Tendo defendido a substituição do protecionismo e importação durante a maior parte da década de 1940, a classe dominante da Irlanda estava mal preparada para se beneficiar da dramática retomada da economia europeia depois da guerra. O fato de estar geograficamente isolada e incapaz de desenvolver um capitalismo doméstico auto sustentável, fez com que as elites irlandesas acabassem por procurar IED (investimento estrangeiro direto) como forma de desenvolver a economia do pós-guerra. A partir de 1958 isto tornou-se um ponto central da política industrial e muitas das medidas que posteriormente se caracterizaram como “neoliberais” foram adotadas com entusiasmo. O Neoliberalismo é literalmente uma nova liberdade, para movimentar o capital e o estado irlandês começou a dar todo o tipo de incentivos para atrair esse capital de crédito livre à Irlanda. Sendo a pioneira de uma estratégia que foi mais tarde adotada por outros países desenvolvidos nos anos 1990, a Irlanda promoveu zonas de comércio livre, uma autoridade de desenvolvimento e um regime fiscal que permitiu que as empresas privadas mantivessem 90% dos seus lucros irlandeses.
A expansão do Tigre Celta
Esta era a condição necessária para o influxo rápido de capital durante o então chamado “Tigre Celta”. No entanto, não era suficiente sem a entrada da Irlanda na Comunidade Econômica Europeia em 1973. De um posto avançado relativamente isolado, a Irlanda tornou-se repentinamente num destino estrategicamente importante para o capital da UE (União Europeia), principalmente, e em todas as fases da integração europeia, as elites irlandesas foram apoiantes entusiastas. Uma combinação de salários (relativamente) baixos, uma economia em expansão da UE e um primeiro passo de vantagem no neoliberalismo, permitiram à Irlanda atrair uma quantidade desproporcional de IDE que ajudaram a alimentar o crescimento econômico até a virada do século. Tal como em outras áreas geográficas (México, Sul da Ásia etc.), o capitalismo neoliberal inicialmente desenvolveu alguma produtividade e aumento real de salários. Mas como em toda a parte, isto acabou por se tornar numa enorme exploração e num modelo cada vez mais insustentável. Por todo o “Tigre Celta” os salários reais ficaram abaixo da produtividade e, mesmo durante os anos de expansão, os trabalhadores foram cada vez mais explorados. Apesar disto, o aumento da inflação e do salário mínimo, tornaram gradualmente a Irlanda menos atraente para o IDE, e, na virada do século (recessão da UE, etc.) o “milagre irlandês” mostrava-se decididamente instável.
A bolha do Tigre Celta
Se a Irlanda tivesse se mantido fora da UME (União Monetária Europeia) talvez nunca tivesse existido a economia Tigre. Mas o controle rigoroso imposto aos membros da UME significava que a Irlanda tinha poucas opções assim que a economia começou a abrandar. Tendo perdido o controle da política monetária, a Irlanda não conseguiu reconquistar a competitividade imprimindo dinheiro ou desvalorizando a moeda. De igual modo, o estado não podia pedir empréstimos para (um keynesiano) estímulo devido às regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. No final, o governo acumulou uma enorme bolha da propriedade ao descuidar os regulamentos internos dos bancos e reviveu uma série de baixas de impostos aos promotores imobiliários. O sector bancário sempre foi um baluarte do capitalismo irlandês e como membro da Zona Euro, os bancos irlandeses tiveram acesso quase ilimitado ao crédito barato europeu.
Os anos em que a Irlanda expandiu o seu sistema financeiro coincidiram com os ataques selvagens aos trabalhadores do continente (em particular da Alemanha). Isto queria dizer que o capital europeu tinha “poupanças” significativas e que ao longo dos anos de 1999 a 2008 os seis principais bancos irlandeses aumentaram o seu saldo colectivo de cerca de 85 bilhões de euros para cerca de 600 bilhões. Isto representa quatro vezes o valor do PIB irlandês e na verdade significa que os bancos irlandeses estavam a pedir empréstimos de lucros tirados a cerca de 8 milhões de trabalhadores europeus para emprestar a uma população de apenas dois milhões de trabalhadores. E isto estava condenado a ser inflacionado e após a virada do século, os preços dos terrenos e dos imóveis ultrapassaram largamente quaisquer aumentos de salários.
A ruína do Tigre Celta
Tal como o colapso do subprime americano, a bolha da propriedade irlandesa arrebentou quando os trabalhadores irlandeses não conseguiram pagar o rápido aumento dos preços da propriedade. Se isto tivesse sido um ato isolado, teria originado uma correção severa. O fato de ter sido desencadeado pela crise financeira mundial em setembro de 2008 fez com que a carnificina fosse muito pior. Durante os 18 meses que se seguiram, a economia irlandesa entrou em “queda livre” à medida que os problemas de dívida explodiam e o desemprego disparava. Uma economia que tinha sido, de uma forma esmagadora, sustentada por um “crédito barato” estava particularmente vulnerável à ”crise do crédito” mundial e o setor de construção irlandês ruiu simplesmente face ao colapso do crédito e dos clientes.
Para cima de 100 mil trabalhadores da construção (5% do total da mão-de-obra irlandesa) perderam imediatamente os seus empregos, e o impacto das consequências refletiu-se em toda a economia. Rapidamente, a Irlanda atingiu uma das taxas de desemprego mais altas da UE (14,5%), um déficit público acima dos 33% e uma classe capitalista que simplesmente se recusava a investir.
Uma solução neoliberal para uma crise neoliberal
A queda da economia irlandesa é parte da crise alargada do capitalismo e o meu argumento é de que o ritmo particular do neoliberalismo irlandês (políticas de mercado livre) melhor explica os últimos 15 anos. A Irlanda foi um dos pioneiros das economias neoliberais (dando toda a vantagem ao capital) e os fluxos resultantes de “dinheiro quente” levaram a uma “expansão”, uma “bolha” e uma “ruína”. Tal como qualquer história neoliberal, a classe dominante ganhou o leão de ouro da “expansão” quase todos os despojos da “bolha” e está agora em processo de beneficiar da “ruína”.
A exploração foi o mecanismo chave durante a “expansão” pois a produtividade ultrapassou os aumentos dos salários reais. O endividamento (pagamentos de juros) foi o mecanismo chave durante a “bolha” pois os preços das casas ultrapassaram grandemente os salários reais. O roubo ilegal foi o mecanismo chave durante a “ruína” pois a Troika (UE/BCE/FMI) supervisiona uma redistribuição em larga escala dos trabalhadores e dos pobres às classes dominantes. Tal como os trabalhadores portugueses, os trabalhadores irlandeses têm sido usados e abusados há demasiado tempo. Isto simplesmente não pode continuar e eu termino com uma chamada à união da resistência à austeridade por todo o continente. Só desta forma podemos construir uma Europa social da qual nos possamos orgulhar – livre de toda a exploração e opressão.
*Artigo publicado originalmente no Portal Esquerda.net
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