“Viva la Muerte!”. Esse era o grito de guerra das falanges franquistas durante a Guerra Civil espanhola, que terminou numa das ditaduras mais retrógradas e longevas do século XX.
A ele se agregam os corolários de “Morte à Cultura!” ou “Morte à inteligência!”. Para que a pulsão de morte prevaleça é preciso eliminar qualquer resquício de cultura ou inteligência.
Essa oposição emblemática remete a um episódio de 1936, envolvendo o general franquista Millán-Astray e Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca.
Diante dos “Viva la Muerte!” repetidos pelos falangistas durante uma cerimônia acadêmica, Unamuno teria dito que “vencer não é convencer. Para convencer há que persuadir e para isso é necessário razão e direito na luta”.
O general então respondeu: “Morra a intelectualidade traidora!” e deu voz de prisão ao intelectual espanhol mais importante daquele período, que viria a morrer poucos meses depois em prisão domiciliar.
Embora historiadores questionem a exatidão das palavras, elas servem para lembrar que ditaduras sempre se opõem à liberdade de reflexão e expressão que a cultura e a universidade supõem.
Entre o atual regime empresarial militar e o implantado em 1964 há semelhanças e diferenças. Uma delas é precisamente a relação com a cultura e a liberdade de expressão.
Um intelectual que viveu o período já alertou para a curiosa contradição, logo depois de 1964, entre um regime autoritário de direita e uma produção cultural hegemônica de esquerda, até que, em 1968, as forças obscurantistas perceberam a ameaça e impuseram o AI-5, com intervenção nas universidades, censura e perseguição a intelectuais e artistas.
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Palavra de ordem foi cunhada pelos franquistas durante a Guerra Civil espanhola
Parece evidente que as mesmas forças do obscurantismo retornaram em 2016 e 2018 mais atentas a isso e dispostas a reprimir e eliminar previamente qualquer esboço de crítica e reflexão.
Intervenção nas universidades, censura a manifestações artísticas, desmonte intencional e acelerado das instituições culturais e de memória, ameaça judicial ou física aos críticos, são vistos pelo bolsonarismo como condição necessária para a implementação do seu projeto necroeconômico.
Outra diferença é que, mesmo sob Garrastazu Médici, período mais cruel da ditadura empresarial militar, a morte era exercida impunemente, mas não era saudada ou invocada como hoje. O regime afirmava que a repressão aos “terroristas” era necessária para “salvar o país” e disfarçava as execuções como “suicídios” ou “atropelamentos de terroristas em fuga”.
Desde que um até então obscuro ex-militar dedicou seu voto de impeachment ao mais fanático e cruel torturador, entramos num outro patamar de relação com a morte. Para além da necroeconomia dos limpinhos há o culto macabro dos adoradores, civis e militares, da pulsão destrutiva do que resta de humanidade, nas suas vítimas e neles próprios.
Será isso suficiente para explicar a impotência de alguns e a indiferença de tantos diante do fato de que em breve seremos meio milhão de mortos, a metade das vítimas da Guerra Civil espanhola?
*Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.