Representantes da comunidade indígena Krenak enfrentam a partir desta terça-feira (13/12) pela primeira vez em um tribunal britânico o grupo de mineração anglo-australiano BHP, em uma ação coletiva pela pior catástrofe ambiental da história do Brasil.
Os indígenas viajaram ao Reino Unido para acompanhar os dois dias de audiências preliminares com a juíza Finola O’Farrell, da Alta Corte de Londres. Eles esperam que uma data seja marcada para o início do julgamento em 2023.
Embora nesta fase eles não devam testemunhar, “é importante que sejam informados e entendam o que está acontecendo, especialmente porque já se passou tanto tempo, tantos anos desde o desastre, mais de sete anos, e não houve justiça”, declarou à AFP a advogada brasileira Ana Carolina Salomão, do escritório Pogust Goodhead, que apresentou a ação.
Em 5 de novembro de 2015 a barragem de Fundão, próxima das cidades de Mariana e Bento Rodrigues, no estado de Minas Gerais, se rompeu e liberou quase 40 milhões metros cúbicos de dejetos minerais altamente poluentes.
A lama percorreu 650 km pelo Rio Doce e chegou ao Oceano Atlântico, destruiu várias cidades, matou 19 pessoas e devastou a flora e a fauna nas terras dos Krenak, que até hoje não conseguem pescar ou utilizar suas águas para cerimônias rituais.
Os demandantes, quase 200.000 pessoas e entidades do Brasil, que incluem empresas, associações religiosas e municípios, exigem uma indenização da BHP como proprietária de 50%, em conjunto com o grupo brasileiro Vale, da empresa Samarco, dona da barragem.
“A BHP veio ao nosso país e destruiu milhares de vidas, desrespeitou a nossa nação. Sua ganância destruiu gerações”, disse Maykon Krenak, representante da comunidade, citado em um comunicado.
“Comparecemos ao tribunal para mostrar nossa solidariedade com todas as vítimas e mostrar a elas que todos somos pessoas importantes que querem ser ouvidas”, acrescentou.
Neil Burrows, porta-voz da BHP em Londres, afirmou que esta é uma “audiência não substancial”, uma vez que se concentrará exclusivamente em “estabelecer as próximas etapas processuais, não discutirá quaisquer elementos materiais para a reivindicação em si”.
“É improvável que aconteçam audiências potenciais sobre as reivindicações até o fim de 2023”.
Flickr/Agência Senado
Em 5 de novembro de 2015 barragem de Fundão, próxima das cidades de Mariana e Bento Rodrigues, no estado de Minas Gerais, se rompeu
Tentativas de interromper o processo
Para chegar ao atual estágio, os demandantes precisaram superar quatro anos de saga jurídica, em busca do direito de iniciar o processo na Inglaterra, onde a BHP, atualmente baseada em Sydney, tinha sede registrada em 2015.
O escritório de advocacia, então com o nome de SPG, iniciou em novembro de 2018 em um tribunal de Liverpool (noroeste da Inglaterra) uma das maiores ações da história judicial britânica, reivindicando quase 5 bilhões de libras (US$6 bilhões).
Porém, o juiz considerou que os demandantes não tinham o direito de realizar o processo na Inglaterra, negou a possibilidade de recurso e o caso foi encerrado em 2020.
Mas um ano depois, os advogados conseguiram uma moção incomum para reabrir o processo e entraram com uma apelação: em abril de 2022 a justiça da Inglaterra se declarou competente, apesar de a catástrofe ter acontecido em outro país.
“Houve várias tentativas de interromper este processo nos tribunais do Reino Unido, proibindo as vítimas de ter acesso à justiça que merecem e pela qual tanto lutaram”, denunciou o advogado Tom Goodhead, principal litigante.
As mineradoras argumentam que pagaram R$11,5 bilhões (US$ 2,16 bilhões) em indenizações e ajuda financeira de emergência para mais de 400.000 pessoas por meio da Fundação Renova, que administra os reparos e indenizações.
“A BHP Brasil reitera que sempre esteve e continua comprometida a trabalhar com a Samarco e a Vale na reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”, afirma o grupo.
O Ministério Público de Minas Gerais calcula que quase 700.000 pessoas foram afetadas pela tragédia. O escritório Pogust Goodhead considera as indenizações insuficientes.
O grupo BHP “nega as acusações em sua totalidade” e pediu autorização à Suprema Corte britânica para recorrer à jurisdição.