O presidente do Banco Central do Peru, Julio Velarde, nomeado pelo ex-presidente Alan García em 2006 e mantido no cargo até hoje, passando por diferentes presidentes, quase todos de direita, mas também pelo governo de esquerda de Pedro Castillo, sempre deixou claro os rumos de sua sinuosa gestão ultraconservadora.
Ícone do neoliberalismo no Peru, Velarde é um dos “especialistas” que mantém a política econômica do país nos trilhos impostos pelos poderes fáticos. O outro é Alex Contreras, ministro da Economia e Finanças nomeado por Dina Boluarte, a presidente denunciada violações aos direitos humanos.
A ficha de Contreras é a de um oficial carreirista que, como seus antecessores, optou pela tutela de Velarde. Ambos têm poder suficiente para gerir a economia do país sem exigir a opinião do Executivo.
O ritual trimestral de Velarde
Há poucos dias, Velarde leu o reporte de inflação de junho de 2023. Como todos os outros, este relatório busca resumir o panorama atual da economia nacional e mundial, propondo projeções macroeconômicas para 2023 e 2024 “corrigidas para baixo”, como vem acontecendo há três anos.
O presidente do Banco Central, sem nenhum escrúpulo, disse que o Peru crescerá 2,2% em 2023, e não 2,7% como havia anunciado no informe de março. Segundo projeções de bancos, organizações multilaterais e think tanks locais, essas projeções seriam “muito otimistas”, já que as estimativas dessas instituições é de um crescimento do PIB peruano de no máximo 1,4%, tendo em conta o impacto do El Niño, o surto de dengue e de gripe aviária, entre outros fatores que estão sendo subestimados pelo prognóstico de Velarde – o qual cometeria um erro adicional ao amplificar o “impacto da convulsão social”, o que concorda com os discursos da presidente Boluarte para justificar o fraco desempenho da economia durante sua gestão.
A nível setorial, Velarde anuncia que, em 2023, o ramo agrícola terá um crescimento de 0,4%, o da pesca vai se retrair em 15%, a indústria vai ter uma estagnação e a construção civil vai crescer menos de 1%. Esses indicadores foram bem melhores no informe de março, quando se dizia que esses setores cresceriam 2,2%, 5%, 5,3% e 1%, respectivamente.
Apesar deste panorama, o “otimismo calculado” de Velarde não deixa de se destacar cada uma de suas apresentações, apesar de sempre ter que “corrigir para baixo” as estatísticas do informe anterior, em ritual que se repete há cerca de cinco anos. O que chama a atenção é a reiteração do uso distorcido de estatísticas para fins de composição política.
As ruas e praças expressam com cada vez mais clareza e contundência que a economia está tão ruim que o “otimismo” do Banco Central é quase patológico, pois é impossível esconder que os setores citados têm enorme relevância na geração de emprego, renda, produção de alimentos, bem como na manutenção das cadeias produtivas.
Por outro lado, o investimento privado total cairá 2,5%, mas o investimento no setor de mineração cairá mais de 18%. A inflação está cada vez mais longe da meta de 3% ao mês, que Velarde jurou que o alcançaríamos no final de 2022, mas não foi o que aconteceu. Diante desse fracasso, ele voltou a prometer, em março, um índice de 3% de inflação ao final de 2023. Também não será assim, pois sua “correção” de junho colocou a inflação em 3,3% para o próximo mês de dezembro. Portanto, a meta é novamente adiada.
Agência Andina
Julio Velarde preside o Banco Central do Peru desde 2006
Dessa forma, as projeções do Banco Central perderam credibilidade e, portanto, a confiança entrou em colapso. A inflação anual está próxima de 9%, não incluindo a inflação subjacente de alimentos, que é estimada em 12%. Esse é o custo de se alinhar submissamente à estratégia da Reserva Federal dos Estados Unidos, que prefere uma gestão conservadora dos juros referenciais, ao contrário de outros países, como o Brasil, que tenta recuperar sua soberania e vem mostrando sucesso no combate ao processo inflacionário, mantendo a taxa mensal abaixo da meta.
Para tentar equilibrar sua narrativa, Velarde diz que a economia do Peru terá um de seus piores anos, embora isso não o impeça de continuar “otimista”. Incapaz de assumir autocriticamente a sinuosidade das suas previsões macroeconômicas, ele produz a evaporação da credibilidade do Banco Central.
Contreras, quase súdito de Velarde
Por seu lado, Alex Contreras prefere apoiar as políticas do Banco Central, embora procure distinguir-se com um ou mais indicadores macroeconômicos alucinados. Inocência ou estupidez? Quem disse a Contreras que sua tarefa é “se distinguir” do Central? Em suas gaguejantes declarações públicas, ele faz afirmações que soam muito como “falsidade genérica”. Não gera certeza e muito menos confiança.
Como Velarde, se coloca em aberta contradição com todas as previsões de analistas nacionais e internacionais sobre o desempenho da economia peruana.
Por exemplo, diz que o PIB do país vai crescer 2,5% em 2023. Ou seja, mais de dois décimos acima das projeções do Central. Chegar a 2,2% já era ilusório, mas Contreras prefere uma previsão ainda mais doentia, que não condiz com a retração geral de 0,24%. Em 2022, o Peru cresceu apenas 2,68%. Novamente, os impactos do El Niño são subestimados para dar sentido às projeções.
Por outro lado, choques externos (emergência climática, dengue, gripe aviária, guerra Rússia-Otan, convulsão social, entre outros) não são considerados por Contreras como fatores que estão afetando negativamente a economia. O primeiro quadrimestre de 2023 já registra o impacto desses choques: o setor agrícola teve contração de 4,3, com uma queda brutal de 14% em abril, como consequência do El Niño (nível sem precedentes desde 1992); a construção civil caiu 9,81%. O mesmo em telecomunicações (-9,5%) e Finanças (-6,78%).
Esse mau desempenho da economia peruana ocasionou a perda de mais de 6% do emprego formal, enquanto o emprego informal cresceu mais de 25%, impactando severamente a oferta de alimentos e reduzindo o nível de renda e o poder de compra, o que também diminui a massa salarial no mercado, afetando o consumo interno.
O impacto do El Niño já está sendo sentido em Lambayeque, onde mais de 35% das plantações de aspargos (o principal produto de exportação agrícola da região) foram perdidos. Da mesma forma, no Sul do Peru, 65% da safra de batata foi perdida. Se continuar assim, é muito provável que o El Niño custe ao país entre um e dois pontos do PIB (cada ponto é estimado em nove bilhões de soles e 40 mil empregos).
Então, a tese de que poderíamos ter uma retração severa no cenário nacional economia no final de 2023 é cada vez mais provável.
As soluções não são simples. Nunca antes a política se confundiu com a economia. Em sete anos, o Peru teve seis presidentes, e agora vive uma ditadura parlamentar que está brutalmente instalada, com a democracia em tratamento intensivo. Por isso, soluções para a crise econômica requerem medidas políticas prévias.
Assim, uma antecipação das eleições poderia frear a onda de descontentamento popular e recuperar algum nível de confiança de locais e estrangeiros a curto e médio prazo. Isso, por sua vez, obriga a pensar a longo prazo, colocando na agenda nacional um novo contrato social, uma nova constituição.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.