Quem na sexta-feira digitou “Lula e coroação” no buscador do Google, querendo encontrar notícias da presença do presidente brasileiro na coroação do novo monarca inglês, foi surpreendido pela seguinte sugestão: “você quis dizer Lula e corrupção”. Quem teve a curiosidade de buscar “Bolsonaro e coroação” teve como resposta “você quis dizer Bolsonaro e coração”.
No sábado isso já tinha sido retirado do ar, após muita gente denunciar nas redes. Poderia ser uma falha técnica do algoritmo se não estivéssemos na mesma semana em que o buscador avisava, logo ao entrar na sua página, que “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.
Nos dias seguintes choveram denúncias sobre a dificuldade de encontrar, nas várias redes “sociais”, posts de parlamentares ou cidadãos defendendo o Projeto de Lei que deveria instituir o Marco Legal da Plataformas Digitais. O nome PL das FakeNews assumido por toda a mídia, ao reduzir o complexo tema da regulação ao problema -real- da falsificação de notícias, já foi uma derrota política, da qual a comunicação do governo – se é que existe algo que mereça esse nome – não parece ter se dado conta.
Nenhuma novidade. Quem acompanha a trajetória das redes sociais sabe de sua instrumentalização política pela extrema direita ao menos desde a eleição de Trump em 2016 e dos enormes embates jurídicos pelo estabelecimento de marcos legais para a regulamentação desses poderosos meios de comunicação social.
A União Europeia estabeleceu, já em 2000, uma Diretiva sobre Comercio Eletrônico. A Alemanha aprovou em 2017 a mais completa legislação de regulação e fiscalização da comunicação eletrônica atualmente em vigor, o Network Enforcement Act (NetzDG) ou Lei de Execução das Redes.
Os Estados Unidos têm vivido contínuos embates entre o Congresso e os principais proprietários das redes, de que a convocatória de Mark Zuckerberg, da Meta/Facebook, foi das mais destacadas na mídia internacional.
Ou seja, um exercício de soberania do Congresso Brasileiro, no sentido de seguir o esforço internacional de estabelecer algum controle da sociedade (portanto social) sobre poderosos meios de comunicação privados (que se disfarçam sob o nome de redes sociais) é ostensivamente sabotado pelas próprias redes, em conluio com o bolsonarismo, sabidamente beneficiário da ausência de regulamentação.
Ian Jones/Lula/Twitter
Lula e Janja encontram com Charles III no Reino Unido, no último sábado (06/05)
Até Artur Lira, presidente da Câmara, que ninguém acusará de esquerdista, caracterizou a ação das big tecs como um “assalto a um poder da República”. Mas o que a nossa imprensa nos diz é que “o governo Lula foi derrotado”.
Não foi você, leitor, nem eu, nem as milhares de pessoas ameaçadas diariamente por esses veículos, nem os pais e mães em pânico ante a decisão de levar ou não seus filhos às escolas ameaçadas de atentados, nem os pais e mães das crianças assassinadas por alucinados animados pelas redes, que fomos derrotados? Foi o governo Lula?
Essa artimanha de linguagem, a de atribuir a Lula, em primeira pessoa, dificuldades, derrotas ou tensões que, na verdade atingem a toda a sociedade brasileira ou ao menos à maioria que o elegeu, é uma das mais eficazes e perversas operações comunicativas de nossa imprensa corporativa.
Se você é cliente do Santander e resolver aproveitar a promoção de Antecipação do Imposto de Renda, ou seja, uma modalidade em que o risco de inadimplência é praticamente zero, pagará a módica taxa de 39,13% de juros ao ano que, com os custos administrativos chegará a 50,48 a.a. E isso é muito bom perto do cheque especial ou do cartão de crédito que pode chegar a 200% ao ano.
Você pegaria um empréstimo bancário para investir em um negócio? Se tiver alguma alternativa, certamente não. Afinal temos a mais alta taxa de juros do planeta, estando longe de ter a maior inflação ou a maior relação dívida / produto nacional. Esse é o resultado lógico de um Banco Central que é autônomo em relação ao governo eleito pela maioria dos brasileiros, mas absolutamente dependente do mercado financeiro.
Mas para a nossa imprensa existe uma tensão ou uma briga “de Lula” com o Banco Central. A suposta tensão não é sua, nem minha, nem dos milhões de famílias que não conseguem sair do círculo infernal da rolagem das dívidas e da inadimplência. É do Lula!
A armadilha é, naturalmente, de mais largo espectro que as redes ou a Faria Lima. Também tem o trend topic da tensão “entre Lula e os militares”. Mas essa merece uma coluninha exclusiva.
(*) Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.