No dia 29 de maio os sul-africanos foram às urnas. Realizaram votações em nível nacional e provincial (estados) para eleger uma nova Assembleia Nacional e parlamentos estaduais. A nova Assembleia Nacional irá escolher o novo presidente do país, que a depender das negociações pode ser o atual, Cyril Ramaphosa, para os próximos cinco anos. Será a 7ª eleição geral na África do Sul desde o fim do apartheid, em 1994, quando Mandela foi eleito presidente com o partido ANC (Congresso Nacional Africano) tendo obtido 62,5% das 400 cadeiras do parlamento nacional. E é a primeira vez em que o ANC não alcança mais de 50% dos votos.
Após três décadas de domínio da política nacional, desde 1994, a situação do ANC deixou de ser confortável nas eleições e, no último dia 29, obteve apenas 40,21% das cadeiras do parlamento nacional. Obrigatoriamente, haverá composição com um ou mais partidos para se atingir mais de 50% da casa legislativa e assim poder escolher o presidente do país.
Alguns números importantes: a população hoje é de 62 milhões de pessoas, das quais 27,7 milhões estavam registradas para votar em 23 mil postos de votação espalhados pelo país A África do Sul está dividida em nove estados ou províncias e possui 257 municípios. Esta foi a primeira eleição com candidatos que se inscreveram como independentes de partidos.
Os quatro partidos que estiveram em melhores condições para disputar a maioria no parlamento nacional foram: ANC (Congresso Nacional Africano), DA (Aliança Democrática – partido da oposição liberal formado principalmente pela minoria branca), MK (Umkhonto we sizwe – Lança da Nação – organizado pelo ex-presidente Jacob Zuma após seu rompimento com o ANC) e o EFF (Combatentes pela Liberdade Econômica – do ex-líder da juventude do ANC, Julius Malema). Antes do processo eleitoral, o ANC possuía 230 das 400 cadeiras, o DA 84 e o EFF 44.
O resultado das urnas determinou que o ANC precisará trabalhar em uma composição para formar maioria para que seja escolhido o/a presidente e vice-presidente. A votação indicou as seguintes porcentagens: ANC com 40,21% (159 cadeiras), DA com 21,78% (87 cadeiras), MK com 14,59% (58 cadeiras) e EFF com 9,51% (39 cadeiras). As demais cadeiras estão pulverizadas entre 26 partidos que fizeram melhor votação entre os mais de 50 que apresentaram candidatos.
Diante dos resultados, no dia 2 de junho, o presidente Cyril Ramaphosa conclamou os partidos com as maiores votações a dialogarem para formar governo. Mas, por trás desta fachada institucional, a situação interna no ANC é bastante tensa. Os rompimentos produzidos com o ex-presidente Jacob Zuma e o ex-líder da juventude do ANC, Julius Malema, deixaram muitas feridas que teriam que ser neutralizadas para um bom diálogo com o MK e o EFF. A força política e o apoio popular de Zuma vêm da região de KwaZulu Natal, uma das províncias que historicamente mais apoio deu ao ANC desde a vitória sobre o apartheid, mas que já vinha dando sinais de descontentamento nas últimas eleições, dando votos ao partido do dissidente à esquerda Julius Malema (EFF). Já com o DA, as diferenças são profundas e, em grande parte, para além do racismo e da xenofobia, a votação deste partido liberal vem justamente de seus ataques aos anos de governo do ANC e suas dificuldades para superar entraves econômicos e se desfazer das suspeitas de corrupção.
Do ponto de vista da presença internacional da África do Sul, três frentes podem sofrer alguma alteração com a mudança de governo. A dos BRICS, a da defesa da causa Palestina e a missão da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) liderada pelo país na República Democrática do Congo, segundo maior país da África. Além disso, as Forças Armadas da África do Sul também estão presentes em Moçambique e Ruanda. Sobre os BRICS, o partido DA recentemente soltou um comunicado em que alega que a presença do Irã e da Arábia Saudita no BRICS +10 criam um bloco ao qual a África do Sul não deveria pertencer. Sobre a Palestina, o DA reivindica a neutralidade da África do Sul em oposição ao protagonismo do país hoje na CIJ (Corte Internacional de Justiça da ONU) para acusação de Israel por genocídio contra o povo palestino.
Nos próximos dias, vamos acompanhar com atenção o desenvolvimento da formação do novo governo de coalizão da África do Sul. Este país estratégico do continente africano e do sul global, cujo governo, até este momento, ao lado de Brasil, Rússia e China, participa da construção de uma perspectiva que cada vez mais desestabiliza o hegemonismo dos EUA.
(*) Ana Prestes é Cientista Política e Historiadora. Escritora. Analista Internacional. Participa dos programas RodaMundo e Outubro na grade do Opera Mundi no YouTube.