Desde que comecei a trabalhar na Prefeitura do município de Conde, o aprendizado tem sido diário. É muito intenso o trabalho em uma prefeitura, porque o território que ela gere e administra é aquele em que as pessoas vivem. Ele é real, pulsante, efetivo, vibra, ferve, esquenta, esfria, explode, acolhe, “tudo ao mesmo tempo agora”, como cantaram os Titãs.
Estou na prefeitura desde janeiro de 2017, quando tivemos noção do tamanho do desafio a ser enfrentado, quando sequer sede do Gabinete da Prefeita existia. A antecessora tinha doado o imóvel em que antes funcionava a sede da Prefeitura ao Tribunal de Justiça da Paraíba, sem a devida autorização da Câmara Municipal, e a prefeita Márcia Lucena começou seu trabalho sem ter sequer um imóvel para colocar sua mesa e cadeira para trabalhar e despachar.
Foi chocante ter que passar quase todo o primeiro ano de trabalho usando meu próprio notebook pessoal, o qual levava diariamente para Conde. Não tínhamos ar condicionado nas salas. A internet funcionava mal, faltava material de expediente. Isso pode parecer um chororô pessoal, mas é mais do que isso. Explico.
Por algumas vezes, estive em Brasília para tratar de problemas da Secretaria da Saúde. Transitei pelos prédios dos órgãos públicos de lá e conversei com servidores, autoridades. Deparei-me com um cenário completamente inverso a essa realidade da gestão pública municipal de Conde: a organização de todos os setores do ponto-de-vista de infraestrutura. Todas as salas em que estive eram esteticamente agradáveis. Possuíam ar condicionado, mesa nova, cadeira com estofado, internet, computador novo funcionando, água gelada, além das obras lindíssimas de vários artistas brasileiros. Isso sem falar nos prédios propriamente ditos, muitos decorrentes da obra de grandes arquitetos brasileiros como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer. Cada vez em que me deparei com essa realidade da gestão pública federal, lembrava das agruras da infraestrutura da gestão pública da Prefeitura de Conde. A antítese dessas realidades causava-me desconforto e certa indignação.
Em que lugar quero chegar com toda essa história? Ao Pacto Federativo brasileiro!
Nossa Constituição Federal estabelece os entes que constituem a República Federativa no Brasil: são a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, e que devem atuar de forma conjunta e em parceria. Chamamos de Pacto Federativo as regras estabelecidas na Constituição para esses entes, com a configuração de suas obrigações, campos de atuação e formas de arrecadação de recursos.
Pois bem, o que a comparação da infraestrutura da gestão pública de Brasília com a de Conde me mostrou? Mostrou-me que há um desequilíbrio grande entre esses dois entes, União e município, que impacta na vida dos gestores, na gestão das políticas públicas e, por conseguinte, na vida da população.
Sem adentrar nas razões que levaram Brasília a ser bem estruturada no âmbito da gestão pública, já que foi criada para este fim, na medida em que nasceu para ser capital desse país, é importante analisar o quanto os municípios são preteridos desde 1988 no âmbito da arrecadação de recursos, de forma que possam se estruturar minimamente para prestar seus serviços. Além disso, há resistências variadas culturais de estruturação dos serviços públicos, que se apresentam em nossa vida de gestão pública a todo momento.
Embora tenham menor capacidade de arrecadação de recursos em relação à União e aos estados, os municípios têm consigo a maior tarefa, que é a de ordenar e gerir os problemas do território no qual as pessoas vivem! A União e os Estados são ficções jurídico-políticas, mas o municípios são calcados no território vivo.
Bruno Cecim/Ag.Pará
Decisões do STF impactaram nas ações de enfrentamento à covid-19 nos municípios do Brasil
Durante a pandemia da covid-19, o financiamento das ações das prefeituras continuou sendo muito pequeno. Na Secretaria de Saúde recebemos do Ministério da Saúde testes rápidos, alguns poucos equipamentos de proteção individual (EPI) e recursos financeiros em montante menor do que a gravidade da situação exigia.
Mas durante a pandemia, o papel fundamental dos municípios foi reforçado pelo Supremo Tribunal Federal.
Coube ao Supremo Tribunal Federal reconhecer, em seus julgados, a importância do papel dos municípios nessa guerra sanitária contra a covid-19.
Por meio de decisões paradigmáticas, o Supremo Tribunal Federal fortaleceu a atuação autônoma dos municípios, as quais impactaram nas ações de enfrentamento à covid-19 no âmbito da gestão pública da Prefeitura de Conde.
A primeira delas foi a decorrente do julgamento do pedido liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6341, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na ocasião o ministro Marco Aurélio Melo decidiu por explicitar que as medidas adotadas pelo Governo Federal na medida provisória n.º 926/2020 para o enfrentamento do novo coronavírus não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Essa decisão monocrática foi referendada por maioria pelo Pleno do STF.
Por meio dessa decisão, Conde pode editar decretos municipais que determinaram o isolamento social e a restrição de atividades do comércio, opondo-se às determinações da União, situação que repercutiu positivamente no cenário epidemiológico da pandemia na cidade.
A segunda foi a decisão proferida pelo Plenário do STF, em sessão realizada em 06 de maio, que deferiu medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6343, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade. Por meio dela decidiu-se que estados e municípios podem adotar medidas de restrição à locomoção intermunicipal e local durante o estado de emergência decorrente da pandemia da dovid-19, desde que respaldadas em recomendação técnica fundamentada de órgãos da vigilância sanitária municipal, estadual ou federal. O entendimento da Justiça e do Ministério Público estadual que atuam em Conde era de que somente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderia avaliar tecnicamente a possibilidade de serem realizadas as barreiras sanitárias restritivas de acesso nas vias da cidade de Conde. Foi essa decisão do STF que referendou a posição da Prefeitura de Conde de que cabia à Vigilância Sanitária municipal emitir avaliação técnica a respeito da conveniência e oportunidade de manutenção das barreiras sanitárias restritivas de acesso em Conde, vez que o conhecimento do território e da situação epidemiológica da pandemia da cidade na cidade era sua atribuição.
Importante ressaltar que estudos recentes mostram que a covid-19 disseminou-se principalmente devido ao fluxo rodoviário, o qual as barreiras sanitárias restritivas de acesso mitigaram. Foram elas, em grande parte, que contiveram a disseminação do novo coronavírus na cidade de Conde.
Percebe-se, portanto, que a pandemia trouxe, do ponto-de-vista institucional, o fortalecimento do município como ente da Federação principalmente no que se refere à sua autonomia de decisões, achado este que repercutiu positivamente nas ações de enfrentamento à covid-19 no Brasil, e em especial, em Conde.
(*) Renata Martins Domingos é secretária de Saúde da Prefeitura de Conde, na Paraíba.