Abaixo estão algumas pistas para descobrir os rumos dos acontecimentos globais e, a partir da América Latina, levá-los em consideração na hora de agir.
1. Consolidação da disputa bipolar pela hegemonia mundial
A China e os Estados Unidos, sem dúvida, lideram a disputa pela hegemonia mundial, embora nada indique que o confronto entre eles se agrave. Pelo contrário, dadas as condições de reprodução global do sistema capitalista, poderiam acabar cooperando entre si sem abrir mão de espaço na referida disputa.
A China, com um crescimento médio de 9,9% ao longo de 30 anos, tornou-se o principal produtor industrial do mundo, apesar da guerra econômica e financeira declarada pelos Estados Unidos. Por exemplo, a “guerra dos chips” foi iniciada pelos norte-americanos para “liquidar a concorrência” asiática, mas em vez disso acabou fortalecendo China, melhorando a qualidade da produção de chips e reduzindo a lacuna tecnológica anteriormente existente. Dada a natureza cooperativa da produção global, é provável que os grandes produtores de chips – Estados Unidos e China – acabem por se associar.
Por outro lado, a China é o maior credor externo dos Estados Unidos e, para saldar essa dívida, deve ter sucesso na sua economia. Nesta lógica, exclui-se a destruição mútua num horizonte temporal longo, abrindo antes a necessidade de um espaço comum que lhes permita partilhar a hegemonia mundial nesse período. Se o rumo dos acontecimentos visa configurar um cenário de hegemonia compartilhada, é altamente provável que, paralelamente, tenhamos uma fase de turbulência global onde a América Latina terá que definir o seu papel correspondente. Avançar para a construção de uma opção diferente da sujeição neocolonial poderia ser o caminho a seguir.
2. Crise e regulação do sistema capitalista mundial
Desde o final do século XX, tem sido destacado o poder do sistema capitalista para estabelecer mecanismos de autorregulação capazes de lidar com as crises periódicas que se seguiram à Grande Depressão. Contra a crise ambiental, o ambientalismo começou a caminhar. A explosão populacional justificou processos de planeamento rigorosos. A escassez de mão de obra ou, melhor ainda, o seu custo no processo produtivo foi em grande parte compensada com tecnologia e inteligência artificial. As crises financeiras tiveram o Estado como seu grande salvador, etc.
Embora o sistema capitalista carregue consigo o germe da sua própria destruição (Marx), também está demonstrando grande poder para lançar mecanismos de autorregulação que inspiraram ilusões como a do “fim da História” (Fukuyama). A autorregulação não confere eternidade ao sistema, com todos os seus males e virtudes, especialmente com as suas crises, agora territorialmente localizadas, sem se tornar ainda a “crise global do sistema capitalista”.
É por isso que enquanto a Ásia cresce e adquire o seu sistema capitalista com produção dominante, o Ocidente (especialmente a Europa e o Japão) experimenta processos de crise de magnitude variável. Não é mero detalhe o fato de que, enquanto o Ocidente se estremece o comércio intra asiático de incrementa: já é 40% do comércio regional, e as estimativas apontam que, nos próximos anos, 55% do comércio mundial terá origem na Ásia, no Oriente Médio, na África e na América Latina. Tudo isso sob a liderança chinesa, que controla 80% da rede regional de produção manufatureira. É o projeto de “Cinturão e Rota” em ação, em formato capitalista e mobilizando os 144 países que têm em Pequim o seu principal parceiro comercial e financeiro.
3. Crise ecológica sem soluções à vista
As emissões de CO2 em 2023 serão superiores às de 2022, ultrapassando a marca de 40,9 gigatoneladas, o que serve de alerta, já que há muito pouco o que se pode ser feito para evitar um desastre. Os principais emissores (China, Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e Índia) olham para o lado e continuam a queimar combustíveis fósseis. Se a tendência continuar, a temperatura poderá aumentar 1,5% (em 7 anos) e 1,7% (em 15 anos), deixando, mais uma vez, os Acordos de Paris, relativos às mudanças climáticas, como letra morta. Dentro de 40 anos, viveremos um colapso climático.
Este problema não é apenas uma questão técnica porque, dadas as suas dimensões e impacto na humanidade, torna-se uma questão filosófica e política, que nega a capacidade moral e ética do capitalismo para responder aos desafios das alterações climáticas. Tudo parece indicar que é necessária uma nova civilização (S. Huntington, 1996) fundada em valores diferentes da predatória “modernidade capitalista”.
4. Integração latino-americana, quase um desejo
A integração, tão ilusória na nossa região, parece ser a esperança de escapar ao estado de sujeição em que a América Latina viveu durante a sua história. Somos possuidores de imensos recursos naturais que o desenvolvimento do sistema capitalista necessita, mas que ainda assim os depreda. Cobre, petróleo, urânio, lítio, cobalto, zinco, madeira, entre outros, estão no subsolo e na superfície de todos os países da região. Poderia tornar-se um fator de poder, se a direção dos acontecimentos fosse compreendida.
Se tudo continuar como antes, estes recursos deixarão de existir nas próximas décadas, desencadeando escassezes e crises industriais sem precedentes. Embora a China tenha consolidado o seu estatuto de “aspirador global de matérias-primas”, a América Latina poderá ser o grande fornecedor soberano das mesmas, com possibilidades de desenvolvimento industrial.
Nos próximos 10 anos, o crescimento econômico da China dependerá exclusivamente da sua procura interna. Antes de 2030, o país concentrará 25% do consumo global, e depois mais de 40%. Este cenário é uma oportunidade para a América Latina.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.