A vitória do staff jurídico de Donald Trump junto à bancada republicana no Senado dos Estados Unidos foi um péssimo agouro para a reinvenção progressista das instituições democráticas no mundo inteiro.
A escala pouco notada do fato – a mesma que, sem impeachment, manteve George Bush filho, militarista extremo, no comando do país – guarda desdobramento correspondente no tempo: o campo democrático das esquerdas e forças simpatizantes devem computar, desde já, na agenda e no radar de atuações ao longo da presente década, os efeitos dessa nova “bomba” invisível (e imprevisível) do ultraconservadorismo pós-Bush.
Ao invés de a conhecida (mas suposta) impessoalidade das injunções políticas e administrativas do Estado norte-americano “educar”, por enquadramento moldador, o personalismo populista de show business de Trump, o que está acontecendo é o oposto, com projeção emblemática internacional: seu republicanismo de plástico e a avalanche multi-intervencionista de sua administração neoliberal, à sombra de intenso fisiologismo e nepotismo privatistas, têm reforjado grande parte do aparelho de Estado, com consequências funestas dentro e fora da América. Conforme adversários internos já o sinalizaram, o marco decisório do dia 05 de fevereiro passado, de blindagem parlamentar do mandatário, estabeleceu, como avanço corrosivo, um “salvo-conduto” para a extrema direita nacional continuar, com mais cuidado e eficiência, procedimentos de abuso de poder, perseguição política de inimigos e obstrução ilegal de processos investigatórios.
A advocacia de Trump alegou, durante o julgamento do impeachment, que a retirada do presidente do cargo com base em tais acusações abriria precedentes perigosos na história política do país. Segundo eles, não havia motivo constitucional suficiente para medida tão drástica.
O fato é que o voto decisivo (pré-estabelecido) de cerca de cinco republicanos pró-Trump (na média das duas votações realizadas) acabou por criar um factoide de múltipla utilidade reversa, de bola quicada à frente, ao reposicionar a ogiva dos precedentes contra a própria democracia como valor universal – a rigor, cada vez menos aberto à otimização permanente ou intermitente, conforme antes se supunha, na trilha das experiências institucionais do mundo ocidental, a saber: até que, a saltos, acidentes e dramas, a inteligência civilizatória conseguisse substituí-lo por regime estruturalmente menos pior.
Esse roteamento de 180 graus nos efeitos condicionais a posteriori prefacia ampla porteira para agravantes autoritários: o histrionismo presidencial ultradireitista, que recentemente levou a emissora de televisão CNN a acusá-lo de flerte com o supremacismo redivivo no hemisfério norte, bem como as ideias políticas xenófobas e estapafúrdias que a administração atual vem defendendo (desde 2018), saíram-se muito mais robustecidos – com brindes de caro whiskey à arrogância – para as eleições presidenciais de 2021 et seq.
A reverberação mediata dessa proeza sobre a capitania bajuladora brasileira, com sua sanha incontinente por colonização neoliberal e prolongada do Estado entre nós, ainda está por ser melhor apreendida e analisada.
O cinturão eleitoral de abre-alas do presidente norte-americano, como no caso do Brasil na sequência, será, como soe sempre, o desempenho dos indicadores econômicos na vida cotidiana, sob enorme revestimento de marketing político direcionado e neons publicitários de merchandising, bem como eficaz serviço robótico nas redes sociais e estrondoso espalhamento de fake news.
* Eugênio Trivinho é professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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