Não há desculpas. Perdemos. Os pretextos aritméticos que caracterizam o dia seguinte já não servem. Não adianta falar em “país dividido”, nem de fraude eleitoral. A derrota é inquestionável. Ganhou Macri, com sua plataforma conservadora (Cambiemos), e perdeu Scioli (com a Frente para la Victoria). Esta é a primeira conclusão que não deve ser maquiada, de maneira nenhuma. Eles são mais. As urnas argentinas, desta vez, deram razão a eles. Ganharam por pouco mais de três pontos de diferença. No século 21, é a primeira vez que um processo de mudanças na América Latina perde nas urnas. Isto merece uma explicação. Ou, pelo menos, uma tentativa de se explicar. Seguem algumas observações.
Agência Efe
Simpatizantes de Mauricio Macri comemoram sua vitória no último domingo (22/11)
1. A presidente Cristina Kirchner não conseguiu se decidir. Não conseguiu impor sua candidatura. Ainda que também não tenha cedido diante do velho aparato peronista. Preferiu não se envolver demais na campanha. Cristina sempre quis consolidar seu capital político com independência: o kirchnerismo como uma força própria e organizada. Ela certamente não acreditou em Scioli, desde o primeiro momento. Talvez tenha simplesmente acreditado que tudo já estava ganho. Mas não foi assim. Ainda falta descobrir se a presidente já está pensando no que está por vir. Ela contará com uma importante presença no Congresso, como principal força política. Veremos qual será seu papel político nos próximos meses. Disto dependerá, em grande medida, boa parte do que virá a ser o espaço K na Argentina: não se pode deitar por terra tudo o que foi conquistado nesta época em que venceu a maioria. É necessário enfrentar este delicado momento, por exemplo, como Chávez o fez quando perdeu o referendo constitucional, no ano de 2007. O desafio é se levantar e reconhecer que hoje já é amanhã. A política segue em frente.
2. Scioli não era o candidato. Scioli não se escreve com K. Ele não é kirchnerista e não pôde fingir ser. A maior parte do Partido Justicialista (PJ) quis que fosse ele o responsável por um novo trânsito em direção ao centro de gravidade do peronismo, o que não significa necessariamente kirchnerista. Scioli está mais próximo de um peronista dos anos 1990 do que de um kirchnerista do século 21. Há uma distância sideral entre ele e a presidenta. Seu discurso carece de um sentimento épico, de emoção. Não se sente confortável quando é confrontado. Seu carisma brilha pela ausência. Durante a campanha, não agregou nenhum voto. Não foi um bom candidato. Não serve para dar continuidade a um projeto de mudanças, por mais ungido que esteja. O que nos obriga a pensar com mais responsabilidade o tema da sucessão: quem, quando, como e que identidade política um sucessor representa.
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Agência Efe
Partidários festejam vitória de Mauricio Macri no último domingo (22/11)
3. Macri se reinventou. A direita do século 21 já não é mais como a do século 20. Não quer revanche nem ajuste de contas. Ela se apresenta como a política do alto astral, amigável, sem confrontos, excessivamente revestida de marketing. Macri soube agregar sem renunciar à sua essência. Não rompeu consigo mesmo, mas antes conseguiu incorporar mais perfis a seu próprio personagem. Assim, ampliou sua base de votos. É esta a questão. Foi agregando siglas, criando coalizões, alianças territoriais. Criaram um Macri poliédrico, abarcando muitas dimensões. Seu projeto político é uma coqueteleira onde cabe quase tudo: o Estado e as privatizações, o social e as transnacionais, o FMI e a pátria argentina. No final, isto rendeu seus frutos. É, portanto, essencial aprender a não subestimar esta nova direita emergente, que se coaduna perfeitamente com os meios hegemônicos e com os poderes econômicos, mas que se apresenta como outra coisa, com outro tom, com outras formas.
4. Não vale a pena disputar o passado, a chave está no futuro. A campanha do medo não é suficiente para ganhar. A leitura do passado não agrega o que se deseja. As novas gerações não sabem o que é a velha e longa noite neoliberal. Outros tantos, que a viveram, já naturalizaram os novos direitos sociais e o novo modo de viver, fortemente sustentados pelas melhorias na capacidade de consumo. Não acreditam que realmente seja possível voltar ao passado. A mudança de época conseguiu instalar um novo sentimento comum de irreversibilidade. A partir disso, é preciso pensar o futuro. A construção de expectativas é a fonte real para conquistar a maioria; a fidelidade se sustenta com desafios voltados para o futuro. Scioli atuou principalmente atacando Macri, centrando-se na ideia do regresso ao passado, e não buscou uma maneira de seduzir o eleitorado com o que poderia conseguir nos próximos anos. Macri fez exatamente o contrário. Evitou falar do passado, propondo uma narrativa de esperança, de oportunidades futuras. Esta é uma lição para os processos de mudança na região: é necessário identificar as novas demandas da cidadania, para seguir avançando. Não adianta dar velhas respostas a novas perguntas.
A isso, é necessário somar os erros da própria gestão governamental, o desgaste de mais de uma década, a contínua restrição externa dos últimos anos, a férrea oposição midiática, a dificuldade de vencer os obstáculos impostos por poderes econômicos internacionais e, além de tudo isso, a necessidade de lidar com as contradições próprias a um processo de transformação em alta velocidade. Tudo isso ajuda a explicar e problematizar esta derrota eleitoral. Mas a análise não nos deve levar a um catastrofismo exagerado. Perdemos. Sim, perdemos. Sem desculpas. Mas é necessário pensar em como não perder nas próximas eleições em qualquer outro lugar da região; ou como se levantar desta para voltar a ganhar. O capitalismo nunca joga a toalha e, portanto, nós também não.