Estados Unidos não é apenas o que parece ser. O que já é suficiente, mas é também uma história que mistura realidade e mito conforme convém às circunstâncias. Costumamos nos referir a esse país pensando no seu poder econômico, tecnológico e militar no qual baseia a sua “visão” de ser a potência hegemônica no mundo. Há também muitas visões que fazem daquele país um empório de riqueza e abundância a que todos poderiam aspirar. O “American Dream”, sem dúvida.
A doutrina do “Destino Manifesto”
“Destino manifesto” é uma frase que resume a ideia de que os Estados Unidos foram ungidos com desígnios divinos que lhe permitiram expandir, nos primeiros tempos, até unir as costas do Pacífico às do Atlântico. Foi a conquista do oeste (iniciada por Thomas Jefferson em 1803). Com essa “visão” conquistaram mais de 55% dos territórios mexicanos e porto-riquenhos.
A origem desta “doutrina” remonta à época em que os primeiros colonos e agricultores, na sua maioria protestantes e puritanos, chegaram da Inglaterra e da Escócia aos territórios que futuramente seriam os Estados Unidos. Em 1630, o puritano John Cotton disse que por “obediência à predestinação divina”, ocupavam todos os territórios atribuídos pela divina Providência, nos quais não só se reproduziria a sua sociedade, mas se desenvolveria “a liberdade e o autogoverno” como exemplo para outros países.
Quase dois séculos depois, em 1846, John Sullivan, jornalista da época, daria conteúdo teórico e político à “predestinação divina” ao cunhar a expressão “destino manifesto” que, segundo os estudiosos, explicava melhor o expansionismo a que os EUA tinham direito e, em conformidade com isso, ocuparam todo o continente para desenvolver a “grande experiência” de “liberdade e autogoverno”.
Segundo Abraham Lincoln (1865), os EUA são a “última e melhor esperança na face da terra” para a paz e a prosperidade. Ele estava se referindo, obviamente, ao “destino manifesto”. Sob esse comando, o Texas (1854), a Califórnia (1848) foram anexados e, com a guerra no meio, foram anexados Colorado, Arizona, Novo México, Nevada, Utah e partes de Wyoming, Kansas e Oklahoma, que juntos representavam mais de 55 % do território mexicano. Além disso, tomaram Porto Rico e queriam fazer o mesmo com Cuba depois de derrotarem a Espanha numa simulação de guerra.
A partir de 1890, iniciou-se a expansão estadunidense fora da América do Norte, inaugurando formalmente a sua Política Externa, utilizando a doutrina do “destino manifesto”. Desde então, a “missão” dos EUA de promover e defender a democracia em todo o mundo tornou-se uma das suas tarefas de Estado. Isto foi confirmado pelo presidente Theodor Roosevelt (1905): Se uma nação como os Estados Unidos demonstra uma eficiência razoável, bem como autoridade para manter a ordem e a paz, “eles não têm motivos para temer uma intervenção…” quando apenas querem impor regras de conduta civilizada em qualquer lugar do planeta, incluindo a região latino-americana na perspectiva da Doutrina Monroe (1823) que, convenientemente alinhada com o “destino manifesto”, estabeleceu a “América para os americanos”. Na verdade, deveria ter dito “América para os EUA”, porque foi uma resposta ao colonialismo europeu da época.
O mito da Fronteira
Assim como a origem e o desenvolvimento dos Estados Unidos são uma copiosa história que mistura mito e realidade, a fronteira faz parte dela com essas duas dimensões.
O mito adquire materialidade quando a história descreve homens e mulheres fortes e trabalhadores que, com rifles em punho, conquistam “territórios selvagens” e subjugam, quando não são dizimados ou expulsos, seus habitantes. Nesse processo, são particularmente relevantes as figuras dos cowboys e dos xerifes, geralmente considerados pouco menos que heróis da “conquista do Ocidente”.
Ao mesmo tempo, portando esporas ostentosas e cavalos puro-sangue, personagens como Bufallo Bill, cuja presença e modos os tornavam dignos de respeito e admiração, percorriam o território conquistado. Para os jovens cowboys daquela época eram uma referência obrigatória. Não faltaram “bandidos” no palco como Billy the Kid, cuja fama de ladrão e assassino transcendeu territórios.
Como se fosse o outro lado da medalha, a “conquista do Ocidente” deslocou impiedosamente as populações originárias para “áreas de reserva” onde não existiam as condições de vida que anteriormente tinham. Era o custo social que, sob o preceito do “destino manifesto”, era inevitável.
A fronteira para estes “conquistadores” era o horizonte, era o pôr do sol, era o oeste. Essa mesma visão da fronteira foi assumida pelos governantes no poder. As fronteiras foram diluídas cada vez que decidiam conquistar, influenciar ou intervir como têm feito nos tempos atuais em nome da “paz e da democracia”.
Por outro lado, para além da sua conotação de limite territorial, a fronteira poderia ser entendida como uma espécie de separação de elementos duais opostos sem uma solução de continuidade. Por exemplo, a fronteira entre colonos e nômades, entre brancos e índios, entre norte-americanos e mexicanos, etc. Esta compreensão da fronteira poderia, então, colocar elementos em margens diferentes ou, na sua falta, sobrepô-los, dissociá-los ou reacoplá-los. Era a borda dinâmica, diferente de um muro de contenção, de uma tela de arame farpado.

Casa Branca, sede oficial do poder executivo dos Estados Unidos
Todo esse mito se repete como drama e tragédia nas diferentes etapas da história norte-americana. Hoje é o fuzileiro naval, o soldado “armado até aos dentes” que luta pela democracia, pela democracia ocidental, claro, em qualquer parte do mundo, ou defende o seu país de riscos iminentes para a sua “segurança nacional”. A demonstração do poder bélico e econômico nada mais é do que a reedição, em termos modernos, do poder do cowboy e do xerife a nível global. As invasões do Afeganistão ou do Oriente Médio nos lembram a fronteira difusa e o cumprimento do “destino manifesto”.
O primeiro presidente cowboy foi Theodore Roosevelt e o segundo Lindon Johnson, um texano, com chapéu e tudo; depois Ronald Reagan, um cowboy convicto não só no cinema, mas na vida cotidiana. E, diante dos nossos olhos, Donald Trump aparece destemido como um cowboy global, um daqueles rudes e alheios aos bons modos dos cowboys do mito, um anti-herói e brigão que o aproxima de um personagem que lembra ladrões.
Os EUA de hoje
Contra todas as probabilidades, mesmo com a eventual vitória de Trump nas próximas eleições, a economia norte-americana está de boa saúde. Em 2023, cresceu para 2,5%, quando se previa a recessão. A ameaça de desemprego foi substituída por situações próximas do pleno emprego. As guerras na Ucrânia e no Oriente Médio nas quais está envolvido devido ao princípio do “destino manifesto” e ao “mito da fronteira”, ao contrário da diminuição da sua força econômica, dinamizaram-no. Tudo isto, porém, não é suficiente para deter a marcha do dragão (China) que, com o seu próprio destino manifesto, revela as suas intenções de conquistar o mundo.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.