A invasão da Embaixada do México no Equador, seguida do sequestro de um equatoriano com asilo político concedido e agressão ao corpo diplomático mexicano, em 5 de abril, compõe uma das cenas mais chocantes vistas na política internacional latino-americana dos últimos tempos.
Foi literalmente um assalto policial ao espaço territorial de uma representação diplomática, algo pactuado entre muitos países, inclusive México e Equador, através da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e a Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963. Ambas tratam da inviolabilidade do espaço territorial destinado a uma representação diplomática e/ou consular em qualquer país signatário das convenções.
O governo do Equador, presidido por Daniel Noboa, alega que se tratou de uma “captura” do ex-vice-presidente do país, Jorge Glas, por “alto risco de fuga”, e que o governo mexicano teria violado o princípio da não-intervenção em questões internas de outro país ao conceder asilo a Glas. Nenhuma das duas alegações dão ao Equador o direito de violar leis internacionais.
Foi a própria Organização dos Estados Americanos, a OEA, por meio de sua secretária-geral, que lembrou aos equatorianos, em nota sobre o caso, que os Estados-membros têm a obrigação de “não invocar normas do direito interno” para justificar a violação de obrigações internacionais assumidas. O presidente Noboa ainda não se pronunciou.
Jorge Glas estava refugiado na Embaixada do México desde o dia 17 de dezembro de 2023. No dia 5 de abril de 2024, dia da invasão, o Governo do México havia anunciado a concessão de asilo político a Glas. Mas a história de perseguição aos membros do governo do ex-presidente Rafael Correa vem de muito antes disso. E a história de Glas se assemelha em muito ao que foi feito com o presidente Lula, a ex-presidente Cristina Kirchner e ao ex-presidente Evo Morales. O processo que resultou em sua condenação em 2017 está marcado por irregularidades e inconsistências típicas de lawfare. Seus seguidos encarceramentos se deram em condições flagrantemente degradantes e de violação de direitos humanos. Ele chegou a realizar greves de fome de até 50 dias e organismos internacionais, como a Associação Iberoamericana para a Defesa dos Direitos Humanos, produziram fartos relatórios sobre o tratamento a ele dispensado pelo estado equatoriano desde que Lenín Moreno assumiu o poder no Equador, sucedendo Rafael Correa.
Novos governantes latino-americanos, ao estilo Noboa, no Equador, e Bukele, em El Salvador, fazem parte do cenário de um momento perigoso pelo qual passa o continente. Embora possuam perfis distintos e aparentemente mais comedidos do que os ultradireitistas como Bolsonaro, no Brasil, Milei, na Argentina, e Kast, no Chile, constituem novas lideranças que seguem uma cartilha neoliberal autoritária e se utilizam da deterioração das condições de vida de suas populações e da escalada de violência, que gera cada vez mais insegurança, para governar de forma arbitrária e policialesca.
Neste cenário, lideranças políticas ligadas à FMLN em El Salvador ou ao antigo Alianza País no Equador são perseguidas, caçadas e capturadas sem que se respeite os direitos humanos ou a lei internacional, como é o caso da invasão da Embaixada do México, que causou a indignação da ampla maioria dos governos da América Latina.
(*) Ana Prestes é cientista social, mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. É analista internacional e estudiosa da história do ingresso da mulher na política brasileira