Em teoria, se uma economia se contrai por dois trimestres consecutivos ela entra em recessão, o que é muito diferente de uma desaceleração – termo usado pelo Ministério da Economia do Peru para tentar disfarçar o óbvio. O ministro Alex Contreras prefere fechar os olhos para os números oficiais do Instituto Nacional de Estatísticas (INEI) e do Banco Central, que registram oito meses consecutivos de queda do produto interno bruto.
No primeiro semestre de 2023, o PIB peruano registrou média de -0,5%, enquanto a previsão para o período entre junho e julho é de -1,4%, outra queda.
A recessão é uma realidade no Peru. Os milhões de empregos perdidos, a pobreza que beira os 30% da população, a perda do poder aquisitivo dos salários, todos esses fatores confirmam um cenário bastante negativo para o país. Mas o Ministério da Economia não acredita nisso. O ministro Contreras, funcionário que saiu da mediocridade da burocracia estatal, repete como papagaio a ladainha de que o “crescimento desacelerou, mas estamos bem”, embora só ele acredite nisso.
O investimento privado no primeiro semestre de 2023 caiu -11%, nível que não se via desde 1999 – sem considerar o ano da pandemia. Estima-se que, no final do ano, a queda total alcance cerca de -7,5%
Se o setor de mineração não tivesse crescido 12% no primeiro semestre, a queda do PIB teria valores próximos a -1,5%. Embora este setor contribua para o PIB, não contribui muito para a criação de empregos ou para as condições para reduzir a pobreza e melhorar a segurança alimentar.
Em seu otimismo, beirando a estupidez, Contreras acredita que expandir o gasto público (de forma populista) reativará a economia. Assegura que o PIB de 2023 crescerá a um ritmo próximo dos 2%, quando todos os analistas nacionais e internacionais lhe dizem que terá de ficar satisfeito se conseguir um crescimento de 1%. Com os olhos perdidos no horizonte, ele garante que, em 2024, o PIB crescerá 2,3%. Claro que com os convenientes “ajustes para baixo” com os quais os peruanos já estão acostumados.
Mais um fato da recessão: segundo a Associação de Exportadores do Peru (ADEX, por sua sigla em espanhol), entre janeiro e junho de 2023, as exportações do setor tradicional (71,9% do total exportado) caíram -3,3%. Essa média é resultado do crescimento de 7% do setor de mineração e das quedas livres da pesca (-28,5%), petróleo e gás natural (-37,7%) e agropecuária (-55,2%).
No setor não tradicional (28,1% do total exportado), apresentou-se um crescimento de 3,3%, com destaque para a agroindústria, uvas frescas e abacate.
Causas
As causas, em um quadro geral dos ciclos econômicos do sistema capitalista, são atribuíveis a: excesso de oferta de bens e serviços típico de um ciclo de expansão cuja demanda cai causando acúmulo de estoques; a incerteza causada por indicadores voláteis e atuação sinuosa dos formuladores de políticas públicas; e os processos especulativos devido à supervalorização artificial de bens e serviços que não podem ser vendidos posteriormente, causando um colapso de preços.
Esta explicação é uma referência que pode ser útil em qualquer parte do mundo e, por isso, constitui um ambiente para economias como a peruana, que recebem os impactos econômicos e financeiros derivados da guerra na Ucrânia, e também das consequências provocadas pelos conflitos geopolíticos, a mudança climática e outros fatores os quais os peruanos não são os causadores.
Esse argumento, embora possa servir para explicar a “importação” da crise, não é suficiente para explicar a recessão no Peru. Além das condições externas, o resultado da recessão tem a ver com fatores internos, como a política monetária recessiva que, emulando a Reserva Federal dos Estados Unidos, aumentou o custo de financiamento dos processos de investimento na produção de bens e serviços, reduziu a oferta monetária no mercado e corroeu o poder de compra dos rendimentos.
Esta é, como o próprio Banco Central peruano terminou reconhecendo, a “melhor forma de esfriar a economia e evitar uma espiral inflacionária”. Embora essa espiral tenha sido evitada, a inflação ainda está presente, principalmente nos alimentos. Mas o mais grave é que essa “conquista anti-inflacionária” trouxe ao Peru uma recessão não vista há 20 anos.
Presidência do Peru
Políticas adotadas pela presidente Dina Boluarte e pelo ministro da Economia Alex Contreras levaram o Peru a um cenário de recessão
Com o objetivo de evitar a recessão anunciada em todos os meios de comunicação, o Ministério da Economia lançou políticas de reativação que foram ineficazes para a maioria da população, gerando aumento da pobreza e do desemprego. Para piorar, essas medidas acabaram favorecendo unicamente o setor bancário.
Como irracionalidade pouca é bobagem, deve-se acrescentar às causas da recessão uma subestimação absurda das consequências da guerra na Ucrânia, do ciclone Yaku e dos efeitos do fenômeno El Niño no Peru e no mundo. Segundo especialistas, está em curso a “ebulição global”, ou seja, o aquecimento global em maiores escalas que vai gerar sérios problemas na pesca e na agricultura, principalmente na produção parcelada e na agricultura familiar, responsável por mais de 70% dos alimentos.
Custos e consequências
A recessão levará ao fechamento das empresas, sobretudo as pequenas e médias, provocando demissões maciças e destruição quase terminal de postos de trabalho nesse setor. O mesmo acontecerá nas médias e grandes empresas, em menor escala, com resultados igualmente importantes.
Ao contrário das previsões do Ministério da Economia e do Banco Central do Peru, a inflação se mantém em níveis que ameaçam impedir que a meta anual de 3% seja atingida. Com uma inflação anualizada próxima dos 6%, enquanto o núcleo da inflação dos alimentos chega a 10%, o poder de compra dos peruanos que vivem com um salário ou renda semelhante ao salário mínimo vital se desmantela.
Por outro lado, a recessão mais a inflação acabam por reduzir os níveis de importação de bens e serviços essenciais para o país, que registraram uma queda de -20% em junho.
Outro tema sensível relacionado às políticas públicas é o da arrecadação de impostos, que também teve queda: mais de 14% em termos reais entre janeiro e julho de 2023, em relação ao mesmo período do ano passado. Isso não é só produto da recessão, mas das medidas absurdas do governo de Dina Boluarte, como baixar para 8% o imposto dos restaurantes e hotéis de luxo, ou anistiar a dívida das grandes empresas.
Como consequência, o orçamento de 2024 terá dificuldades em estabelecer fontes de financiamento apoiadas em impostos, razão pela qual não deveria ser uma surpresa se o dogma do “equilíbrio e disciplina fiscal” voar pelos ares, sobretudo quando há pressa para cumprir a crescente pressão das demandas sociais.
O investimento privado acumula três trimestres consecutivos em baixa, estima-se que 2023 feche com -6%, enquanto o investimento público está cada vez mais caótico e sem rumo claro, fruto da dose populista injetada em todos os programas de reativação.
Nesse contexto, o ministro Contreras faz papel de bobo ao gabar-se dos elogios condicionais às agências de classificação de risco quando, na realidade, nossa situação está levando a uma perda de pontos importantes em sua classificação de crédito. Em sua ingenuidade, ele insiste em dizer que o país tem “uma economia que está avançando”. O cidadão comum ouve isso e se pergunta “para onde, ministro?”. Então ele se corrige e diz que o país vai crescer 1,5%, “mais ou menos”, o que já é muito diferente da previsão de 2,3% do mês anterior.
Saídas
O Ministério da Economia não vê as saídas, mas tendo poder e senso de patriotismo, pode-se intuir que, entre elas, estão medidas como esta:
1. Apoiar a questão da produção de alimentos pela agricultura familiar e de pequena escala, que juntos abastecem 70% do mercado peruano, incluindo todas as frutas mais consumidas do país, assim como a produção de leite fresco.
2. Mudar o papel do Estado na economia. Produtos da maior importância para a alimentação popular, como macarrão, arroz, óleo e outros não podem estar nas mãos de monopólios e oligopólios sem o controle estatal.
3. O mesmo deve ser feito para a produção e processamento de petróleo e sobre a Refinaria de Talara, que operará quase 100% com alta rentabilidade.
4. Também é o que deve ser feito com o gás natural para consumo massivo em residências e transporte público. O Ministério de Minas e Energia disse que o Gasoduto do Sul é viável e os contratos de construção do primeiro trecho, de mil quilômetros, já estão firmados.
5. Associado à indústria petroquímica, o gasoduto terá uma rentabilidade assegurada, com uma margem de lucro muito grande, que financiaria o custo da obra, previsto em mais de US$ 4 bilhões.
6. Como dizem os índices de “expectativa empresarial”, este projeto só será possível no médio e longo prazo. A crise não se resolverá neste ano, nem no próximo, e sua superação não será possível com gastos públicos medíocres e consumo interno em queda.