O Peru está sendo afetado por uma combinação destrutiva de crimes contra a humanidade (49 execuções extrajudiciais cometidas pela polícia entre os 70 mortos durante os protestos populares) e corrupção em todos os níveis. Se somarmos a isso a presença devastadora do ciclone Yaku e a iminência do El Niño costeiro, então podemos configurar uma situação de crise e calamidade em curso.
Nesse contexto de drama e indignação da cidadania, o Ministério Público lançou a operação “Pequenos II”, pela qual invadiu residências e escritórios de 17 deputados da República, dos quais sete são militantes do partido Ação Popular (José Arriola, Wilson Soto, Marleny Portero , Luis Aragón, Katy Ugarte, Silvia Montesa e Edwin Martínez, conhecidos como “as crianças”, todos eles indiscutivelmente ligados a casos de corrupção); cinco são do Partido Magisterial (Pasión Dávila, Germán Tacuri, Paul Gutiérrez, Segundo Quiroz e Edgar Tello, todos “políticos lúmpen”, trambiqueiros que decidiram usar o cargo para satisfazer seus baixos instintos); dois do Peru Livre (Américo Gonza e Francis Paredes, tachados de traidores pelo seu partido e pelos eleitores); um do Podemos Peru (Carlos Zevallos, um zé ninguém disposto a saquear o erário público); além de dois não filiados a nenhum partido (Oscar Zea e Carlos Alva, “livres” de compromisso político para cometer crimes).
Os outros dois incluídos nesta ação são a ex-deputada e ex-primeira-ministra Betsy Chávez e o ex-ministro da Produção Jorge Prado Palomino.
Embora a operação tenha sido uma surpresa, não deixa de suscitar dúvidas sobre a sua eficácia, apesar da grande quantidade de dinheiro vivo encontrada na casa de José Arriola [US$ 72 mil, que devem ser apenas a ponta do iceberg do esquema de corrupção], uma vez que os investigados foram informados com bastante antecedência da visita do Ministério Público.
Tanto é assim que não houve resistência ao operativo em nenhum endereço ou escritório invadido. Todos os familiares e dependentes “facilitaram” a visita de promotores e policiais. Nenhuma das quase 100 portas que tiveram de abrir, incluindo 21 gabinetes de deputados interinos, exigiu o uso da força.
Essas dúvidas chegam às fronteiras da certeza se levarmos em conta que a Procuradoria liderada pela promotora Patricia Benavides [funcionária questionada por não ter os títulos acadêmicos que o cargo exige] tem dado fartas evidências de administrar um sistema de vazamento de informações sigilosas a favor dos seus “amigos”, condição atribuível a grande parte dos investigados.
Todos eles, incluindo Benavides, se tornaram aliados dos poderes que passaram a governar com Dina Boluarte, sem uma vitória eleitoral que os legitime.
Presidência do Peru
Presidente Dina Boluarte, após entregar medalha à promotora Patricia Benavides, que lidera investigação contra ela
Qual é a principal acusação contra esses “pais da Pátria”? Não é coisa pequena. Eles aceitaram cumprir o papel de mercenários políticos ao aceitar regalias, com recursos do Ministério da Produção e de outras pastas, para votarem contra os sucessivos processos de destituição movidos contra Pedro Castillo, quem, segundo o Ministério Público, dirigia uma “organização criminosa” que incluía esses agora investigados.
Os ilícitos referidos teriam ocorrido em Lima, Cajamarca, La Libertad, Lambayeque, Arequipa, Ucayali e Pasco, lugares onde foram invadidas as residências e escritórios de todos os citados. Em síntese, os parlamentares teriam vendido sua consciência e seu voto ao ex-presidente Castillo para se opor sistematicamente às moções de destituição, algumas delas promovidas por membros dos partidos aos quais pertencem.
Com as “provas” que teriam sido apreendidas nas diligências, o Ministério Público poderia demonstrar, inquestionavelmente, a relação ilícita entre o ex-presidente e os parlamentares investigados. Mas, como era previsto, a maioria declarou que “não vão encontrar nada” que os incrimine nos fatos investigados pelo Ministério Público. Esta afirmação faz sentido se tivermos em conta o tempo que tiveram para “limpar” as suas casas e escritórios de todo o material que os incriminasse, à exceção do “idiota José Arriola”, que preferiu guardar as provas do crime debaixo do colchão.
Enquanto continuarem sendo “amigos” mercenários do regime civil-militar, usufruindo dos privilégios proporcionados pela máfia que controla o Congresso, tudo parece indicar que haverá apenas pirotecnia. Nada de resultados que levem a punições exemplares para esses parlamentares corruptos, cujos dossiês acusatórios estão repletos de “elementos de convicção” e provas contundentes.
Vê-los presos ainda é, nas circunstâncias em que vive o Peru hoje, uma ilusão que não se concretizará, a não ser que a democracia com equilíbrio de poderes volte ao país. Mesmo lembrando do fato da Comissão de Acusações Constitucionais do Congresso ter resolvido colocar em votação a “suspensão do mandato” para que o Ministério Público os acuse de “organização criminosa e tráfico de influência”, a verdade é que nem isso inspira muita confiança.
O que foi dito pelos parlamentares se aplica perfeitamente à Boluarte, quem, apesar da avassaladora quantidade de provas e confissões de pessoas de sua confiança, com respeito às suas atividades na campanha eleitoral e como ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social, continua se dizendo inocente das denúncias de financiamento ilegal que enfrenta [além de afirmar que não conhece aqueles que a acusam hoje]. Se aproveita do fato de que a promotora Benavides se mostra “muito respeitosa” da instituição presidencial, benefício não outorgado a Castillo. É assim que a banda vem tocando.
As confissões lapidárias e devidamente documentadas de Henry Shimabukuro, empresário que se tornou homem de confiança e principal financiador da campanha da presidente, e o depoimento de Maritza Sánchez, assistente pessoal de Boluarte durante a campanha, tampouco conseguiram sensibilizar a acusação.
Basta a presidente do regime civil-militar dizer que não conhece as pessoas mencionadas e as declarações são simplesmente descartadas pela procuradoria.