Acordo de associação entre a União Europeia e o Mercosul
A negociação começou em 1999, quase em resposta à pressão dos EUA sobre os governos sul-americanos para que aderissem à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Na época, a UE era vista como um parceiro mais conveniente para o Mercosul.
Quando Lula se tornou presidente do Brasil (2003), ele descobriu que o acordo havia progredido significativamente e estava a caminho de ser assinado. Entretanto, a proibição da participação de empresas públicas na definição de políticas públicas foi o motivo pelo qual Lula (2004) rejeitou os termos do acordo.
O acordo ficou congelado até que Mauricio Macri (2015-2019) decidiu reativar as negociações com a certeza de que seria útil para seus propósitos de reativar a economia argentina, que estava sucumbindo sob um formato neoliberal. Macri encontrou em Bolsonaro um aliado entusiasmado e disposto a aceitar qualquer pedido da UE. Entre os elementos que esses dois presidentes admitiram no texto do Acordo estavam os referentes à questão ambiental, que não havia sido debatida detalhadamente.
Quando Lula retornou em seu terceiro governo, observou que o conteúdo do acordo dificilmente poderia ser compatível com sua agenda de defesa ao meio ambiente, especialmente à Amazônia. O que a minuta do acordo estabeleceu foi típico dos processos de liberalização (privatização) da última década do século XX, que, depois de 30 anos, tem se mostrado um modelo que não foi muito bem-sucedido onde quer que tenha sido aplicado.
Além do componente comercial, o Acordo inclui componentes de diálogo político e cooperação que tornam os debates mais complexos e exigem atores que vão além da competência da UE. Prevendo dificuldades de ratificação e implementação, o acordo prevê que a implementação pode ser bilateral.
Com esse conteúdo, o acordo começou a ser negociado em maio de 2016 com a esperança de que fosse assinado em dezembro de 2017, dentro da estrutura da cúpula da OMC em Buenos Aires. Como isso não aconteceu, adiaram seu tratamento e possível assinatura para a Cúpula dos Presidentes (dezembro de 2023).
Naquela ocasião, foi Alberto Fernández, então presidente da Argentina, quem se encarregou de bloquear ao máximo a assinatura do acordo porque ele “agrava as assimetrias econômicas existentes” entre os dois blocos. Essa posição, coincidentemente, estaria alinhada com a da França (Emmanuel Macron), que foi o mais tenaz opositor do acordo, argumentando que “as exigências ambientais” do Pacto Verde não poderiam ser atendidas por seus produtores rurais.
Embora não tenha participado da reunião de cúpula, Milei divulgou sua surpreendente disposição de promover a assinatura do acordo o mais rápido possível. Os ajustes que eles proporão são, de acordo com Diana Mondino, sua ministra das Relações Exteriores, “menores” em termos de tarifas, sistemas de compensação e diretrizes ambientais. Não parecem tão pequenos assim, não é mesmo?
Apesar das dificuldades em definir o conteúdo final do texto, a decisão de Milei, apelidada de “Plano B”, revela que a Argentina se manterá firme no bloco, apesar de suas estridências anti-MERCOSUL quando estava em campanha. Os quase US$ 22 bilhões (48% do total de exportações para a UE), média anual para o período 2018-2022, de exportações de produtos agroindustriais do Mercosul para a UE e, da Argentina, mais de US$ 6 bilhões (71% de suas exportações para a UE), tornaram anedótico o “discurso radical” de Milei.
Tudo parece indicar que a próxima cúpula UE-CELAC, em julho de 2024, poderia ser o pano de fundo para a assinatura do acordo. Da mesma forma, os argumentos ambientais e sociais apresentados por alguns países europeus com interesses agroalimentares terão de ser ponderados na estrutura do Acordo de Paris. Da mesma forma, o acordo terá que considerar o cumprimento irrestrito dos direitos trabalhistas, as comunidades indígenas e o papel do monitoramento ativo pela sociedade civil.
Reprodução
Captura de tela da transmissão ao vivo do governo
Por que pode ser adiado mais uma vez?
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Se for mantida a exigência de reduzir a 0% o imposto de importação sobre mais de 90% do comércio de mercadorias. No Brasil, esse imposto é de 15,2% e na UE é de 1,8%. O mesmo ocorre, com mais ou menos pontos de diferença, nos outros membros do MERCOSUL, de modo que é fácil deduzir quem ganha e quem perde.
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Se for mantido o cancelamento do imposto de exportação, que em países como o Brasil permite processos de transformação e industrialização, especialmente nos setores agrícola e de mineração.
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Se for mantida a proibição de que empresas públicas façam parte da definição de políticas públicas relativas a preços e compras de produtos locais. Isso poderia ser compatível com a opção neoliberal de Macri, que privatizou suas empresas públicas, mas não com o Brasil.
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Se for mantida a liberalização total do comércio de alimentos, a agricultura familiar de todos os países membros do Mercosul enfrentará uma concorrência desigual com a importação de bens de consumo de massa de origem agrícola, basicamente gêneros alimentícios, produzidos na Europa com subsídios.
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Se não houver uma proposta mais atraente para os agronegócios do bloco, então o que está em vigor para eles não modifica suas condições atuais, pois as “cotas” (inferiores às da UE) são mantidas e, além disso, tornam-se fictícias devido à competitividade (subsidiada) dos produtos europeus.
Em conclusão, os extremos do acordo mencionados acima não são consistentes com o princípio do “benefício mútuo” e, ao contrário, aprofundam as assimetrias. Além disso, há sanções para o Mercosul caso ele não cumpra os mandatos climáticos, algo que não está estabelecido para a UE. O “grande vencedor” do acordo, por enquanto, é a UE. O elemento geopolítico do acordo UE-MERCOSUL, cujo escopo transcende as fronteiras regionais, será abordado em nossa próxima publicação.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Gercyane Oliveira