Já estamos acostumados a perder aqueles que chamamos de estrelas. Em nossa era pós-pré-alguma-coisa, acostumados a seguir a história das pessoas como se fosse ficção. Como se fosse mentira.
Usamos a interpretação de cronistas e blogueiros para levarmos nossa imaginação além, e para que possamos acreditar que a realidade lá fora á bem menos estúpida e comum do que nós vemos com os olhos. Dependemos do sonhos que alimentamos nos outros, para não precisar expôr os nossos.
Nós somos ridículos.
Mas não somos os vilões da história de Michael Jackson. Uma história que toda a humanidade acompanhou, dos mais radicais terroristas aos (insira aqui seu clichê preferido, de preferência de uma nacionalidade distante, estranha, “bizarra”).
A história de Michael Jackson é fantástica demais para que tenhamos algo a ver com ela. Quantas pessoas no mundo mudaram de raça? Quantas foram tão reprimidas a ponto de perder a identidade sexual? Quantas poderiam entrar em qualquer bar, café, cinema, restaurante do planeta e causar um choque imediato?
O mundo precisava de Michael Jackson. E Michael Jackson estava lá.
Quando tudo parecia sujo e feio, Michael Jackson estava lá. Quando a música precisava dar um passo à frente. Quando a dança precisava de um herói. Quando os tablóides precisavam de um escândalo.
Inflamos o ego dele para que acreditasse desde criancinha que nós sempre estaríamos por perto se ele precisasse. Não estávamos.
Ninguém segurou Michael Jackson quando ele desabou no chão, de uma hora pra outra, nessa quinta-feira. Uma hora depois, milhares estavam em frente ao Hospital Universitário de Los Angeles. Já era tarde.
Quantos daqueles milhares tinham um ingresso da turnê de Michael Jackson em uma gaveta em casa? Quantos dançaram o Moonwalk na frente do espelho?
Invenção
Michael Jackson foi uma invenção. Historicamente, um mito construído pelos esforços coletivos de uma assessoria “ousada”, que desenvolveu uma estratégia extremamente agressiva de marketing, e que criou um formato inédito. A idéia foi lançá-lo com estardalhaço, em produções de encher os olhos, e confiná-lo ao isolamento e ao silêncio minutos depois.
Michael Jackson nunca teve ninguém. E acreditava que é assim que se vive.
O bunker de Michael Jackson era intencional: se não pudesse falar com ele, a imprensa teria que inventar notícias para suprir a demanda imensa criada em sua audiência (nós), que, por sua vez, teria que transformar imaginação em esquizofrenia para passar e encaixá-lo mesmo na especulação mais esdrúxula, já que não havia outra escolha.
Os boatos mais absurdos passaram a ser publicados, e eram acompanhados (aumentados, por vezes) pela mesma assessoria. Foi a aplicação do princípio “fale mal, mas fale de mim” em uma escala absurda e surreal.É claro que perdeu-se o controle.
Em pouco tempo, ninguém mais sabia no que acreditar. De boatos ingênuos e inofensivos (Michael Jackson teria mesmo comprado o esqueleto do homem-elefante? Dormia em uma bolha de oxigênio? Estava virando a Elizabeth Taylor?), em pouco tempo passou a realmente chocar e escandalizar mesmo o mais apaixonado fã, quando surgiram as tais denúncias de pedofilia.
Pode ser que Michael Jackson tenha feito todas essas coisas. Mas também pode ser a imaginação e a empolgação de alguém perto dele, pode ser que a adrenalina e a fantasia provocada pela presença dele transformava todo o resto em ordinário, descartável, chato.
Pode ser que Michael Jackson viciasse. Depois de entrar em seu círculo mas próximo, pode ser que a rejeição ao ver que ele passou a preferir outra pessoa fosse dolorosa o suficiente para que uma criança simplesmente acreditasse que realmente foi molestada. E talvez moralmente e psicologicamente a proximidade com uma estrela tão grande e polêmcia fizesse mesmo mal.
Percebe como não sabíamos no que acreditar em relação a ele?
Piadas
Por isso mesmo, na tarde de ontem, quando a notícia foi publicada por um tablóide, ninguém sabia como reagir. Seria verdade? Mentira? A tão esperada confirmação nunca vinha. Enquanto isso, piadas eram feitas. E uma simples busca no Google ou no Twitter era suficiente para revelar o melhor e o pior do que somos capazes.
Faça um exercício: procure por uma imagem de Michael Jackson no Google Imagens. Vai lá. Eu espero. Depois de dar uma folheada, quantas piadas você encontrou? Dessas, quantas eram boas? Quantas eram absolutamente idiotas?
Fazer todos acreditarem no impossível, como ele fez, teve uma consequência devastadora. Perdemos a referência pela ilusão. Acreditamos que poderíamos voar. E as pessoas riram de nós.
Somos ridículos se acreditamos que não temos nada a ver com isso. Quando uma estrela morre aos 50 anos, as falhas da cultura que produziu o seu brilho, poliu seu talento e premiou suas conquistas são imediatamente expostas. Nesse caso, a nossa. Mas não adianta fazermos nada a respeito agora.
Agora é hora de luto.
Fãs visitam altar improvisado do lado de fora do Museu da Motown, em Detroit (EUA); fotos: EFE
Michael Jackson morreu na última quinta-feira (25), de parada cardíaca, aos 50 anos.
* Rafa Losso é VJ e blogueiro do Portal da MTV
NULL
NULL
NULL