As eleições nacionais nos Estados Unidos deste ano serão tanto para presidente quanto para o Congresso – todas as cadeiras da Câmara e renovação parcial do Senado. A tendência é uma nova disputa entre Joe Biden, a pessoa mais velha a já ter vencido uma eleição presidencial, e o recordista anterior, Donald Trump – os dois últimos presidentes, dentro de um sistema eleitoral onde votam os estados, conforme seu peso, mais do que os cidadãos.
Apesar de Biden ter vencido em 2020 com uma diferença de 7 milhões de votos – cerca de 5 pontos percentuais –, o que realmente determinou a vitória dele em 2020 foram as vitórias nos estados da Geórgia, Arizona e Wisconsin, que juntos lhe deram um saldo de míseros 40 mil votos. Se Trump tivesse revertido essa pequena margem, ele teria vencido no Colégio Eleitoral, embora continuasse perdendo nacionalmente por milhões de votos – graças ao sistema eleitoral.
Neste fevereiro de 2024, Trump lidera no agregado das pesquisas de voto popular, mas sua vantagem no Colégio Eleitoral é mais confortável, uma vez que ele está à frente nos estados-chave, os chamados swing states, os estados pendulares, nos quais a eleição realmente se decidirá. Em resumo, as maiorias eleitorais já estão consolidadas, restando uma margem pequena ainda em disputa entre Biden e Trump. Mas quem seria essa margem?
Os fiéis da balança
Segundo o Edison Group, o eleitorado evangélico branco dos Estados Unidos pulou para cerca de 28% do total em 2020 contra 26% de 2016 – mas, aparentemente, ele se tornou menos trumpista, apoiando o republicano em 76%, contra 81% de 2016. O eleitorado católico, entretanto, virou o voto, após dar uma surpreendente vitória para Trump em 2016 – e aumentou sua participação em cerca de 2 pontos percentuais, chegando a 25% do total.
No geral, Biden venceu Trump por 52 a 47 entre os católicos (25% do total em 2020), enquanto Hillary perdeu de 45 a 52 nesse mesmo setor (23% do total em 2016). Isso explica a vitória de Biden por 5 pontos contra os 2 pontos de saldo positivo de Hillary, que foram insuficientes: ela perdeu de 304 a 227 votos no Colégio Eleitoral, enquanto Biden venceu por 306 a 232 em 2020.
Dos 3 estados decisivos, Wisconsin e Arizona estão acima da média em católicos, mas na Geórgia a questão é o tamanho da participação eleitoral dos negros, geralmente muito pró-democrata. O fator católico, entretanto, está presente em outros estados vencidos por pequena margem em 2020, como Michigan ou Pensilvânia, cuja proporção de católicos é maior do que a média dos Estados Unidos – e eles são um raro eleitorado variável.
Assim, o Santo Graal do voto nos Estados Unidos poderia, muito bem, ser os católicos de origem irlandesa e italiana, cerca de metade do total. Ao contrário dos católicos hispânicos, eles poderiam optar por votar no Partido Republicano, pois não estariam tão dependentes de pautas como imigração e inclusão – e, assim, ter uma variação mais ligada ao desempenho econômico. Esse fator não estaria em função da economia?
Adam Schultz / Biden for President
Joe Biden e Donald Trump durante debate presidencial em 2020
Putin e a Palestina
Sim e não, é a economia, mas há de se tomar cuidado com a fala imortalizada pelo estrategista eleitoral de Bill Clinton em 1992, o famoso “é a economia, estúpido”. A questão, neste caso, é menos a gestão econômica direta e quais as grandes medidas que afetaram, economicamente, a vida financeira dos americanos nos últimos anos. Uma dica: a maior delas nos tempos recentes tem a ver com a política externa.
Joe Biden convenceu os americanos a derrotarem Vladimir Putin, o presidente russo, em uma guerra por procuração na Ucrânia, mas não atingiu seu objetivo até agora. E os efeitos econômicos da guerra, a inflação mais alta e, depois, o aumento do endividamento das famílias, gerou incômodo social e crítica à gestão econômica do governo – considerado o ponto mais fraco da administração Biden pelos eleitores em geral.
Porém, nem tudo é “economia” ou efeito econômico. O massacre cometido por Israel contra civis palestinos, na esteira dos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023, gerou manifestações em massa, as quais foram protagonizadas pela base eleitoral de Biden. O eleitorado democrata critica firmemente a ação de Israel, mas Biden atua em descompasso com sua base, assinando um cheque em branco ao premiê israelense Benjamin Netanyahu.
Em resumo, os católicos não-hispânicos, potencialmente flexíveis na hora do voto, estariam condicionados a uma economia que, no entanto, não flui em razão de uma decisão chave – mas a política externa dita também o interesse de setores mais progressistas, como no caso palestino; logo, temos um setor centrista atingido pela Rússia, enquanto potenciais e animados ativistas anti-Trump estão em convulsão por causa do apoio ou a complacência com Israel.
Cui Bono?
Além de Trump, veremos possivelmente a candidatura independente de Robert Kennedy Jr, o sobrinho do ex-presidente John Kennedy, que parece emular um “trumpismo democrata” e tirar por igual votos dos dois candidatos. Já Cornel West veicula uma retórica de esquerda e muito crítica – que, possivelmente, tira votos de Biden. Nenhum dos dois parece ser capaz de vencer sequer em um estado; mas onde e de quem eles tiram votos pode sim fazer a diferença.
Nesse sentido, Biden entra em baixa no ano eleitoral, com um calcanhar de aquiles na área econômica – em razão dos efeitos de um conflito por procuração – e pela contradição performática no assunto palestino – que despertou muitos dos maiores protestos no país desde o Vietnã. Trump não parece ser solução para nada disso, mas se os eleitores democratas não estiverem felizes, eles simplesmente não irão às urnas ou não farão campanha.
A falta de opções e a repetição da disputa parece suscitar uma crise de renovação da classe dirigente americana, quando a única “novidade”, o trumpismo, nem é mais tão nova assim, além de sempre ter apelado para o passado – enquanto o movimento socialista local parece ter sido paralisado pelo establishment democrata. Biden e Trump, cada qual à sua maneira, parecem querer que tudo fique igual para que nada mude – em uma subversão curiosa de Lampedusa.
(*) Hugo Albuquerque é jurista e editor da Autonomia Literária.