Há alguns anos parei de visitar o Museu da Imigração [ex-Museu do Imigrante, o que não é uma pequena diferença, assim como é diferente o Dia do Trabalho e o Dia do Trabalhador] porque, após passar pelo tradicional processo de terceirização promovido pelo tucanato paulista, montou-se ali uma exposição permanente muito bacana e bonita, mas assustadoramente artificial, que ao fim e ao cabo falsifica a nossa história.
Explico: quem entra no Museu da Imigração hoje encontra camas fortes e arrumadas, com lençóis grossos e branquíssimos, tudo muito limpo. A sensação que temos é que, ao entrar ali, imigrar era uma moleza, e que havia um hotel três estrelas para receber os italianos, portugueses, espanhóis e, posteriormente, japoneses que aqui chegavam. Os médicos estavam ali preocupados com a saúde dos imigrantes, que eram tratados com respeito e dignidade, com direito a luz indireta para não ferir seus olhos cansados da viagem transatlântica.
Não era, pois bem, assim.
A imigração ocorreu num período de políticas higienistas e eugenistas, e eram nesses marcos que os imigrantes eram “recebidos” e colocados em quarentena. Não havia uma “barbearia hipster” para receber os imigrantes, mas um processo de tosa de pelos e cabelos compulsória para evitar a propagação de piolhos e outras doenças que nem se sabia bem como eram transmitidas.
Não se fala ali, nessa exposição, por exemplo, quantos foram os imigrantes que morreram na travessia e na própria “hospedaria”, nem onde eles eram enterrados. É uma dúvida que realmente nunca me foi resolvida em nenhuma das visitas que fiz.
A imigração foi muito útil para transformar a população negra em processo de libertação do trabalho escravizado [a partir de 1888] num exército industrial de reserva capaz de manter na miséria essa população e de manter na pobreza a massa dos próprios imigrantes, enquanto os lucros do capital eram crescentes.
As viagens dos europeus pobres para as Américas não eram, evidentemente, comparáveis aos calabouços dos navios negreiros, não significavam o mesmo nível de violência, mas não deixavam de ser um processo de tráfico de mão de obra em larga escala.
Wikimedia Commons
Exposição Vidas Refugiadas, no Museu da Imigração [ex-Museu do Imigrante], falsifica verdadeira história desses trabalhadores
Nem todo imigrante que veio ao Brasil ganhou terra para trabalhar, muitos foram obrigados a trabalhar em condições que hoje chamaríamos de análogas à escravidão, sendo a escravidão por dívida um método de dominação posto em prática recorrentemente. Subsidiados mesmo eram os grandes capitais internacionais, regiamente pagos seja pelos próprios imigrantes, seja por subvenções estatais na origem e no destino, para essas grandes transações. E os fazendeiros, que não precisavam custear diretamente o processo de importação de trabalhadores para seus cafezais e canaviais.
Aos brancos pobres foram concedidos ao longo do século XX direitos que permaneceram muitas vezes negados à massa da população negra, num processo perverso e funcional para o capital de divisão dos trabalhadores, o que faz da luta antirracista um elemento absolutamente central para a conquista de um país mais igualitário.
A história do trabalho no Brasil é a história do horror, de 1500 aos dias de hoje. Todo trabalhador brasileiro pode contar histórias de horror em sua trajetória familiar e mesmo enquanto povo, sem mentir nem exagerar.
Assim como não deve existir o Dia do Trabalho, mas sim o do Trabalhador, precisamos urgentemente desmistificar a Imigração contada pelo ex-Museu do Imigrante. Não podemos contá-la como se fosse uma novela da Globo, porque essa é a história que encobre dores e sofrimentos de milhões de brasileiros de diversas origens.
Bom Primeiro de Maio a todos nós.