No final do Carnaval, como de costume, não faltam notícias assustadoras. Em São Paulo, uma mulher de 29 anos foi estrangulada pelo namorado; no Rio de Janeiro, uma grávida de 35 anos morreu após ser espancada pelo marido. É raro o dia em que não se escutam novos casos de violência contra as mulheres no Brasil.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch já fala de uma verdadeira epidemia. Apenas em 2017, a ONG contabilizou 1.333 feminicídios, ou seja, a morte de uma mulher simplesmente por ser mulher.
“O número de assassinatos de mulheres segue em ascensão”, diz Ana Carolina Querino, da ONU Mulheres Brasil. “E o Brasil continua sendo um dos países onde mais se matam mulheres no mundo.” Segundo a ativista, particularmente afetadas são as mulheres negras, que já são estruturalmente desfavorecidas na sociedade brasileira – dois terços de todos os assassinatos recaem sobre elas.
Nos últimos anos, no entanto, o movimento de defesa dos direitos das mulheres conseguiu algumas vitórias. A Lei Maria da Penha contra a violência doméstica é vista como um passo importante para a proteção de mulheres ameaçadas, e a lei antifeminicídio, aprovada em 2015, aumentou o arsenal de defesa feminino.
“Com isso, a gente conseguiu um aumento grande da visibilidade, com a sociedade e a mídia dando mais atenção nestes casos”, diz a advogada Leila Linhares Barsted, da ONG Cepia.
No entanto, quanto mais a mídia e os tribunais se ocupam da violência contra as mulheres, mais claras se tornam as estruturas subjacentes. “Há um padrão alto de machismo, de misoginia contra as mulheres, que expressa padrões de poder. E isso está acontecendo no momento em que as mulheres querem mais liberdade, querem trabalhar, estudar e não querem mais viver uma vida de violência”, acrescenta a advogada.
De acordo com Barsted, os homens reagem com violência a essa emancipação. “Não podemos esquecer que houve, no Brasil, 300 anos de escravidão. E nesse tempo, os indivíduos masculinos se sentiram proprietários dos outros seres humanos, na vida e na morte”, diz a ativista.
Barsted aponta que, até a nova Constituição entrar em vigor há 30 anos, as mulheres também eram legalmente subordinadas aos homens. Essa forma de pensamento ainda está profundamente enraizada na cultura brasileira.
Na campanha eleitoral para presidente no ano passado, forças progressistas e conservadoras entraram em colisão. Em vão, movimentos feministas se rebelaram contra o militar reformado Jair Messias Bolsonaro. Ele chamou atenção diversas vezes por seus ataques contra as mulheres. Em 2014, Bolsonaro afirmou na Câmara dos Deputados que uma colega parlamentar não merecia ser estuprada por que seria “muito feia”.
Sob o slogan “Ele não”, foram vistas as maiores manifestações feministas da história do Brasil. Mas elas não contiveram o político ultraconservador. Agora, o Brasil tem um presidente que impulsiona novamente as tendências machistas dentro da sociedade, afirma Tatiana Roque, do PSOL.
“A onda de violência tem sim a ver com a onda conservadora. A partir do momento em que autoridades legitimam o discurso misógino, homofóbico e preconceituoso, isso faz com que as pessoas se sintam liberadas e autorizadas a praticar feminicídio e outros crimes”, completa.
Além da violência, as mulheres ainda sofrem com a desigualdade econômica. Segundo um estudo do IBGE de 2017, eles ganham em média apenas 77% dos salários dos homens. E somente 18% das empresas têm mulheres em cargos de presidência. “É preciso preparar as mulheres para a competitividade econômica”, aponta Querino. “Empoderar economicamente as mulheres tem influência em todos os campos da vida, incluindo liderança e participação política, prevenção à violência machista.”
O domínio masculino também se reflete no gabinete ministerial de Bolsonaro, que consiste principalmente de homens brancos. A ministra da Mulher, a pastora evangélica Damares Alves, defende posições ultraconservadoras. Até mesmo o endurecimento da lei do aborto é tratado como plausível.
Um exemplo do papel secundário feminino na política são os casos de candidatas “laranjas”, recentemente descobertos no partido de Bolsonaro. Elas só foram convocadas para que a cota de 30% de candidaturas de mulheres, exigida por lei, fosse alcançada. Seus fundos de campanha fluíram secretamente para candidatos do sexo masculino.
Segundo Querino, só é possível falar de democracia quando as mulheres alcançarem suficiente participação no processo político, ou seja, ao menos 30% de todos os assentos parlamentares.
De qualquer forma, após as eleições de outubro do ano passado, a participação parlamentar feminina subiu de 10% para 15% no Congresso em Brasília. “Além disso, contamos com mais deputadas federais e estaduais negras, com a primeira deputada federal indígena e mais deputadas jovens também.”
Tatiana Roque fez um balanço semelhante. “Os movimentos feministas se tornaram mais fortes, mas isso também desencadeou um backlash do patriarcado contra esses movimentos.” Para a política do PSOL, isso seria paradoxal: “Piorou porque melhorou.”
Cintia Barenho/Flickr CC
Além da violência, mulheres também sofrem com desigualdade econômica