A geopolítica que a China tem colocado em ação na região afetam diretamente o Brasil e o Peru, fazendo com que ambos os países possam almejar o status de atores globais de primeira linha.
Esse processo, porém, coloca em xeque a mesquinha teoria chilena de que, com o megaporto de Chancay, estaria em curso uma espécie de “diplomacia da chantagem econômica”, que supostamente teria subjugado o Peru e obrigado o país a vender seus limitados recursos por valores mais baixos.
Contexto
Para os observadores da situação internacional, os acontecimentos na Faixa de Gaza (genocídio contra o povo palestino), na Ucrânia (guerra entre a Rússia e os Estados Unidos e a OTAN) e no Mar Vermelho (ataques a dos Houthis do Iêmen a navios mercantes ocidentais) desafiam a paz e, com isso, ameaçam a economia e a política globais.
Todos os países vêm tomando precauções diante disso. As da China consistem em seguir com seu projeto, lançado em 2013, de Cinturão e Nova Rota da Seda, o qual se enquadra perfeitamente nos objetivos de mitigação e resposta a situações de crise, guerra ou questões ambientais geradas pelo homem.
Da mesma forma, considerando que 90% do comércio mundial se move por via marítima, os portos constituem pilares estruturais para gerir milhões de contêineres por ano, entre as origens e destinos mais diversos. Para isso, a China conta com sete dos maiores portos do mundo, tendo Xangai como o maior deles.
Agora, poderá incluir nessa lista o megaporto de Chancay, com pretensões de torná-lo o terceiro porto mais importante do planeta.
Situando Chancay e Xangai
A construção do megaporto de Chancay, no Peru, tem gerado um otimismo justificado nesse país sul-americano, mesmo sabendo que o projeto em si responde mais a uma estratégia de outro país que da sua própria. Será um ponto central do sistema de transporte marítimo do Cinturão e Nova Rota, gerando um polo comercial com repercussões geopolíticas na região.
Com 15 terminais de atracação, o porto permitirá a movimentação de cinco moinhos de contêineres por ano. Terá acessos de primeiro nível, um túnel de dois quilômetros que atravessa o subsolo da cidade de Chancay, além de uma área de operações portuárias de quase mil hectares. Sua localização foi definida pela China. Nenhum governo peruano se fez aportes significativos ao projeto.
Estima-se um investimento total de US$ 3,6 bilhões, financiado pelo Estado chinês, através da sua empresa Cosco Shipping (60%) e da Volcano Mining Company Mining Company (40%). Com procedimento semelhante, a China comprou o porto de Hamburgo (Alemanha) e 51% do porto de Pireu (Grécia), tornando-os a sua porta de entrada para o velho continente.
Estamos perante processos geopolíticos de grande escala, que ridicularizam a afirmação maliciosa das autoridades chilenas de que, com o megaporto, estaria em curso uma espécie de “diplomacia da chantagem econômica”, com a qual insinuam que o Peru não teria recursos suficientes justificar tal investimento.
Localizada a 80 quilômetros ao norte de Lima, a cidade de Chancay poderá receber navios com capacidade para transportar mais de 18 mil TEUs. Permitirá a operação de mais de 1,5 milhões de TEUs por ano desde sua primeira etapa, com perspectivas de expansão (nota da tradução: a sigla TEU significa “unidade equivalente a vinte pés”, pois os contêineres estão padronizados em diversos formatos e tamanhos, dependendo da natureza da carga transportada e de sua quantidade e volume e os formatos mais comuns têm comprimento de 20 pés, ou cerca de 6,1 metros, e de 40 pés, ou cerca de 12,19 metros).
Agência Andina
Projeto do porto de Chancay tem sido impulsionado por investimentos do Estado chinês
Será a primeira vez que navios desse tipo chegarão à região. Isso reduzirá o tempo de viagem marítima Ásia-América do Sul de 45 para 22 dias. Será o maior porto da América Latina e o terceiro maior do mundo no médio prazo, depois de Xangai e Singapura. A sua inauguração será em novembro de 2024, com a presença de Xi Jinping.
O Brasil e o trem bioceânico
O Brasil, diante da iminente entrada em operação do porto de Chancay, com características de um magnífico hub logístico, teria retomado a ideia de construir o trem bioceânico que ligaria seus principais portos do Atlântico ao Pacífico, buscando uma nova porta de entrada para o mercado asiático, com grandes impactos favoráveis tanto para a economia brasileira quanto para a peruana.
Seria a realização de um sonho em toda a região. Seriam beneficiados diretamente os estados de São Paulo, Mato Grosso, Acre, Rondônia e Amazonas no Brasil, as regiões norte e central da Bolívia e todo o território do Peru.
O Brasil praticamente consolidou a malha ferroviária necessária para o projeto, faltando apenas o trecho que o ligaria à Hidrelétrica via Paraguai-Paraná. A Bolívia se comprometeu a cumprir seus compromissos nesse âmbito até 2025. O Peru, além do porto de Chancay, tem em operação seu trem para as montanhas centrais. Faltariam obras para conectar Chancay com a estrutura rodoviária e ferroviária do país, além da ligação com as regiões da Selva Amazônica peruana e brasileira. A integração das cadeias logísticas é uma condição fundamental para o ótimo funcionamento de Chancay.
O trem bioceânico tem como precedente um pedido feito à China pelo então presidente boliviano Evo Morales, em 2013. De lá para cá, diversas alternativas foram consideradas e descartadas uma após a outra, por questões de viabilidade e de sustentabilidade. Foi apenas em janeiro de 2023 que os presidentes da Bolívia, Luis Arce, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, concordaram em retomar a ideia de construção do Corredor Ferroviário Bioceânico.
Com a implantação de Chancay, esse projeto volta a ganhar força. O porto se tornaria a principal conexão entre o mercado asiático e a América do Sul e Central, com sistemas de cabotagem tendo Xangai como destino final. A interligação dos projetos de Chancay e do trem bioceânico marcará um marco transcendental na melhoria da conectividade e do sistema de transporte de cargas e de passageiros, transformando o Peru em um ator estratégico no comércio internacional, especialmente sendo uma parte importante do sistema de Cinturão e Nova Rota desenvolvido pela China.
Desconforto geopolítico
Na lógica da geopolítica, a pergunta que os peruanos deveriam se fazer é: quanta soberania marítima e territorial estariam cedendo aos chineses para construir e operar o porto de Chancay? Pergunta urgente, que as autoridades peruanas deverão responder com entusiasmo e maturidade.
Por sua vez, o Chile considera o porto de Chancay “uma ameaça” e, como recordaram as suas autoridades, queriam um porto semelhante na Terra do Fogo e atuaram para fazer esse projeto avançar. Mas, pelo menos por enquanto, não tiveram sucesso. Historicamente, o Chile foi referência em geopolítica regional. Na atualidade, com o porto de Chancay, esta capacidade pode estar ameaçada.
Ainda assim, é muito maior o desconforto que Chancay causa aos Estados Unidos e aos seus aliados na Europa. De acordo com altas autoridades norte-americanas, a presença crescente da China na região poderia levar o país a perder influência sobre os territórios que acreditavam estar sob seu controle.
Desta forma, a disputa pela hegemonia mundial entre a China e os Estados Unidos entra em um novo cenário, com interesses e atores específicos. Esta disputa poderá, em situações críticas, ter repercussões importantes, não só no porto de Chancay, mas em toda a sua área de influência.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.