Nesta semana a oposição nas redes sociais se esqueceu abruptamente do holocausto de Manaus e da batalha do governo federal contra a vacinação, porque alguém sugeriu um petisco mais saboroso e adequado à dinâmica do consumo fácil e da adjetivação inócua.
E assim muita gente pode se deliciar com a própria indignação, e se orgulhar da própria superioridade moral, ao saber do “escândalo do leite condensado” ou da alfafa, sem pensar um minuto, apesar do alerta de algumas poucas vozes isoladas, nas dificuldades de analisar compras públicas com dados nesse nível de agregação (compras nacionais).
Sem descartar que é altamente improvável não existirem episódios de superfaturamento ou compras inadequadas numa lista anual do governo federal, o que deveria ser avaliado, pelos que se colocam numa perspectiva de defesa da democracia e de algum resto de política social no país, é a quem aproveita essa dinâmica da continua mudança de foco das redes sociais em que a velocidade de mudança dos temas é diretamente proporcional à intensidade de reverberação.
No direto: quem ganhou com o súbito silêncio sobre o holocausto de Manaus, sobre a guerra contra as vacinas, sobre o orgulho de ser pária internacional e seu agravamento agora que papai Trump se foi?
É certo que a queda de popularidade de Bolsonaro nas pesquisas não chegou a ser o “derretimento” ou a “despencada” de algumas manchetes, mas ela foi a mais significativa de todo o mandato. E estava diretamente associada à percepção da desastrosa condução da pandemia.
Na mesma semana em que uma instituição de pesquisa australiana colocou o Brasil como o pior dos 98 países analisados no quesito combate à pandemia, quem será que ganhou com a elevação de “leite condensado” a trending topic (assunto mais comentado) no Twitter?
Esse entusiasmo com a possibilidade de denúncia de corrupção envolvendo o governo federal e as forças armadas também afastou da memória social as perguntas já esmaecidas sobre o Queiroz, os depósitos na conta da primeira-dama, os esquemas milionários de lavagem de dinheiro do clã.
Também seria o caso de se perguntar se o canhestrismo das respostas dos porta-vozes militares (o rejuvenescimento da tropa e que tais) é manifestação de incompetência ou reconhecimento da conveniência de manter esse assunto no centro da cena.
O leite condensado serviu objetivamente para ofuscar o holocausto que ameaça deixar de ser apenas amazônico, a ameaça de venda do Banco do Brasil, o desmonte preparatório para a privatização da Eletrobrás e o risco de convulsão social que o fim do auxílio emergencial poderá provocar.
Dizia mestre Millôr que livre pensar é só pensar. Essa liberdade também está rareando no país dos sub-Bannons.