Muito provavelmente, serei um dos primeiros não-judeus solicitados a jurar lealdade a Israel enquanto ideologia, e não Estado.
Até agora, os residentes que se naturalizavam prestavam, como os soldados do país, um juramento a Israel e suas leis. Esta é a situação na maioria dos países. Em breve, contudo, se o parlamento israelense aprovar um projeto promovido pelo governo, os aspirantes a cidadãos terão de defender a presunção da maioria sionista de que Israel é “um Estado judeu e democrático”.
Meu pedido de cidadania deverá ser considerado nos próximos meses, sete anos depois de meu casamento com uma palestina cidadã de Israel. Os 1,3 milhão de palestinos do país – normalmente chamados pelas autoridades de “árabes israelenses” – são um quinto da população. Eu, como outros poucos em minha posição, provavelmente farei tal juramento com os dentes cerrados e os dedos cruzados nas costas. O que quer que eu declare publicamente às autoridades do Ministério do Interior será uma mentira. Abaixo, os motivos.
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Um deles é que esta lei é descaradamente racista. Ela se aplica somente a candidatos à cidadania que não são judeus. Isso não ocorre porque, como acredita a maioria dos observadores, todos os judeus em Israel fariam o juramento de bom grado, mas sim porque um grupo significativo se recusaria a fazê-lo, anulando assim seu direito de se tornar israelense. Este grupo é o dos ultraortodoxos, religiosos fundamentalistas conhecidos pelas vestimentas negras, que são o grupo que mais cresce na população judia de Israel. Eles desprezam as instituições do Estado secular de Israel e só jurariam lealdade a um Estado guiado pela lei divina.
Assim, Israel está exigindo dos não-judeus o que não exige dos judeus.
Outra razão é que não acredito que um Estado judeu possa ser democrático, assim como não acredito que um Estado democrático possa ser judeu. Creio que os dois princípios são tão incompatíveis quanto um “Estado cristão e democrático” ou um “Estado branco e democrático”. Não estou sozinho nesta avaliação. Acadêmicos eminentes nas universidades de Israel pensam da mesma forma. Eles concluíram que o autoproclamado Estado judeu se qualifica não como uma democracia liberal, mas como uma entidade política muito mais rara: uma etnocracia.
Um dos principais expoentes desta visão, o professor Oren Yiftachel, da Universidade Ben Gurion, no Negev, observa que, nas etnocracias, os aspectos democráticos do regime são apenas superficiais. Seu objetivo primário é manter o domínio de um grupo étnico sobre outro. Israel, é bom lembrar, tem muitas leis, mas nenhuma garante a igualdade. A discriminação, observa o professor Yiftachel, é transformada em lei e embutida na estrutura da cidadania, para que um grupo étnico tenha privilégios à custa do outro grupo em todos os aspectos básicos da vida: acesso à terra e à água, economia, educação, controle político e assim por diante.
Até mesmo o status de maioria do grupo étnico é mantido por meio de manobras sofisticadas: Israel concede cidadania a colonos judeus que vivem fora de suas fronteiras reconhecidas e proíbe os palestinos que expulsou em 1948 até mesmo de desfrutar de direitos migratórios compartilhados pelos judeus no mundo todo.
O terceiro motivo é que o novo juramento, em si, reforça uma elaborada estrutura de discriminação institucionalizada baseada nas leis de cidadania de Israel.
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Poucos forasteiros entendem que Israel concede cidadania sob duas leis diferentes, dependendo do fato de a pessoa ser judia ou não. Todos os judeus e imigrantes judeus, assim como seus cônjuges, têm direito à cidadania automática sob a Lei do Retorno. Enquanto isso, a cidadania dos palestinos de Israel – assim como a dos cônjuges que se naturalizam, como eu – é governada pela Lei de Cidadania. Foi esta cidadania bifurcada que tornou possível uma atrocidade anterior: o impedimento, por Israel, do direito de seus cidadãos palestinos de obter cidadania, ou mesmo direitos de residência, para um cônjuge palestino por meio da naturalização.
É novamente a Lei de Cidadania para os palestinos, e não a Lei do Retorno para os judeus, que Israel se prepara para revisar a fim de forçar os cônjuges de cidadãos palestinos, eu incluído, a prestar um juramento ao mesmo Estado que lhes confere cidadania de segunda classe.
A quarta razão é que este juramento é um exemplo clássico de legislação “bola de neve”. Apesar das exultações de Avigdor Lieberman, o ministro de extrema direita que fez campanha com o slogan eleitoral “Sem lealdade, sem cidadania”, esta lei, na atual formulação, provavelmente se aplicará a apenas poucas centenas de aspirantes por ano.
Estão isentos hoje todos os atuais cidadãos, sejam judeus ou palestinos; os cônjuges não-judeus de judeus que se naturalizaram sob a Lei do Retorno; e companheiros palestinos excluídos completamente do processo de naturalização. Apenas o minúsculo número de cônjuges não-judeus de cidadãos palestinos de Israel terá de fazer o juramento. Mas poucos acreditam que o juramento permanecerá tão marginal para sempre. Um princípio que condiciona os direitos de cidadania a uma declaração de lealdade está sendo estabelecido em Israel pela primeira vez.
Os próximos alvos desse tipo de legislação são os partidos políticos não-sionistas da minoria palestina de Israel. Os partidos judeus já preparam projetos para exigir que os membros do parlamento prestem juramento a um “Estado judeu e democrático”. Isto é planejado para neutralizar os partidos palestinos de Israel, que compartilham, como principal plataforma, uma exigência de que Israel se reforme, deixando de ser um Estado judeu para se tornar um “Estado de todos os seus cidadãos”, ou uma democracia liberal.
Os próximos na mira de Lieberbam, é claro, são todos os 1,3 milhão de palestinos de Israel, que deverão se tornar sionistas ou enfrentar a perda da cidadania e a possível expulsão. Posso ser um dos primeiros não-judeus a prestar esse juramento, mas muitos certamente serão forçados a seguir-me.
*Jonathan Cook é escritor e jornalista radicado em Nazareth, Israel. Seus livros mais recentes são Israel and the Clash of Civilisations: Iraq, Iran and the Plan to Remake the Middle East e Disappearing Palestine: Israel's Experiments in Human Despair.
Uma versão deste artigo foi publicada originalmente em The National, de Abu Dhabi.
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