Há um ano e meio vivemos uma rotina socialmente estressante. O presidente avança dois passos sobre a legalidade, a sociedade reage, o presidente recua um passo. Logo depois, ele, um de seus filhos ou generais avisa que eles podem fechar o STF com um cabo e um soldado, ou editar um novo AI5 ou, enfim, levar embora a bola do jogo.
E assim, de passo em passo, se ainda não se reconhece um regime militar típico, já não dá mais para dizer que estamos num regime democrático de direito.
Nesse regime sem nome, os mortos pela gripezinha chegam a 42 mil. 42 vezes o que o “médico” Osmar Terra “garantiu”. Seis vezes o que o dono da Madero achava “razoável”. O segundo número de mortos no planeta, no único país em que as curvas de contaminação e mortes estão na ascendente.
E o genocida na presidência, em lugar de ao menos fingir solidariedade às famílias, convoca seus seguidores a invadir hospitais, seguindo sua espiral de contaminação e morte. E seus seguidores, em lugar de respeitar a dor de quem perdeu entes queridos e os homenageia nas areias de Copacabana, arrancam cruzes.
Enquanto isso a estratégia do desmatador geral da república continua funcionando. Aproveitando a “distração da pandemia”, o destruidor da educação enviou ao Congresso uma medida provisória propondo que, durante a pandemia, o ministro possa indicar interventores nas universidades e institutos federais para substituir os reitores em fim de mandato.
Marcos Corrêa/PR
Se fosse só uma questão de lógica seria o caso de perguntar por que não se pode continuar o processo legal de indicação das listas tríplices? Afinal, não é só uma gripezinha? Afinal, não é para voltar ao normal?
A medida provisória era escandalosamente ilegal porque a anterior venceu os seis meses sem ser aprovada pelo Congresso e, pela lei, o executivo não pode enviar MP equivalente no mesmo ano.
Além disso, seu teor é tão flagrantemente inconstitucional e a reação de parlamentares e instituições foi tão imediata, que o presidente do Senado cumpriu a lei e devolveu a medida.
Foi só uma pequena vitória, mas suficiente para que mais um general, dessa vez da ativa e chefe da Secretaria de Governo, viesse a público declarar que os militares não querem dar um golpe, mas “o outro lado” não pode “esticar a corda”.
Como ele não foi adiante ficam dúvidas (ou fuzis?) pairando sobre nossas cabeças. Esperar que a constituição seja cumprida é esticar a corda? Esperar que o presidente deixe de estimular as mortes na pandemia é esticar a corda? Chorar os mortos é esticar a corda?
Lembrar da corda do assassinato de Vladimir Herzog é esticar a corda?
*Carlos Ferreira Martins é Professor Titular do IAU-USP São Carlos