“Paz sem voz,
Não é paz,
É medo!”
– Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero), O Rappa
Os acontecimentos em Israel e na Palestina que impactaram o mundo no último sábado, 07 de outubro, e cujos desdobramentos seguimos acompanhando, fazem parte de uma história de violências, opressões e omissões.
A criação do Estado de Israel após a Segunda Guerra, autorizada pela comunidade internacional, foi o desfecho da política colonial do Reino Unido que começava a ser questionada nos diferentes continentes, travestida de uma narrativa de compensação pelo trágico Holocausto que havia sido imposto aos judeus pelo nazismo.
A Palestina de 1948 era uma terra com povo, um povo plural, onde conviviam cristãos, mulçumanos e judeus; um povo com cultura e história.
Com o início da Nakba – a grande catástrofe – após o primeiro dia de institucionalização do Estado israelense, teve início uma política sionista-colonialista de limpeza étnica que levou milhões de palestinos ao exílio, representando, ainda hoje, o maior contingente de refugiados do planeta.
Importante destacar que o Brasil é o país com uma das maiores comunidades palestinas do mundo. Irmanados ao povo brasileiro, o povo palestino tem vivido harmoniosamente com outros povos que aqui buscaram acolhimento, contribuindo, com seu trabalho e cultura, para a construção da nação brasileira.
A chamada “única democracia do Oriente Médio” nunca considerou a população originária da Palestina, nunca trabalhou efetivamente para garantir o cumprimento na íntegra da Resolução da ONU que autorizou a criação de seu Estado nacional, mas que também previa a criação de um Estado palestino.
Ao contrário, a marca dos 75 anos da criação do Estado de Israel é o de uma ocupação violenta, que aprofunda a segregação e o Apartheid, com muros, checkpoints – pontos de controles que cerceiam o direito de ir e vir –, e, especialmente em relação a Gaza, um cerco que transformou este território em um grande campo de concentração, a maior prisão a céu aberto do mundo.
A constante negativa de Israel em cumprir as Resoluções da ONU aprovadas pela Assembleia Geral, Conselho de Segurança e Conselho de Direitos Humanos, sem que sofresse nenhuma sanção internacional, bem como o não cumprimento dos Acordos de Paz de Oslo – (que já eram limitantes) e que este ano completam 30 anos, também contribuíram para construir a cena deste último sábado.
A extrema-direita sionista, liderada por Benjamin Netanyahu – político corrupto, que tentou dar um golpe no país por meio de uma reforma com qual submeteria o poder judiciário, para impedir seu julgamento – intensificou nestes últimos anos ações de violência sobre o povo palestino.
São reiteradas as tentativas de anexação de territórios da Cisjordânia por meio do avanço de assentamentos judaicos na região, além da política de judaização de Jerusalém, cidade sagrada para as três religiões monoteístas, considerada território internacional e reivindicada pelo povo palestino como sua capital.
Marius Arnesen / Flickr
Homem sobre as ruínas de sua casa em Gaza, na Palestina ocupada, em 2009
A grande mídia internacional esqueceu rapidamente os eventos que têm vitimado civis palestinos.
Poderíamos destacar os bombardeios recreativos de Israel à Gaza desde 2008 – contabilizando seis ataques nestes 15 anos; a tentativa da expulsão de palestinos residentes no bairro de Sheik Jarrah em Jerusalém em 2021; os ataques às mesquitas às vésperas do Ramadã naquele mesmo ano; as investidas de soldados israelenses e colonos judeus de extrema-direita desde janeiro deste ano contra os palestinos cristãos e mulçumanos; o assassinato do menino palestino Muhammad Haitham Al-Tamimi, de dois anos, somado ao assassinato de 34 crianças palestinas pelo exército de Israel até agosto de 2023.
Cenário agravado pelos acontecimentos da última semana em Jerusalém e na Cisjordânia, expressos pela invasão à Mesquita de Al Aqsa, no qual crianças, religiosos e idosos foram feridos e presos.
Israel, uma das maiores potências militares do mundo, exerce há mais de sete décadas um terrorismo de Estado, e ao povo palestino, sob ocupação, resta exercer seu direito, reconhecido internacionalmente, de autodefesa.
As Intifadas, levantes populares palestinos a pedras e paus, demonstraram a correlação de forças adversa no enfrentamento a esta grande potência.
Os palestinos neste período tem buscado a paz, recorrendo à diplomacia internacional que até então se mostrou insuficiente e, por meio de diferentes movimentos, como o BDS – um movimento social, civil, não armado que busca, por vias políticas, construir uma rede de apoio internacional junto aos povos e aos governos, para que se estabeleça um conjunto de Boicotes, Desinvestimentos e Sanções como forma de frear a política sionista de violência, racismo e Apartheid, nos moldes do que foi feito com o regime racista de Apartheid da África do Sul.
E qual foi a resposta internacional ao BDS? Mais do que desprezar, alguns países têm contribuído para a perseguição aos seus militantes e lideranças mundo afora.
A causa palestina é hoje um dos grandes desafios para os defensores da justiça, dos Direitos Humanos e da paz.
O povo palestino tem o direito à sua autodeterminação, à sua cultura, à sua terra, à justiça – tem o direito de viver em paz.
É preciso cessar o genocídio do povo palestino!
Só uma solução justa pode reestabelecer a paz, com o cumprimento das Resoluções da ONU e dos tratados de paz, mas fundamentalmente, com a criação de um Estado palestino soberano, livre, autônomo e economicamente viável.
O Brasil, como Presidente do Conselho de Segurança da ONU, e que deverá assumir a Presidência do G20 dentro de alguns dias, sob a liderança do presidente Lula, pode cumprir um papel estratégico e histórico, atuando como importante mediador deste conflito quase centenário.
Para além de um cessar-fogo, e de todas as ações violentas, um novo acordo de paz precisa de compromissos efetivos da comunidade internacional, que venham a interromper este ciclo de omissões. Faz-se necessário estabelecer um conjunto de ações voltadas ao socorro humanitário e à proteção ao povo que vive na Palestina, garantindo condições mínimas para seu viver com dignidade.
Precisamos dar um basta à guerra cotidiana que assola a Palestina e impede que gerações de crianças, adolescentes e jovens tenham esperança ou perspectiva sobre seus futuros.
A desigualdade, a injustiça e o desalento são alimentos para a violência.
Mais uma vez me dirijo aos humanistas, aos democratas e aqueles que lutam por justiça social, para que ergam suas vozes contra o que pode representar uma “solução final” para o povo palestino.
Por fim, mas revestida da mesma importância, expresso minha profunda solidariedade às vítimas dos últimos acontecimentos em Israel e na Palestina, seus familiares e amigos, torcendo para que fiquem bem com suas famílias e que busquem forças para a construção de um caminho de paz.
Palestina Livre!
*Misiara Oliveira é publicitária, especialista em Direitos Humanos, feminista, ativista dos Direitos Humanos e da Causa Palestina, integrante da Executiva Nacional do PT