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Opinião

O rapto das meninas nigerianas e a violência de gênero

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Caso expõe "praga global", onde o estupro de mulheres e meninas é usado como arma de guerra e disputa territorial

Marina Terra

2014-05-10T18:36:00.000Z

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Em 14 de abril deste ano, mais de 230 meninas foram sequestradas de uma escola na Nigéria pelo grupo Boko Haram. Elas foram levadas em caminhões no meio da noite, depois de serem convencidas pelos homens, que usavam uniformes militares oficiais, de que estavam sendo na verdade transportadas para um lugar seguro. No meio do caminho, conforme contou uma das que conseguiu escapar ao jornal The Guardian, tiros para o alto e as risadas dos algozes denunciaram o que de fato estava acontecendo: um sequestro em massa.

Efe

Campanha "Bring Back Our Girls" (Tragam nossas meninas de volta) ganhou força nas últimas semanas na internet

Semanas se passaram até que a notícia ganhasse apelo entre os grandes veículos de comunicação mundial. Desde o princípio, familiares realizaram protestos contra o governo nigeriano, acusado de não se esforçar o suficiente para encontrar as garotas. Recentemente, as piores notícias sobre o que estava acontecendo com aquelas que foram raptadas começaram a surgir. De acordo com a mesma sobrevivente entrevistada, estupros diários – sendo que algumas meninas seriam violentadas até 15 vezes ao dia –, agressões e todo o tipo de violência eram perpetrados contra elas.

Leia mais: Sequestro de mais de 200 meninas na Nigéria é destaque da semana em Opera Mundi 

Devido aos detalhes relatados, uma campanha na internet pela libertação das meninas ganhou força. A hashtag #bringbackourgirls se tornou popular e diversos organismos, como a ONU (Organização das Nações Unidas), se manifestaram, pressionando as autoridades nigerianas. Nesta semana, o governo dos Estados Unidos prometeu se empenhar na busca, em parceria com Abuja, inclusive com o uso de drones.

Leia mais: Mais de 200 garotas sequestradas na Nigéria teriam sido vendidas e forçadas a se casar

E se elas fossem brancas? E se tivessem nascido em uma nação desenvolvida? Teria a comunidade internacional demorado tanto para se mobilizar? Os principais jornais simplesmente publicariam a notícia no pé da página? Claro que não. Basta levar em consideração a cobertura dedicada ao desaparecimento do voo da Malaysia Airlines, ou do naufrágio de um barco com adolescentes sul-coreanos, para encontrar as respostas. A vida de alguns vale mais que a de outros, dependendo de cor e endereço, se aprende rápido no jornalismo.

Os fatores raciais e de classe, o número impressionante de raptadas e a idade delas, certamente tiveram seu peso no aumento da divulgação do caso. No entanto, o enfoque majoritário das notícias inviabiliza um importante debate, que é o da violência de gênero. Basta constatar que o fato de elas serem estupradas diariamente é noticiado com um véu de preconceito e colonialismo. Violentar meninas inocentes é algo típico de culturas tribais e selvagens, principalmente aquelas oriundas desse lugar atrasado, chamado África, pensam muitos. Porém, esse raciocínio não poderia ser mais equivocado.

Leia mais: Sul da Índia tem aumento de 70% no índice de estupros em dois anos

Praga global

Crimes sexuais contra mulheres e meninas são uma praga global. E se inserem não somente em contextos de guerra deflagrada tradicional, mas também de guerra não convencional. Em ambas, há o uso político da violação: a partir da conquista territorial do corpo feminino, se vence uma trincheira diferente. Além disso, a mensagem de domínio masculino é muito clara e significativa, como a expressada pelo Boko Haram no rapto de abril, mas como também em diversos outros casos de uso sistemático da violência sexual contra mulheres ao longo da história.

Wikicommons

Manifestantes em Bangalore exigem justiça para o estupro coletivo de uma jovem na Índia, em dezembro de 2012. Ela faleceu

Um exemplo é o conflito mexicano, agravado pela ação do narcotráfico. Como aponta a intelectual feminista Rita Segato sobre a pesquisa para o pioneiro ensaio “Território, soberania e crimes de segundo Estado” (2004), onde fala sobre uma onda de feminicídios na mexicana Ciudad Juárez, naquele lugar, o corpo feminino era o “próprio campo de batalha onde se fincavam as bandeiras de controle territorial”. Com o estupro e assassinato de mulheres, “as corporações armadas nas modalidades mafiosas da guerra não convencional”, emitiam signos de suas vitórias, “de sua capacidade de soberania jurisdicional e impunidade”.

Ou seja, não se trata de sexo. Como expressa Segato em outro trabalho, “As estruturas elementares da violência” (2003), quando sublinha que a violência sexual possui “componentes muitos mais expressivos que instrumentais, não perseguem um fim, não querem obter um serviço”. Em vez de ser um simples ato de satisfação sexual, “a agressão ao corpo de uma mulher expressa uma dominação, uma soberania territorial, sobre um território–corpo emblemático”.

Na mesma linha, no livro “Gênero e Poder: violências de gênero em contextos de repressão política e conflitos armados” (2012), a especialista em direitos humanos argentina María Sonderéguer sustenta que “podemos ler nos crimes [sexuais] uma língua que nos interpela”. Citando Segato, ela desenvolve que “quando essa língua escreve sua letra no corpo de uma mulher – ou de um homem – expressa um ato domesticador”, portanto, não se trata de um crime qualquer, mas algo com camadas mais complexas e sensíveis. São as mulheres e crianças os alvos preferenciais por serem compreendidas como propriedade e, assim, expropriadas do próprio corpo em momentos de conflito. São atacadas por serem propriedade a ser conquistada.

Na publicação, Sonderéguer reúne artigos que exploram o avanço da jurisprudência internacional sobre crimes sexuais, com destaque para os julgamentos de agressores da ex-Iugoslávia e Ruanda. Hoje, as violações sistemáticas de mulheres são consideradas como crimes contra os direitos humanos. A intenção do livro é debater o uso da violência sexual por repressores durante a ditadura argentina. Conforme destaca a autora, os depoimentos de argentinas estupradas nos anos de chumbo permitiram que a violência sexual fosse vista “como um crime específico, um delito autônomo diferenciado”.

Desnaturalização

Justamente por isso, deixar de explorar essa problemática é viabilizar mais crimes como os das meninas da Nigéria, cujos destinos se entrelaçam com o das atacadas em campos de concentração nazistas, em prisões de ditaduras latino-americanas e atualmente, na Índia, abalada por diversos casos de estupro coletivo. “As violências de índole sexual contra as mulheres foram possíveis porque continuam outras, já experimentadas, fora do campo de detenção, de violação e de usurpação de direitos”, como alerta Sonderéguer.

Trata-se de uma epidemia mundial, cuja raiz não tem paralelo direto com conflitos armados deflagrados, entre dois lados reconhecidos, como na Nigéria. Exagero? Em reportagem de Opera Mundi, foi lembrado que a cada 27 segundos uma mulher é abusada sexualmente na África do Sul. Uma em cada três sul-africanas será violentada pelo menos uma vez na vida. Um em cada três sul-africanos irá estuprar uma mulher. Há uma guerra na África do Sul? Sim, contra as mulheres, assim como em diversas outras nações ao redor do mundo, neste exato momento. Na luta pela desnaturalização da violência de gênero, nada deve parecer exagerado.

* Marina Terra é editora-chefe de Opera Mundi e membro do coletivo feminista Casa de Lua

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Guerra na Ucrânia

União Europeia terá plano emergencial de fornecimento de gás em julho

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Representante anunciou nesta quarta-feira (06/07) que a União Europeia terá plano emergencial para lidar com problemas no fornecimento de gás dentro de duas semanas

Redação Opera Mundi

São Paulo (Brasil)
2022-07-06T14:45:00.000Z

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou nesta quarta-feira (06/07) que a União Europeia terá um plano emergencial para lidar com problemas no fornecimento de gás russo dentro de duas semanas.

"É importante ter uma abordagem coordenada baseada em dois pontos: verificar onde há mais necessidade de gás e como fazer com que esse gás vá para essas áreas. Estamos preparando esse plano porque não queremos que, em caso de emergência, haja 27 diferentes intervenções em nível nacional, como aconteceu no início da covid", pontuou a líder do Executivo ao Parlamento Europeu.

Von der Leyen afirmou que é preferível que cada Estado-membro da União Europeia tenha seu próprio plano interno, "mas se reduzirmos a demanda de energia em alguns setores da economia, isso deve ocorrer sem obstáculos no mercado interno".

A presidente da comissão ainda acrescentou que "o gás e o petróleo devem ser distribuídos onde houver mais necessidade", e alertou que os países-membros devem estar "preparados" para novos cortes no fornecimento dos combustíveis fósseis russos, como vem ocorrendo nas últimas semanas por conta das sanções contra a o país, devido a guerra na Ucrânia.

"Precisamos nos preparar para novas interrupções do fornecimento de gás, até mesmo uma interrupção completa do fornecimento por parte da Rússia. Hoje, ao todo, 12 Estados-membros são diretamente afetados por reduções parciais ou totais no fornecimento de gás. É evidente que [Vladimir] Putin está usando a energia como arma. Por isso, a Comissão está elaborando o plano de emergência europeu", disse Von der Leyen.

Flickr
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, se manifestou sobre o possível corte do fornecimento de gás russo para a Europa

A presidente da comissão também apontou que todas os países europeus já estão "diversificando as fontes" de fornecimento de energia, usando outros parceiros e "se afastando da Rússia":

"Desde março, as exportações globais de GNL para a Europa aumentaram 75% em relação a 2021. Ao mesmo tempo, a importação média mensal de gás russo teve uma forte queda de 33% na comparação com o ano passado. E estamos fazendo mais progressos, mas isso tudo funcionará só se acelerarmos a nossa transição para os renováveis. As mudanças climáticas não vão esperar o fim da guerra de Putin", acrescentou a presidente da Comissão Europeia.

A representante ainda negou especulações de que, por conta do conflito e de questões de segurança, seria necessário "atrasar a transição verde" para focar na segurança do bloco:

"É exatamente o contrário. Se não fizermos nada além de limitar combustíveis fósseis, os preços vão explodir no futuro e vão reforçar Putin. A melhor saída, mais limpa e mais segura da nossa dependência são as energias renováveis", disse.

(*) Com Ansa.

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