Começar a escrever uma coluna mensal neste novo site é uma tarefa alvissareira e que me traz grande prazer. Ao mesmo tempo, acomete-me de um certo calafrio. Será que serei lida por alguém? Será que trarei reflexões, dúvidas, certezas ou criarei caraminholas na cabeça das minhas leitoras e leitores?
O fato é que o desafio foi proposto e aqui eu estou.
Buscarei nesta coluna mensal discutir temas relativos ao direito eleitoral, à gestão e às políticas públicas, às mulheres na política. Vamos juntos tentar estabelecer uma relação de sintonia. Sintonia para que possamos tentar compreender melhor esse mundo da busca pelo poder de dirigir uma comunidade de pessoas e de interpretar as regras do jogo eleitoral para chegar a este fim.
E, para começar propriamente esta coluna, lembro que neste ano teremos eleições municipais, quando então elegeremos Prefeitas e Prefeitos, Vereadoras e Vereadores dos municípios. Eu costumava chamar as eleições de festa da democracia, mas um amigo, exímio jornalista paraibano, chamou-me atenção de que festa que é festa não tem tantas restrições para a sua realização. Pois concordo, ele tem razão.
Se considerarmos as leis eleitorais e as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a realização das eleições nas últimas décadas, veremos que, a cada pleito, as regras de como realizar a propaganda eleitoral têm se tornado cada vez mais detalhadas e tecnicistas, transformando as eleições numa “festa estranha”, como diria Renato Russo.
Se antes podíamos colocar faixas e cartazes nas ruas publicizando as candidaturas existentes, fazer showmícios e festas para reunir pessoas, agora as regras não possibilitam mais esse tipo de propaganda eleitoral. A legislação eleitoral vem tornando-se um arcabouço cada vez mais rebuscado de limites, de vedações, de procedimentos e de formas que reprimem a espontaneidade e a autenticidade dos atos dos candidatos e candidatas num pleito em que se busca convencer os eleitores sobre a melhor candidatura.
É certo que o objetivo que embasa todo esse regramento é o contraponto das limitações na legislação impostas: garantir o livre convencimento e a livre escolha da eleitora e do eleitor, visando assegurar-lhes autonomia. Este é, na verdade, o paradigma de toda a legislação eleitoral vigente.
Todavia, o mundo real, aquele que nos faz derreter nesse calor infernal que se apossou de nossos dias neste início de ano, mostra que nem sempre esse objetivo é atingido com a aplicação das regras proibitivas. E muitas vezes as proibições são contornadas com novas ações criativas, ainda não regulamentadas pela legislação eleitoral.
Semana passada, o TSE aprovou as resoluções que vão regular todo o processo eleitoral municipal deste ano. A mais importante delas, segundo o ministro presidente do Tribunal, foi a resolução que trata da propaganda eleitoral, a Resolução nº 23.610/2019, com as alterações da Resolução n.º. 23.372/2024. Continuam a ser as fake news o carro chefe das preocupações do Tribunal nesta seara, com o desafio, neste ano, de impedir a possível potencialização destas por meio da “anabolização pelo uso da inteligência artificial”[1].
O TSE inovou ao autorizar o uso da inteligência artificial na propaganda eleitoral, mas exigiu “o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e a tecnologia utilizada”[2], “em formato compatível com o tipo de veiculação e serem apresentadas”, por meio de áudio, rótulos (marca d´água) ou de forma escrita. O eleitor e a eleitora têm que ser avisados, portanto, de que houve uso da inteligência artificial na propaganda eleitoral. Proibiu, no entanto, o uso de “conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake)[3]”, para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial de causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.
Controlar a forma de se conseguir o voto não é tarefa simples. Acerta o Tribunal quando autoriza o uso regulado de uma nova forma de tratar os conteúdos eleitorais, possibilitando aos candidatos e candidatas que inovem e deixem a festa das eleições mais interessante e convidativa ao debate de ideias e dos perfis das candidaturas. As convidadas e os convidados agradecerão as novas cores e formas desta festa.
(*) Renata Martins Domingos é advogada, Mestre em Direitos Humanos e já trabalhou em várias campanhas eleitorais assessorando juridicamente candidaturas. Também já foi gestora pública e exerceu o cargo de Secretária de Saúde da Prefeitura do município de Conde, Paraíba.