Eu o conheci, cheguei a vê-lo duas vezes. Fui um daqueles jovens com foguinho na alma, que ardia diante do seu olhar. Flameei a bandeira da sua voz e cuidei dos seus passos no Chile.
Hugo Chávez nasceu pra mim em 1997, na Bolívia. Foi lá que o conheci. Muitos de nós esperavam aquele parto que foi gestado um ano depois, com a vitória que ele obteve em Caracas, capital venezuelana. Lembro-me dos meus professores falando sobre ele no caminho para a escola, como um homem que enfrentava os ianques sem meios termos. Com esses comentários e rumores, aquele foguinho foi crescendo aos poucos em mim. Talvez, mais que fogo, tornou-se uma colônia, como formigas que se propagaram pelas minhas veias.
Me emocionei quando recebeu Fidel Castro com um abraço de irmão e entregou sua carne e sua própria voz para que as ideias de Simón Bolívar renascessem nele e no seu povo.
Não soube o nome completo dele até a segunda eleição presidencial, mas Chávez, somente com esse nome simples e nada mais, finalmente se tornou herói quando o povo venezuelano enfrentou a tempestade que se despejou no país em abril de 2002 para defender a ele seu projeto de transformação. E nada mais na Venezuela seria igual ao que era nas décadas anteriores.
A partir daí, Chávez só se engrandeceu dentro da minha pele. Na Venezuela, tornou-se um menino, foi uma mulher, foi um velho aprendendo a ler, foi um chileno com visão recuperada através da Misión Milagro, se despedindo de Caracas sem cataratas, mas com os olhos jorrando felicidade. Foi um jovem rapper que aprendeu métrica com um professor cubano e acordou uma manhã com o espírito voltado para a ALBA.
Cresceu cada vez mais, e como em todo crescimento, teve tempos de adolescência, teve momentos de dor juvenil, mas nada impediu que fosse forjado completo. Não podia crescer mais e, para não explodir, abandonou seu corpo e se transformou em outro eterno jovem revolucionário como o Che Guevara.
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‘Se passaram 10 anos e ainda acredito que Chávez é um homem multiplicado’
Eu não devia chorar a sua morte, se ele mesmo se lembrou mil vezes do grande compositor Ali Primeira, ao cantar que “os que morrem pela vida não podem ser chamados mortos, e a partir de agora é proibido chorar por eles”. Mas eu senti isto como um desprendimento.
Em um instante, o medo floresceu sobre meus nervos, mas Chávez não permite que minha mão, aquela que ele domina neste momento, solte o lápis. Ele quer que eu continue escrevendo e não me cale, ele quer viver em mim, como vive na gente nobre do seu povo. Eu poderia transbordar e perder as forças, como Nicolás Maduro ao tremer sua voz dando a notícia, mas devo ser otimista e confiar no bravo povo venezuelano.
Tenho um pouco de sabor amargo debaixo da língua, por causa dessa estranha incerteza humana que fica após a partida de que alguém que se ama, que se admira, ou que se respeita. Me sinto partido em dois, um homem que encara isso como um simples dia covarde, e outro homem que se sente despedaçado. Ouço agora as teorias da conspiração, os golpes e as bombas estourando sobre as colinas pelo mundo afora.
A comoção do faminto que conseguiu uma moradia digna 20 anos depois daquelas enchentes que sacudiram Caracas nos anos 80, que está novamente faminto hoje, mas por sua orfandade. Agora compreendo o que disse no último discurso dele que vi, antes das eleições de 7 de outubro de 2012, quando disse: “Chávez tem que ser o povo, todos somos Chávez”.
Hugo Rafael deixou de ser uma ideia presa em sua cabeça, como em uma cela. Se abriu e deixou que dela voassem livres os seus sonhos, como uma debandada de aves. Hoje ele pode se sentir feliz por, finalmente, ser ele mesmo, um homem multiplicado.
(*) Mauricio Leandro Osorio é jornalista e escritor cubano-chileno.