“A dita tragédia de Maceió não existiu”, disse João Pinheiro Nogueira Batista em sua página no LinkedIn. João é CEO das Lojas Marisa e conselheiro da Braskem, empresa petroquímica responsável pela destruição de bairros inteiros em Maceió. Ele se referia ao fato de que não houve nenhuma morte e as famílias atingidas teriam sido devidamente indenizadas pela empresa. Quando procurado pela Folha de São Paulo, o conselheiro se justificou dizendo que não pretendia menosprezar o que aconteceu.
Nenhuma morte?
Vamos aos fatos: em 3 de março de 2018, moradores do bairro Pinheiro notaram rachaduras nas casas e ruas da capital alagoana após um tremor de terra. O Serviço Geológico do Brasil realizou um estudo e concluiu, mais de um ano depois, que a causa para o tremor e surgimento das rachaduras seria a atividade de extração de sal-gema praticada nas 35 minas da Braskem na região. Em 2019, a empresa cessou as atividades de extração.
As rachaduras se estenderam ainda para outros quatro bairros de Maceió: Mutange, Bom Parto, Farol e Bebedouro. Com isso, mais de 60 mil pessoas tiveram que sair de suas casas devido ao risco de desabamento. A área se tornou uma verdadeira “cidade fantasma”. Famílias que constituíram muitas gerações naqueles bairros, criando laços com o território e desenvolvendo suas relações, de uma hora pra outra, tiveram o percurso de suas vidas interrompido.
A Braskem obrigou-as a sair de suas residências e ainda definiu ela mesma os valores de indenização, por vezes menores do que o valor dos imóveis no mercado. “A empresa lucrou em cima do nosso desespero também”, afirma um morador atingido pela tragédia em entrevista para a reportagem do jornal A Verdade (nº 285).
As atividades econômicas locais também foram afetadas. Pescadores relatam que após o afundamento de mina próxima à laguna Mundaú, peixes maiores sumiram e o mangue também afundou, levando consigo os caranguejos e mariscos. Em setembro de 2023, já se contabilizavam doze suicídios diretamente ligados ao desastre de Maceió.
Enquanto isso, a empresa seguiu recebendo do governo Bolsonaro milhões de reais em desoneração de tributos fiscais e incentivos.
A verdade é que o crime socioambiental da Braskem já é um dos maiores em solo urbano do mundo. Se isso não é uma tragédia, senhor Pinheiro, o que é? Má sorte? Infortúnio?
Joédson Alves/Agência Brasil
Centro integrado de monitoramento e alerta da Defesa Civil (Tela esquerda é visto a mina 18 onde ocorreu o rompimento). 18/12/23
Tragédia anunciada
Operando há mais de 50 anos na região, não nos espanta que já na década de 1970 já fosse sabido que aquela deveria ser uma área de proteção ambiental. Mas a Ditadura Militar reprimiu duramente os protestos contra as instalações que iriam prejudicar a restinga, espionou e perseguiu opositores ao projeto. A empresa, que na época chamava-se Salgema Indústrias Químicas e ainda possuía maioria de ações estatais, foi criada em meio ao chamado “milagre econômico” dos generais.
Desde 1990, porém, a Braskem é uma empresa privada, seus principais acionistas são a holding Novonor (mais conhecida como Odebrecht) e a Petrobras.
Vale lembrar ainda que um estudo publicado em 1992 pela Universidade de Houston alertou que a instalação desse tipo de extração em área urbana apresentava riscos. Ou seja, somente o povo foi surpreendido pelo afundamento de seus bairros, pois governantes e acionistas da empresa já sabiam do perigo. E o esconderam.
Lucro acima da vida
A questão é: como essa tragédia aconteceu durante tantos anos e nada foi feito para evitá-la?
Primeiro, pelo caráter repressivo da Ditadura Militar, que encobriu os riscos desse tipo de exploração. Existem relatos de moradores indicando que as rachaduras não começaram em 2018, mas há muitos anos. No entanto, havia pouco acesso à informação sobre as atividades da Braskem.
Depois, a empresa atuou ativamente para cooptar o poder público, através de campanhas que valorizavam o desenvolvimento econômico e político local a partir da empresa. Sem esquecer, é claro, da compra do silêncio. Há evidências sobre investimento direto da Braskem em campanhas de candidatos políticos.
De fato é uma verdadeira tragédia, ao contrário do que pensam os conselheiros e acionistas da Braskem, do alto dos seus luxuosos apartamentos. O afundamento dos bairros vitimizou e continua afetando gerações de famílias trabalhadoras que construíram suas raízes naquele território, mas foram silenciadas até não ser mais possível esconder as consequências da exploração desenfreada da ganância capitalista.
O desabamento da mina 18, em dezembro, acendeu um alerta ao povo brasileiro: mesmo com as minas desativadas, essa história ainda não terminou. A Agência Nacional de Mineração apontou em parecer técnico que existem riscos de novos colapsos nas grandes crateras deixadas pela Braskem. Por sua vez, a empresa apenas afirma que segue monitorando as minas.
O que deve ser feito agora? Penso que reestatizar a empresa e tirá-la das mãos dos desumanos que só pensam em contar corpos é o mínimo.