O Império chinês viveu uma época de esplendor entre 1680 e 1780, quando era superior à Europa econômica e tecnologicamente falando. Em seguida veio a sua crise com a Guerra do Ópio da década de 1940, dando início ao que veio a se chamar de “Século da Humilhação” que Mao estabeleceria em 1949.
A China não é uma potência mundial que aparece subitamente na história global. As duas primeiras décadas do século XXI registam, apenas, a parte final de um longo processo de amadurecimento daquilo que o país ostenta hoje: uma potência mundial e principal ator na geopolítica global.
Tampouco é uma nação “emergente”, como o Ocidente tipifica desdenhosamente os países que procuram se libertar do jugo de dependência e dominação imposto pelo sistema capitalista mundial. Pelo contrário, foi um ator que, apesar de terem tentado torná-lo invisível, sempre teve um papel na dinâmica mundial e nos seus resultados. A Revolução Chinesa de 1949, liderada por Mao Tse-Tung, não só pôs fim à guerra civil iniciada em 1927, mas também marcou um antes e um depois na história daquele país.
Observar e analisar o processo chinês merece maturidade e conhecimento, que são tão escassos na hora de abordá-lo. É comum encontrar setores políticos de esquerda que gostam de criticar o “autoritarismo” do governo chinês, o “capitalismo de estado”, entre outros; enquanto do campo da direita denuncia a “ausência de democracia” e o “socialismo de estado” quando não o puro e simples “comunismo” promovido pelo PC chinês, etc. Bem, este último é verdade.
Ambos os extremos, ao que parece, preferem prescindir de informação adequada e dar livre curso às suas “percepções” sem se preocuparem com a sua consistência com a realidade que “analisam”.
Com o objetivo de contribuir ao debate, encontrei os seguintes indicadores que poderão ser úteis aos interessados em analisar o que está acontecendo na China e as suas repercussões na geopolítica mundial. Vamos ver.
A China é líder global em:
Energia nuclear, solar e eólica. Possui 55 usinas nucleares em operação e mais 26 em construção. Ou seja, zero emissões de CO2. Na energia solar, instalou 210 Giga watts de painéis solares, o que, em termos anuais, representa o dobro de tudo o que os EUA possuem. Produz 80% dos painéis vendidos no planeta. E a energia eólica tem 400 Giga watts de capacidade instalada, seguida de longe pelos EUA com 122 Giga watts. Todos os dados de 2023.
Trens de alta velocidade. A rede ferroviária (2023) para este tipo de trem rondava 42 mil km, ultrapassando a soma das redes que todos os países do planeta possuem. Todas as operações ferroviárias são realizadas por uma empresa estatal.
Em minerais críticos. Extrai quase 70% de cobalto, mais de 60% de grafite e mais da metade das terras raras do mundo. Processa 35% de todo o níquel do mundo, 58% do lítio, 65% do cobalto e 87% das terras raras. Tudo isso faz parte da construção de sua cadeia de valor de tecnologias limpas, principais demandantes desses minerais críticos.
Reflorestamento. No reflorestamento e na captura de carbono não tem concorrente. Até o momento possui 70 mil hectares em restauração e criação de florestas e mercados de carbono. O objetivo é alcançar um estatuto de ecocivilização nos próximos 15 anos.
Produção e venda de carros elétricos. A Empresa BYD, que não é estatal, vendeu mais de 3 milhões de carros elétricos em 2023 (60% do que é vendido no planeta), superando sua concorrente Tesla (EUA) que vendeu menos de 2 milhões. A indústria automobilística na China é autossuficiente em todos os seus componentes e peças automotivas. É responsável por 65% da produção de baterias para veículos elétricos.
O PIB da China se multiplicou por 10 desde 1990. Ao mesmo tempo, as emissões per capita de CO2 apenas duplicaram. Uma leitura otimista destes dados leva a concluir que estaríamos perante a iminência de um processo de desenvolvimento sustentável. Assunto para outra nota.
Flickr/Shanghai
China, uma potência mundial: no momento, nada a impede
Quem vir o anterior poderá concluir, dado o maniqueísmo pré-existente, que somos apologistas do processo chinês. Mas eles estão errados, não fazemos parte da infinidade de opinadores que agora se curvam diante do dragão. Nem somos do extremo oposto que, curvando-se aos EUA, acreditam que a China é a experiência comunista que “ameaça a civilização ocidental”.
Como em qualquer processo social, político e econômico, existem lados críticos. Nem tudo é positivo no país do Dragão. Os críticos de esquerda e de direita poderiam, se estudassem um pouco mais, fazer críticas muito fortes e válidas a este espetacular boom chinês. Vejamos alguns desses pontos “fracos”:
Como resultado do aumento de rendimentos, a população chinesa está mudando os seus padrões de consumo. Em sua dieta, por exemplo, eles incluem mais carne e leite bovino do que antes. A produção destes bens tem um forte impacto no ambiente e no clima. A sua pegada de carbono é seis vezes maior que a da carne suína, ao mesmo tempo que exige cada vez mais desflorestação e água.
Apesar dos enormes avanços na geração de energia limpa, a China persiste na produção de energia elétrica com carvão, cuja pegada de carbono representa 70% da que existe naquele país. Em 2023, foi revelada a existência de mais projetos de produção de electricidade a carvão, totalizando 306 centrais, desafiando as políticas globais em sentido contrário e pondo em dúvida a promessa de Xi Jinping de reduzir o consumo de carvão a partir de 2030.
Os sucessos acima mencionados na produção de energia limpa têm custos e alguns são muito elevados, especialmente aqueles relacionados com os direitos humanos. A Indonésia, o Peru, a República Democrática do Congo, Mianmar e o Zimbabué registaram (2023) mais de 73 queixas neste domínio. Mais de dois terços das queixas são referentes a abusos contra os direitos humanos das comunidades locais que viram o seu ambiente severamente afetado. Por outro lado, mais de um terço das reclamações se referem a direitos trabalhistas.
A centralização do poder político em, praticamente, uma pessoa por ordem do PCC. É um fato merece críticas severas. É claro que, em tempos em que tanto a direita como a esquerda são protagonistas de situações semelhantes, qualquer julgamento político é relativizado. O caso chinês, no entanto, poderá adquirir conotações próprias pelo que fez e está prestes a fazer. É incomum ter um partido único com tanto poder quanto a China. E é este partido que confia a Xi Jinping poder ilimitado. É óbvio que isto nada tem a ver com os conceitos de “democracia” tão castigados no Ocidente. Mas ainda assim, este é um ângulo onde os críticos poderiam encontrar consolo.
Como “não existe democracia”, não existe mercado, esse mecanismo prodigioso onde a oferta e a procura se encarregam, de forma “espontânea e gratuita”, de estabelecer os equilíbrios que a sociedade exige. “Confirmado, capitalismo de Estado!”, gritarão alguns, enquanto outros dirão triunfantes: “mercado submetido ao Estado”. Este discurso, embora ossificado, tem a virtude de nos lembrar que o materialismo histórico existe como ferramenta de análise. Se a utilizarmos, veremos que o mercado, como pensavam Smith e Ricardo, deixou de existir quando os monopólios e oligopólios foram instalados como regimes dominantes do sistema capitalista.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.