém, acreditamos que o cenário de discussão e sensibilização para o reconhecimento destes elementos pelo corpo docente participante, é um importante caminho rumo à construção de práticas que respeitem a diversidade nas comunidades escolares e na sociedade.
Os próximos capítulos apresentam os principais conteúdos discutidos ao longo do curso, são resultados das discussões realizadas em parceria com professores/as e pesquisadores/as que participaram da equipe do curso GDE- Unifesp, e nos colocam questões essenciais para o reconhecimento destes temas no contexto educativo, pautadas nos desafios e nas possibilidades de pensar criticamente nossa realidade social, e na necessidade da resistência cotidiana, contra os preconceitos e as discriminações.