O Peru representa um daqueles lugares que reúne as condições exigidas pelo investimento chinês e pelo seu componente geopolítico. Na verdade, a Iniciativa do Cinturão e Rota da China (o “sonho chinês” concretizado) está subjacente à maioria dos empreendimentos em curso na “grande pátria”. O apoio para isso é, entre outros, o poder econômico, financeiro e tecnológico do país asiático que lhe permitiu acumular 3 trilhões de dólares em reservas internacionais (RIN) que, fazendo uma comparação, supera disparadamente o PIB francês.
A presença da China no Peru assusta os Estados Unidos porque torna o país andino em um fator da maior importância nos seus jogos globais de geopolítica. Até agora, 13 anos após o Acordo de Livre Comércio, a China não é apenas o principal parceiro comercial do Peru, mas também o principal investidor estrangeiro com um montante total de 13,6 bilhões de dólares, segundo informações oficiais. No entanto, de acordo com as organizações privadas, incluindo algumas públicas, o investimento direto estrangeiro (IDE) chinês ultrapassa os 30 bilhões de dólares (Embaixada da China em Lima, citado por Gestión).
A maior parte desse investimento é colocada no setor mineiro (Las Bambas, Toromocho, entre outros), financeiro e de infraestrutura. Nestes setores, os investimentos chineses ultrapassam os 12 bilhões de dólares (Ministério de Energia e Minas). No entanto, o investimento que está gerando uma polêmica internacional é o que a China tem feito na construção do porto de Chancay que, pela sua localização geopoliticamente determinada, gera receio aos Estados Unidos.
O Porto de Chancay
A ideia de investir no porto de Chancay despertou um interesse global inusitado e preocupações pelo Departamento de Estado dos EUA, propagados pelo próprio Biden. O projeto ganha vida quando o Peru adere à Iniciativa do Cinturão e Rota, registrando o porto como um dos seus principais centros na costa do Pacífico.
O porto está localizado a 80 km de Lima e tem múltiplas finalidades, entre elas a redução do tempo de viagem marítima Ásia-América do Sul, de 45 para 22 dias, além de receber navios do modelo ‘Triple E’ com capacidade para transportar mais de 18 TEUs que não poderiam circular pelo Canal do Panamá. Por alguma razão, fala-se mais da rota “Shangay-Chancay”.
O financiamento de quase 3 milhões de dólares é custeado pelos capitais chineses e executado pela Cosco Shipping Ports (CSP), estatal chinesa de navegação que atua em mais de 30 portos em todo o mundo. Estima-se que, quando estiver em pleno funcionamento, o porto poderia atender 50% do comércio entre a China e a América do Sul, gerando aproximadamente 5 mil empregos.
Outros investimentos chineses
Além do Porto de Chancay, cuja importância estratégica incomoda os EUA, a China tem destinado 2.6 bilhões de dólares aos campos petrolíferos do Lote 58 de Camisea e do Lote 10 de Talara. Da mesma forma, investirá mais de 4 bilhões de dólares na exploração de gás natural em Cusco.
No âmbito da energia elétrica, a empresa China Yangtze Power Co. comprou por 3.4 bilhões de dólares, 84% das ações da Companhia Luz del Sur, principal distribuidora de energia do Peru, com nove hidrelétricas. Ou seja, um importante serviço de interesse público em mãos chinesas. Além disso, um consórcio liderado pela China Three Gorges comprou a hidrelétrica de Chaglla, Huánuco, responsável pelo fornecimento de energia elétrica a 930 mil famílias peruanas. Ótimo negócio se levarmos em conta o preço que pagou: 1.4 bilhões de dólares.
Governo do Peru
Investimento chinês ao porto de Chancay desperta preocupações ao Departamento de Estado dos EUA
O susto do Departamento de Estado e Biden
Assim como era previsto, a presença chinesa na América Latina se torna um grande problema para a “segurança nacional” dos EUA. A preocupação é de tal impacto que o próprio presidente Biden se apressou em criar e convocar a Primeira Reunião da “Associação para a Prosperidade Econômica das Américas”, Washington (Washington, 3.11.23). Esse sistema ad hoc, sem brilho pela sua falta de representatividade, serviu de enquadramento para alertar os líderes presentes de que “eles poderiam escolher entre a diplomacia da armadilha da dívida chinesa e abordagens transparentes de alta qualidade para as infraestruturas e ao desenvolvimento” e, claro, ofereceu investimentos multimilionárias que compensariam as incursões chinesas na América Latina.
Na política nada é coincidência, muito menos na geopolítica. O apelo de Biden foi uma resposta ao fórum CELAC-China que ocorreu em janeiro de 2023 e outros anteriores promovidos por Pequim, nas quais Xi Jinping se ofereceu para duplicar os investimentos que tem atualmente na região enquanto o comércio faturaria mais de 500 bilhões de dólares, em média, nos próximos cinco anos. Isso foi demais para o Departamento de Estado. A guerra global, comercial e geopolítica tem um novo cenário na “grande pátria”!
A inteligência dos EUA, bem como as suas representações diplomáticas na região, estão muito ocupadas em obter informação precisa sobre onde, quando e quanto os chineses investem. E, ao constatar que o interesse está se posicionando em indústrias estratégicas como infraestruturas portuárias, transportes rodoviários e sistemas de comunicações, além da exploração de recursos naturais que, para o pesadelo do Tio Sam, estão incluídos especialmente no âmbito da iniciativa da Nova Rota da Seda, subscrita por mais 24 países latino-americanos.
Sem contar o México, o comércio entre a China e a região passou de 12 bilhões de dólares em 2000 para 430 bilhões em 2021. Ainda assim, os EUA mantêm a prioridade na região, mas não mais na América do Sul, onde os países decidiram retomar seus olhares para a China e, em geral, para a Ásia. A tendência para enfraquecer a presença estadunidense na América Latina não parece ter um ponto de retorno, sobretudo em tempos em que a Ucrânia e Israel exigem vastos recursos.
A China vê que a América Latina é um espaço de negócios interessante, compatível a seus recursos naturais com custos de produção competitivos e vendendo seus produtos, especialmente automóveis. Assim, a China está interessada no cobre do Chile e do Peru, na soja e nas carnes da Argentina, no setor elétrico do Brasil, no petróleo da Venezuela, etc. Por sua vez, a América Latina vê na China um grande mercado (1.4 bilhões de habitantes) para os seus produtos que os EUA (332 milhões de habitantes) já não garantem. Nesta lógica, países como Brasil, México, Venezuela, Chile e Peru decidiram jogar as suas cartas, se relacionando com a China em termos de investimentos multimilionários e de comércio de altíssimos padrões.
Até o momento, a China é o segundo parceiro comercial mais importante da América Latina, tendo a estimativa de que até 2035 atinja 700 bilhões de dólares em seu comércio internacional. Por outro lado, é o fornecedor mais importante de bens da América do Sul, não apenas de produtos básicos e de baixa tecnologia, como costuma insinuar o Ocidente, mas também de alta qualidade e tecnologia de última geração.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano
(*) Tradução Rocio Paik