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Londrinos protestam contra a lei angi-gay da Rússia em agosto
Confrontados com alegações de despejos forçados, abusos de direitos trabalhistas, fraude e corrupção — além do preço recorde estimado de 50 bilhões de dólares — os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, na Rússia, têm sido fonte de indignação internacional já há algum tempo. Mas quando o ministro de Interior da Rússia anunciou que a chamada “lei antigay” do país — que permite multar e prender homossexuais e simpatizantes — seria aplicada durante a Olimpíada, ativistas de direitos dos homossexuais e de direitos humanos ao redor do mundo voltaram sua atenção para a pequena cidade na costa do Mar Negro, um dos cantos mais quentes da Rússia.
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Qual é a questão com a lei antigay da Rússia?
Desde que o presidente Vladimir Putin assinou a nova lei — que foi aprovada na Duma (câmara baixa do Parlamento russo) em votação, por 436 votos a 0 —, no dia 30 de junho, há um fluxo constante de reportagens sobre o que ela significa para o povo russo. Em resumo, o Artigo 6.21 do Código de Violações Legais Administrativas da Federação Russa permite ao governo multar pessoas acusadas de espalhar “propaganda de relações sexuais não tradicionais entre menores”, com valores entre 4 mil a 1 milhão de rublos (120 a 30 mil). Uma lei aprovada em 2012 também bane eventos de orgulho gay em Moscou pelos próximos100 anos.
Ruslan Shamukov/ITAR-TASS/ZUMA
Manifestantes pelos direitos dos homossexuais, depois de serem atacados em um rally em junho, em São Petersburgo
No último final de semana, a jornalista de origem russa e norte-americana Masha Gessen — que começou a campanha do triângulo rosa na Rússia para a aceitação LGBT — publicou um relato angustiante no jornal britânico The Guardian sobre a decisão dela de se mudar com sua namorada e seus filhos de volta para os Estados Unidos, depois de anos vivendo na Rússia. “Em junho, a conta da ‘propaganda homossexual’ se transformou em lei federal”, ela escreveu. “O chefe do comitê parlamentário sobre família se comprometeu a criar um mecanismo para tirar as crianças das famílias do mesmo sexo”.
Yandolin/Russian Look/ZUMA
Ataques de protestantes contra um ativista LGBT durante um evento em São Petersburgo em junho
“Duas coisas aconteceram comigo no mesmo mês: eu apanhei na frente do Parlamento pela primeira vez e eu percebi que, em todas as minhas relações, incluindo as profissionais, eu não era mais percebida primeiramente como uma jornalista: eu agora sou uma pessoa com um triângulo rosa”.
Quais são as outras táticas que os ativistas antigay estão usando na Rússia?
Apesar das ações e sentimentos antigay estarem crescendo há anos — essa lei federal vem na esteira de uma série de leis regionais similares, que foram promulgadas em São Petersburgo e em outras cidades desde 2006 —, essa lei levou a questão a novas alturas: em julho, o grupo Spectrum Aliança de Direitos Humanos (SHRA, por sua sigla em inglês), uma organização sediada nos Estados Unidos que defende os direitos LGBT na Europa oriental, ajudou a chamar atenção internacional para um grupo chamado Occupy Pedophilia.
Liderado pelo notório neonazista russo “Tesak” (“O Machadinha”) Martsinkevich, o grupo tem usado as redes sociais, especialmente a VKontakte (um subproduto russo do Facebook), para postar falsos anúncios de encontros para atrair homens gays. Uma vez frente-a-frente com os homens, os membros do grupo os interrogam e os torturam, e um vídeo do encontro é postado no Youtube. Esse é um dos vídeos do final de julho.
Aviso: o conteúdo do vídeo é perturbador.

Alguns dos vídeos são também postados no site do grupo, onde os usuários podem classificá-los e as vítimas são categorizadas por orientação sexual. Até o momento de escrever esse texto, a Occupy Pedophilia tem quase 450 capítulos regionais listados na VKontakte (reprodução abaixo).
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Larry Poltavtsev, presidente e fundador da SHRA, explica que, meses atrás, Martsinkevich fez um vídeo declarando seu plano particular para acabar com os eventos de orgulho gay na Rússia. Apesar de ter desaparecido por um tempo, Poltavtsev diz, o vídeo recentemente reapareceu no you tube.

Nele, Martsinkevich aparece sem camisa e diz que essa é a primeira vez que ele fala diretamente para o governo de Moscou. Ele explica que é uma vergonha que o governo tenha de usar tantos recursos para banir o orgulho gay — lidando com processos de direitos civis, pagando compensações e afins. Em vez disso, ele sugere, por que não simplesmente tornar os eventos de orgulho gay legais — mas deixar que aconteçam sem segurança ou presença policial? “Essa será a primeira e a última vez”, conclui Martsinkevich, “que os homossexuais vão tentar fazer a parada deles na Rússia”.
Poltavtsev também criou uma petição no Change.org para incluir os deputados russos Vitaly Milonov e Elena Mizulina, ambos patrocinadores da legislação antigay, na lista Magnitsky de violadores de direitos humanos. A petição tem atualmente mais de 11 mil assinaturas.
Enquanto isso, em abril de 2012, uma aparição televisiva de Dmitri Kiselev — âncora de TV e vice-diretor do VGTRK, a companhia de rádio e televisão estatal da Rússia — veio à tona recentemente mostrando Kiselev, um empregado estatal, dizendo o seguinte e sendo aplaudido: “Eu acho que apenas impor multas aos gays por propaganda homossexual entre adolescentes não é suficiente. Eles deveriam ser impedidos de doar sangue, esperma. E os corações deles, no caso de um acidente automobilístico, deveriam ser enterrados no solo ou queimados como impróprios para a continuação da vida”.

Em uma entrevista para a rádio Eco de Moscou, Kiselev defendeu suas observações, explicando que, até onde ele sabe, essas práticas já são adotadas em outros países ocidentais, incluindo os Estados Unidos. (Ele citou como fonte a Food and Drug Administration [Administração Federal de Alimentos e Medicamentos]).
A lei será aplicada durante as Olimpíadas de Sochi?
O longo vai-e-vem sobre essa questão tem sido complicado — e ainda não levou a uma decisão conclusiva. Segue uma análise do que se constatou até agora:
1) No final de julho, o COI (Comitê Olímpico Internacional) assegurou ao público que a recente lei antigay russa não será aplicada durante a Olimpíada;
2) Alguns dias depois, o ministro de Esportes Vitaly Mutko contradisse esse ponto em um entrevista para a R-Sport, a rede de notícias estatais RIA Novosti, dizendo: “Um atleta de orientação sexual não tradicional não será impedido de vir a Sochi … Mas se ele sair pelas ruas e começar a fazer propaganda, então é claro que ele será responsabilizado”.
3) Uma semana depois, Mutko reverteu o curso de sua própria declaração, dizendo a todos para por favor “se acalmarem”, porque esse era um fórum esportivo no qual apenas os esportes deveriam ser abordados, e que “certamente todos os atletas e organizações esportivas deveriam ficar tranquilos”.
4) O ministro de Interior da Rússia confirmou que a lei seria, de fato, aplicada durante os Jogos Olímpicos de Inverno. Mas Alexander Zhukov, chefe do Comitê Olímpico Nacional da Rússia, esclareceu que os atletas LGBT poderiam participar do evento sem temer por sua segurança, desde que não fizessem propaganda de suas visões ou estilos de vida a menores – uma ação que a lei define vagamente.
Como essa lei poderia afetar as pessoas nos Jogos Olímpicos?
Se for totalmente aplicada na Olimpíada, essa lei poderia certamente ser usada tanto contra os atletas quanto espectadores. Uma disposição da lei especifica que os estrangeiros gays ou pró-gays podem ser presos por até 14 dias antes de serem deportados do país. Além disso, foi amplamente notado que a disposição da lei sobre “fazer propaganda para menores” é incrivelmente vaga, fazendo com que o COI e a FIFA, cuja Copa do Mundo de 2018 está programada para ser na Rússia, pedissem que a administração de Putin esclarecesse a lei.
Dito isso, não há menção de nada disso no site oficial dos Jogos Olímpicos de Inverno. Na verdade, o release de imprensa mais recente no sochi2014.com, do dia 27 de junho, é intitulado “O Comitê de Organização de Sochi 2014, Dmitry Chernyshenko, diz que os hotéis atendem as demandas do COI”. É de se pensar.
Como o restante da comunidade internacional — incluindo os atletas — respondeu?
O ator Harvey Fierstein escreveu um editorial para o jornal The New York Times em julho incitando o COI (Comitê Olímpico Internacional) a “exigir a retratação dessas leis sob ameaça de boicote”. Ele depois deu um passo além, destacando a falta de um boicote aos Jogos de Verão em Berlim, em 1936: “Apoiadores daquela decisão apontam orgulhosos o triunfo de Jesse Owens, enquanto eu aponto, com pavor, para o Holocausto e a Guerra Mundial. Existe um preço por tolerar a intolerância”.
A opinião de Fierstein, entretanto, parece ser minoria. Dan Savage, do projeto “It Gets Better”, argumentou que um protesto em Sochi seria mais efetivo que um boicote (se bem que ele convocou um boicote à vodca russa). Dave Zirin, do jornal The Nation falou desse debate para o Grantland, chegando até a John Carlos, coautor do protesto Olímpico mais famoso da história. “Se você ficar em casa”, disse Carlos, “sua mensagem fica em casa com você… Ser ouvido é maior que um boicote. Se nós tivéssemos ficado em casa, nunca mais nos ouviriam”.
Vários renomados ex-atletas olímpicos gays — incluindo o saltador Greg Louganis e o patinador artístico Johnny Weir — concordam com Carlos. O Comitê Olímpico Norte-Americano divulgou um comunicado fazendo forte oposição a um boicote potencial, dizendo, “Se há alguma lição a ser aprendida do boicote norte-americano de 1980”, disse a USOC em uma declaração, “é que boicotes olímpicos não funcionam”.
O presidente Obama disse em uma conferência de imprensa na Casa Branca que ele também se opõe a um boicote, completando que “uma das coisas que eu espero ansiosamente é que talvez atletas gays e lésbicas tragam medalhas de ouro, ou de prata ou de bronze para casa, o que eu acho que percorreria um longo caminho em rejeitar o tipo de atitude que nós estamos vendo lá”.
O que os patrocinadores corporativos têm a dizer sobre tudo isso? Chris Geidner e Span Maheshwari, do BuzzFeed entraram em contato com 10 dos principais patrocinadores Olímpicos, cujos porta-vozes tiverem pouco a adicionar à declaração do COI. Ainda assim, uma porta-voz da General Electric disse aos repórteres: “Nós esperamos que o COI defenda os direitos humanos em todos os aspectos dos Jogos Olímpicos”.
Enquanto isso, a NBC (antigamente parcialmente controlada pela GE), que pagou ao COI US$ 775 milhões pelos direitos de transmissão de Sochi, recebeu críticas do Media Matters, entre outros, por repetir a conformidade do COI e por não fazer reportagens sobre a lei antigay.
E o que dizer da petição instando o COI a mover as Olimpíadas de Sochi para Vancouver?
Essa petição, que agora tem mais de 10 mil assinaturas, foi apoiada pelo ator e ativista dos direitos dos homossexuais George “Mr. Sulu” Takei, que disse ao PRI’s The World que um boicote regular não funcionaria “porque seria grosseiramente injusto com os atletas”. Ele continuou:
“Nós acreditamos que a melhor solução é tirar [os Jogos Olímpicos] da Rússia, assegurar a segurança dos atletas e de seus patrocinadores e transferir o evento para Vancouver, que é o mais viável dos vários locais. Os patrocinadores vão seguir a Olimpíada aonde ela for”.
Vancouver, como vocês podem se lembrar, sediou os Jogos Olímpicos de 2010 com críticas positivas. Mas mesmo se o COI estivesse inclinado a mudar os Jogos Olímpicos de lugar (não está), existe a pequena questão da viabilidade. Como um do conselho da cidade de Vancouver disse à CBS News, “Eu entendo a intenção, mas, em termos práticos, eu não vejo como poderia acontecer”.
Atualização: Dias depois de o corredor norte-americano Nick Symmonds criticar a lei antigay depois de ganhar uma medalha de prata na final dos 800 metros no Campeonato Mundial de Atletismo, em Moscou, Scott Blackmun, executivo do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, falou ao R-Sport russo que “é nosso forte desejo que nossos atletas cumpram as leis de todos os países que nós visitamos. Não é diferente com essa lei”.
(*) Hannah Levintova é a coordenadora editorial do Mother Jones. Para mais histórias, clique aqui. Ian Gordon escreve sobre imigração, esportes e América Latina para o Mother Jones.