Após 500 anos, o livro O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, ganha vida em um estilo peruano. Dina Boluarte e seu “mentor” Alberto Otárola governam com “mão de ferro”, gerando medo entre os cidadãos peruanos, aplicando estritamente os conselhos de Maquiavel.
Vamos dar uma olhada em alguns exemplos:
A essa altura do processo peruano, ninguém duvida que a ética e a moralidade estão sendo subordinadas à estratégia de permanecer no poder, “mesmo usando a violência das armas” e “sem esperar ser amado” (Maquiavel). Nessa lógica, é compreensível que os direitos humanos sejam colocados em segundo plano na agenda da ultradireita que governa o Peru.
Isso, diz Maquiavel, exige que o poder seja exercido com “pragmatismo” e “cinismo”, com “altivez diante dos governados”, atributos que Boluarte e Otárola exibem com orgulho, com a ideologia e os princípios desaparecendo completamente da administração pública. O que orienta o desempenho do governo hoje é o “interesse” e, nesse caso, é o interesse de se manter no poder a qualquer custo.
Para Maquiavel, “o fim da política prática é saber como preservar o poder com sucesso”. De fato, se examinarmos os processos políticos recentes no Peru, incluindo protestos populares e massacres, Boluarte e seu “cérebro” Otárola conseguiram manter o poder, mesmo com uma sensação de triunfo sobre os “insubordinados” que os queriam fora dele.
A “preservação bem-sucedida…” deu a eles oxigênio suficiente para dizer, com arrogância e altivez, que permanecerão no poder até 2026, não importa se o caminho estiver cheio de sangue.
Isso significa, entre outras coisas, enfraquecer, dispersar e desacreditar com narrativas cinicamente falsas aqueles que poderiam potencialmente causar problemas para a “governança”, a “democracia”, etc.
Nesse campo, Boluarte e seus “cérebros” obtiveram um “triunfo” porque conseguiram neutralizar o protesto popular, encobrir crimes contra a humanidade com um manto de impunidade e condenar ao ostracismo líderes populares que preferiram permanecer anônimos diante da ameaça de serem acusados de terroristas.
Nada disso poderia ser mantido sem o apoio do legislativo, um espaço que se tornou um centro de produção de leis e regulamentos que disfarçam a violência ou escandalizam os processos judiciais que timidamente sugerem justiça para os responsáveis pelos crimes.
A coordenação quase perfeita e a harmonia de interesses entre o executivo e o legislativo são, por enquanto, uma garantia da “estabilidade” do regime ditatorial em curso.
Ricardo Stuckert/PR
Dina Boluarte e presidente Lula na IV Cúpula Presidencial Amazônica, em Belém
Luiz Inácio Lula da Silva
Pensando que seu “maquiavelismo crioulo” lhe serviria bem na IV Cúpula Presidencial Amazônica, Boluarte recebeu permissão do Congresso não apenas para deixar o país (constitucionalmente não deveria), mas recebeu poderes (fiel a Maquiavel) para governar “virtualmente”. Inacreditável? Não, isso é o que acontece quando você tem um país sujeito ao arbítrio de uma ditadura sem contrapesos.
O principal objetivo de Boluarte com essa viagem era tirar uma foto com Lula em uma tentativa de “lavar a cara”. De certa forma, ela conseguiu, mas não como ela queria, e sim como Lula queria. Enquanto a dona transbordava vaidade e altivez, o rosto de Lula expressava algo como “tenho que comer esse sapo para atingir meus objetivos”, que vão além de casos anedóticos como os personificados pelo presidente peruano.
Esperar que o presidente do Brasil fizesse um desabafo diplomático contra sua homóloga do Peru era irreal, quase absurdo, típico da ignorância daqueles que não entendem o jogo geopolítico em que Lula está envolvido. Nem mesmo o discurso da ex-deputada federal Vivi Reis, que chamou Boluarte de assassina e ditadora, fez com que Lula demonstrasse uma espécie de animosidade pública em relação a ela.
Se eles queriam ver Lula lutando pelos direitos humanos e pela deterioração da democracia em alguns países da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), especialmente no Peru, estavam redondamente enganados. No jogo de xadrez geopolítico de Lula, ele certamente atribuiu um papel ao Peru, além do pitoresco episódio do Boluarte. Mantendo a distância e a forma, os Estados Unidos e a União Europeia também o fazem.
O resto foi uma formidável exibição de luzes e holofotes que deslumbram políticos e presidentes. Pelo que vimos em Belém do Pará, sede da IV Cúpula de Presidentes, fica cada vez mais claro que os países que querem mudar suas estruturas econômicas e sociais terão de fazê-lo pela força de seus atores internos, pelo desenvolvimento de suas contradições internas, pela capacidade de suas organizações que lutam pela mudança, e não pela ajuda dos “poderosos”; e muito menos porque aparece uma frase de apoio a este ou àquele governo. Nada disso determinará a direção de um processo de mudança. A questão é interna.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Fernanda Forgerini.