Salvo algumas exceções, o resultado de uma eleição presidencial é explicado muito mais pela política do que pela campanha. E, no entanto, quase sempre caímos na tentação de nos confundirmos diante da conjuntura, perdendo de vista os traços profundos que realmente nos permitem entender por que ocorre uma vitória ou derrota eleitoral.
O que aconteceu no Equador não foi exceção.
Daniel Noboa será o próximo presidente do país. Ele venceu Luisa González no segundo turno por 52% a 48%. Porcentagens muito semelhantes às obtidas por Lasso e Arauz em 2021 (52,3 a 47,6).
E também há muita semelhança entre os dois primeiros turnos. Ou seja, Arauz obteve 32, 7% em 2021 e Luisa 33,6% em 2023; e Lasso obteve quase 20 pontos, e Noboa teve 23.
Além disso, há um alto grau de semelhança na composição fragmentada da Assembleia entre 2021 e 2023. E o mesmo ocorre com a porcentagem de atomização do restante dos candidatos que ficaram de fora do segundo turno.
Poderíamos dizer que tantas semelhanças são pura coincidência? Não, de forma alguma.
Apesar das muitas diferenças circunstanciais entre um momento e outro, a semelhança dos resultados eleitorais tem muito mais a ver com o processo político pelo qual o Equador vem passando nos últimos tempos.
Em outras palavras, seria um grave erro analítico supor que o que aconteceu nessa eleição se deve às diferenças entre os perfis dos candidatos (Noboa não é como Lasso, nem Luisa como Arauz). Tampouco devemos considerar que os votos de ambos os candidatos se devem a seus desempenhos no debate presidencial. Ou aos jingles ou spots. Ou às redes sociais. Nem mesmo ao contexto de crescente insegurança. Nem à morte de Villavicencio. Nem às empresas offshore de Noboa.
Essa tese não contradiz de forma alguma o fato de que esses fatores tiveram uma importância relativa na forma como os cidadãos decidiram. Sim, tiveram, mas sua influência foi marginal se a compararmos com outro conjunto de variáveis de natureza política que perduraram no tempo.
Daniel Noboa Azin / Facebook
O vencedor das eleições de domingo (15) e novo presidente do Equador, Daniel Noboa Azin
Algumas das razões estruturais que explicam o resultado eleitoral são as seguintes:
1. O correísmo é a principal identidade política do país, mas não é suficiente para alcançar a maioria no segundo turno. Ele continua sendo central, tanto a favor quanto contra.
2. A fragmentação partidária e a alta volatilidade vieram para ficar. O fenômeno da “Democracia Spotify” também chegou ao Equador. Isso pode ser visto claramente em uma radiografia de tudo que está fora do correísmo: não importa quem seja o candidato ou o partido. Eles acabam se unindo no segundo turno, de forma tática, apesar das heterogeneidades políticas.
3. A população que mais sofre e tem a menor renda é um sujeito-chave na nova (des)ordem social e política. Grande parte dela não acredita mais nas instituições. O Equador está passando por uma profunda crise de representação. As soluções não serão encontradas olhando para o espelho retrovisor. O único caminho a seguir é repensar tudo, identificando as novas demandas sem preconceitos e encontrando respostas precisas e exatas, e propondo novos horizontes em sintonia com a nova época.
4. O Bloco Indígena é um ator fundamental no Equador. Não apenas quantitativamente, mas também por sua relevância política. Nos últimos anos, embora não vote de forma homogênea, seu conflito não resolvido com o correísmo tem sido um obstáculo para a construção de uma maioria progressista que triunfe num segundo turno.
Esses dois últimos pontos constituem, juntos, o principal desafio histórico e, ao mesmo tempo, o maior dilema enfrentado por grande parte da sociedade equatoriana para vencer política e eleitoralmente o neoliberalismo. Somente com uma aliança programática sólida e generosa de todos os lados será possível enfrentar a próxima eleição (que está bem próxima, em fevereiro de 2025).
(*) Alfredo Serrano Mancilla é PhD em economia pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). Ele é especialista em economia pública, desenvolvimento e economia global. É colunista convidado do Página 12, La Jornada, Público, Russia Today, e atual diretor executivo do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG).
(*) Tradução de Pedro Marin