A privatização é o processo em que as empresas constituídas com recursos públicos são cedidas ao setor privado, sob a justificativa de busca de uma gestão mais eficiente e voltada para o mercado. A realidade mostra, porém, que os desfechos decorrentes dos processos de privatização do setor elétrico brasileiro na década de 1990 trouxeram uma degradação dos serviços e das condições de trabalho, bem como um aumento das tarifas além dos níveis de inflação. Para pegar o caso de São Paulo como exemplo, a antiga Eletropaulo, empresa estatal criada em 1981, foi desmembrada em outras quatro empresas em 1998. Em 2018, a Enel – concessionária italiana de distribuição de energia – comprou ações da Eletropaulo que ainda pertenciam à União e assumiu o controle da empresa. Desde então, a empresa demitiu 36% de seus funcionários. Em 2019, eram 23.835 entre próprios e terceirizados que vinham da antiga Eletropaulo. Em 30 de setembro de 2023, eram 15.366 trabalhadores.
Dados divulgados recentemente mostram que, enquanto a região metropolitana de São Paulo sofria com seguidos apagões, a Enel obteve um lucro de 1,3 bilhões de reais em 2023 só em São Paulo – globalmente, o lucro da empresa italiana foi de 3,44 bilhões de euros em 2023. E, mesmo assim, ela ainda não pagou, até hoje, uma multa de 165 milhões de reais imposta pela agência reguladora pelo apagão ocorrido em novembro. De acordo com trabalhadores do setor elétrico, esse tipo de situação é causado pela forma como empresas do segmento operam atualmente. Privatizadas, elas visam lucro prestando um serviço público. Trabalham com quadro reduzido de funcionários e, em ocorrências que fogem à rotina, já não têm equipes para responder na velocidade necessária. E isso tudo ocorre em meio a uma fiscalização federal frouxa.
Setores monopolistas, como é o caso da energia elétrica, metrô, petróleo, água, saneamento básico, etc, aumentam seus lucros mediante aumento das tarifas ou redução dos custos. O caso de São Paulo é emblemático neste sentido, como os dados apresentados demonstram. Além disso, atualmente, as empresas de energia não são mais obrigadas a informar quanto investirão para manter a qualidade dos serviços, resultando em agências reguladoras focadas mais nos interesses financeiros das empresas do que na qualidade para os consumidores. Os indicadores utilizados para avaliar as empresas de energia agora focam mais em aspectos financeiros do que na segurança, manutenção e modernização dos serviços prestados, levando a uma piora na qualidade do atendimento e da manutenção. As tarifas subiram e serviço piorou, por isso, para o vice-diretor do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, professor Ildo Sauer, “há uma degradação geral do sistema elétrico que está sendo constatada pelos indicadores no Brasil inteiro e, de maneira pronunciada, em São Paulo e no Rio de Janeiro”.
Quando faz investimentos em tais setores, o investidor está preocupado apenas com a taxa de retorno do capital aplicado e não com a qualidade do serviço prestado à sociedade ou ao cidadão. A busca pela chamada “maximização da rentabilidade” foca unicamente no balanço superavitário entre receitas e despesas de cada projeto. Assim, ao elevar receitas e reduzir despesas, o caminho está aberto para o aumento exagerado de tarifas e a diminuição injustificada dos gastos associados à melhoria dos serviços. Além disso, a privatização do setor elétrico fere a soberania e a segurança nacional, já que se alguns grupos internacionais comprarem as empresas transmissoras e geradoras de energia e o país entrar em algum atrito comercial, em represália os novos concessionários podem criar um “apagão”.
Outra questão é que a energia elétrica é uma necessidade básica da população e não deveria nunca ser tratada como mercadoria, isto é, não deveria ser inserida em um um processo de apropriação de recursos públicos para abrir novas fontes de acumulação de capital. As privatizações no setor energético, que vêm sendo realizadas desde a década de 1990, não resultaram em redução de tarifas, nem melhora dos serviços e muito menos em redução da dívida pública, como apregoavam os seus defensores, além de que o Brasil ainda não alcançou a universalização da eletricidade, em pleno século XXI, pois há entre dois e três milhões de brasileiros sem eletricidade, fora os que têm acesso, mas recebem um serviço que oscila demasiadamente.
É necessária e urgente a reestatização dos setores que são direitos básicos da população, principalmente porque foram privatizados sem que seus usuários fossem consultados. Por exemplo, no caso da Sabesp, cujo leilão está previsto para o segundo semestre de 2024, uma pesquisa feita pela Quaest entre os dias 4 e 7 de abril deste ano, com 1.640 entrevistados, mostrou que 52% se opõem à venda da empresa de saneamento básico e 36% se declararam a favor. Ainda, um plebiscito popular organizado por sindicatos e movimentos populares sobre a privatização, no final de 2023, terminou com 97% dos votos contra a entrega dos trens de passageiros, do metrô e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Segundo os organizadores, o plebiscito teve cerca de 897 mil votos. A população não quer, o serviço privatizado é caro, de baixa qualidade e não cumpre com o que prometeu. As necessidades básicas do povo não podem ser alvo do lucro das multinacionais. Os serviços públicos são mais importantes do que nunca em face da catástrofe climática, do crescimento das desigualdades e da elevação da instabilidade política no mundo todo.
(*) Bianca Valoski é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da UFPR, dentro da linha de pesquisa em Economia Política do Estado Nacional e da Governança Global. É servidora da Câmara Municipal de São José dos Pinhais, onde trabalha com finanças públicas.