Estamos nos movendo em direção a um mundo multipolar. Não há dúvidas quanto a isso. A última novidade é a ampliação do BRICS, com os cinco países iniciais – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – recebendo no próximo ano a adesão de mais seis – Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito e Etiópia. O potencial econômico – o PIB dos BRICS, ajustado pela paridade do poder de compra, excede o do G7 –, os vastos recursos naturais e demográficos, o potencial educacional e de pesquisa de alguns desses países, e não apenas da China, dão aos BRICS capacidade suficiente para pôr fim ao período de controle ocidental sobre o planeta.
A solução ideal seria, sem dúvida, que o Ocidente assumisse essa nova realidade multipolar, de modo que a cooperação, e não o conflito, fosse a estratégia finalmente adotada, especialmente pelo eixo Washington-Londres. Acima de tudo, há um nexo comum que une os diferentes e heterogêneos países do BRICS: seu cansaço com a dominação branca e anglo-saxônica. Nossas frágeis democracias não são mais nem mesmo um exemplo de nada, tendo se tornado totalitarismos invertidos “a la Sheldon Wollin“, incapazes de competir em igualdade de condições com a governança chinesa.
A Índia e, principalmente a China aproveitaram a brecha e a oportunidade que lhes foram dadas pelo Ocidente, e é apenas uma questão de tempo até que o país da Grande Muralha recupere o trono mundial que ocupou por milênios. Os últimos 150 anos são, na interpretação dos chineses, um parêntese com o qual eles aprenderam com seus erros. Os Estados Unidos sabem disso e estão tentando ganhar tempo e influência para que, quando chegar a hora, não sejam deixados para trás. O que estamos vendo pode ser resumido em uma frase: “A China não está emergindo. Ela está reemergindo”.
Ninguém, exceto os Estados Unidos, pode competir com um país com tal desenvolvimento tecnológico como a China, que também tem controle estatal de terras e bancos e planejamento estratégico de longo prazo. Somente um conflito militar pode impedir o que é inevitável. O perigo é que os Estados Unidos de fato façam essa interpretação, como já está acontecendo. Mas, como o próprio exército dos EUA adverte, é tarde demais para isso. Além disso, as alianças que a China teceu em torno dos BRICS e com vários países da América Latina, da Ásia e, sobretudo, da África, tornariam isso inviável, se não explosivo.
Para entender a eficácia da governança chinesa, além da impossibilidade dos diferentes setores industriais do Ocidente de competir em igualdade de condições com ela, permita-me tirar o pó de um marco chinês que mal foi mencionado na época pela mídia ocidental: a China erradicou a pobreza extrema em 2020, enquanto na Europa e nos Estados Unidos ela está crescendo. A conquista da China é equivalente a uma redução de mais de 70% na pobreza global e foi alcançada dez anos antes do prazo estabelecido pela Agenda 2030 da ONU.
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Os líderes dos países do BRICS durante abertura da sessão plenária do XV encontro do bloco, em 24 de agosto de 2023
E o que a Europa deveria ter feito?
Sem dúvida, a Europa perdeu a oportunidade aberta pela Grande Recessão (2007-2009). Em vez de buscar um novo equilíbrio global pós-crise, que envolvesse o fortalecimento e a intensificação das agendas e reuniões entre a Eurolândia e os países do BRICS, nos tornamos uma colônia definitiva dos Estados Unidos, atrelando nosso destino ao destino norte-americano. Com esse objetivo e, sobretudo, para a desgraça da população ucraniana, o vespeiro ucraniano foi ativado.
Em meio à Grande Recessão e diante da atitude defensiva e obstrucionista dos Estados Unidos e, especialmente, do Reino Unido, as reuniões realizadas entre especialistas dos países do Euro-BRICS sobre questões tão diversas quanto o sistema monetário e financeiro, as relações comerciais, a energia e as matérias-primas, ou a segurança e a governança global, representaram uma importante mudança de perspectiva em favor de uma solução cooperativa extremamente prática para sair da crise rumo a um mundo melhor.
Nós, europeus, com base em nosso projeto comum, com todas as nossas contradições e profundas diferenças, tínhamos muito a contribuir quanto a como, de um ponto de vista prático, poderíamos resolver conflitos de interesse integrando a heterogeneidade, especialmente diante da posição cautelosa da China. As bases para um acordo Euro-BRICS foram estabelecidas com base em algumas lições anteriores. Quatro delas, em particular, valeram a pena e constituíram um bom ponto de partida na época, mas infelizmente o tempo as diluiu.
Primeiro, a riqueza, a variedade e a novidade dos intercâmbios Euro-BRICS iniciados eram discordantes da trivialidade, da uniformidade e da simplicidade dos intercâmbios tradicionais entre os europeus e cada um dos países do BRICS individualmente. Em segundo lugar, havia a ausência, no centro das relações internacionais das últimas duas décadas, de um diálogo equivalente entre a rede europeia – multinacional, estrutural e institucionalizada – e a rede multinacional em rápido desenvolvimento dos países do BRICS.
Nesse sentido, e em terceiro lugar, um possível acordo Euro-BRICS naquela época teria significado um potencial poder de influência em assuntos internacionais que não foi alcançado até agora. O diálogo direto Euro-BRICS na época abrangia metade da população mundial, mais de 3,5 bilhões de pessoas, e envolvia indiretamente quatro continentes – Ásia, América do Sul, África e Europa. Por fim, nas reuniões realizadas naquela época, as partes reafirmaram a convergência crítica em muitas questões relacionadas à governança global e aos principais desafios globais das próximas décadas.
Esses eram pontos essenciais que teriam permitido prever se estávamos caminhando para um mundo melhor ou se estávamos dando continuidade ao caos das últimas décadas. Infelizmente, as ações de nossos líderes, com poucas exceções, como Jacques Chirac, Gerhard Schröder ou Angela Merkel, nos arrastaram para a solução negativa, a do conflito. O problema é que não podemos mais ignorar o poder dos BRICS e, para eles, somos apenas uma colônia dos EUA, nada mais. Temo, portanto, que nosso destino final seja decidido pelo eixo Washington-Londres, talvez, quem sabe, com a presença esporádica de Paris.