O principal acordo da 15ª Cúpula do Brics, que resultou na ampliação do seu quadro de sócios, pegou de surpresa especialistas e analistas da geopolítica mundial, provocando opiniões conflitantes dentro da escola de pensamento pró-Brics e pró-multilateralismo. As reações variam desde visões otimistas, que não escondem o seu desejo de ver o fim do unilateralismo liderado pelos Estados Unidos o mais rapidamente possível, até expressões céticas sobre a viabilidade do bloco reforçado que, muito mais do que antes, mostra uma ostensiva heterogeneidade nos seus níveis de desenvolvimento e alinhamentos opostos na ordem geopolítica.
O campo conservador da atual ordem estabelecida opta por um silêncio furtivo até que o Brics se torne uma ameaça real e iminente à hegemonia militar dos Estados Unidos e ao seu “direito” de continuar a gerir o dólar como a única moeda de reserva internacional – e, portanto, como a sua mais poderosa arma de dominação e subjugação de países que necessitam de financiamento como “apoio”. Esse setor, porém, não ignora que o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, também apelidada de “Banco do Brics”) priva o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) da exclusividade como operadores dominantes de financiamento do desenvolvimento, o que lhes permite impor condições draconianas a países aos quais enviam recursos, como é o caso da Argentina.
Seguindo essa lógica sísmica, o mesmo se pode dizer de outra instituição que teve suas estruturas abaladas: G7, incluindo o seu aparato militar, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ambos sob a liderança inquestionável dos Estados Unidos.
Voltando às opiniões conflitantes que a incorporação de novos membros gerou, a questão que fica é: por que tal decisão? Até agora, só temos pontos de vista que não encontram razões para a incorporação de novos parceiros, uns mais polêmicos que outros, quando “tudo ia bem”. Outras opiniões lembram da falta de novidades das cúpulas anteriores e apontam que a ampliação anunciada este ano é um passo estratégico e firme rumo ao multilateralismo e, ao mesmo tempo, ao enfraquecimento da hegemonia norte-americana. Embora este ponto de vista esteja ancorado no quadro geopolítico global, o exagero na proporção dos acontecimentos poderia desqualificá-lo.
O tempo dirá quem tem razão. Por enquanto, o que podemos fazer é uma análise, sem grandes pretensões, dos novos membros e o que eles poderiam trazer para o bloco Brics+.
O mais próximo da nossa realidade latino-americana, a Argentina. Se nos enfocarmos em seus processos econômicos e políticos internos, marcados por uma inflação crescente e uma dívida externa de difícil resolução, deveríamos questionar suas qualificações como membro capaz de fortalecer o bloco. Além disso, existe a possibilidade de que Javier Milei, candidato de extrema direita, vença as eleições de outubro de 2023, o que geraria um impasse, já que seu discurso aponta a “não hipotecar o destino da Argentina com os comunistas do Brics”, e tentar “fortalecer as relações como as democracias liberais do Ocidente”.
A Arábia Saudita é amiga e aliada dos Estados Unidos. Como dizem os céticos, este país poderia ser considerado uma espécie de “cavalo de Tróia”, com ordens muito específicas do seu atual aliado, do qual dependem sobretudo financeiramente. Erodir a coesão do bloco seria o seu objetivo, de acordo com a sua lealdade à administração norte-americana. Por outro lado, todos conhecem os recursos de petróleo e gás, bem como terras estrangeiras, com os quais poderia contribuir para o poder geoeconômico do Brics+.
Os Emirados Árabes Unidos, compostos por sete minúsculas monarquias que formam um país ainda muito pequeno, vivem sob um regime absolutista, embora formalmente prefiram se definidos como uma “monarquia federativa”, alheia às práticas democráticas que conhecemos. Eles literalmente nadam em petróleo e, com o poder que o petrodólar lhes dá, permitem-se exigir ajuda especializada dos Estados Unidos para se tornarem uma potência nuclear. Sua possível contribuição para o Brics tem a ver com essa riqueza.
Quanto ao Irã, se trata de uma República Islâmica com ambições de energia nuclear, mas que convive com um processo hiperinflacionário como o da Argentina. Seus conflitos com os direitos humanos, assim como os exibidos pela Arábia Saudita, são bem conhecidos internacionalmente – esta semelhança não impede o país de se manter em conflito permanente com a Arábia Saudita, apesar da China ter mediado um acordo recente que poderia dar um fim a essas diferenças, o que é inconveniente para os propósitos do Sul Global.
Ricardo Stuckert
Incorporação de novos membros ao Brics tem gerado opiniões conflitantes quanto às mudanças que pode produzir no tabuleiro geopolítico
O Egito, para resumir em uma frase: é uma colônia moderna dos Estados Unidos. O país recebe a segunda maior contribuição econômica enviada por Washington para aquela região. Por outro lado, não recebe qualquer tipo de ajuda econômica da China ou Rússia. Em outras palavras, o seu status de país independente está em dúvida, juntamente com a sua lealdade geopolítica ao Brics. Consequentemente, estará sujeito aos seus compromissos com os Estados Unidos. Pelo menos, até agora.
A Etiópia é o Estado independente mais antigo da África e uma das civilizações mais antigas do planeta. Nunca foi colonizado, embora tenha sido anexado ao Império Alemão por um curto período (entre 1936 e 1941). Apesar de seu passado de alinhamento com a antiga União Soviética, atualmente, e desde o 11 de setembro de 2001, está mais próxima dos Estados Unidos. É um país pobre com uma renda per capita de pouco mais de US$ 1 mil. Tem mais problemas e necessidades do que possibilidades de contribuir para o fortalecimento do Brics. Se considerarmos apenas o problema humanitário, que inclui mais de 600 mil mortes em guerras internas e mais de 12 milhões de refugiados, é inevitável questionar a razão de sua inclusão. Talvez tenha a ver com o seu status de porta de entrada para a África Oriental.
Conclusões
Não há dúvida de que, após 14 anos de vida institucional, o bloco terá um papel mais ativo na geopolítica mundial, abalada pelas mudanças climáticas e por pandemias sem precedentes. A ciência e a tecnologia evoluem de forma revolucionária, as comunicações tornam as viagens e o convívio presencial dispensáveis, as guerras convencionais dão lugar a formas que ainda são ilusórias para os seres humanos comuns.
Nestas circunstâncias, a geopolítica torna-se a arte preferida das potências belicistas dos séculos 20 e 21, cujos líderes seguem devotamente os conselhos de Sun Tzu.
Para os céticos, teria sido melhor fortalecer os seus membros e instituições por outros meios, uma vez que estavam prestes a atingir o objetivo de colocar os Estados Unidos em xeque sem a necessidade de incorporar novos membros, alguns com duvidosas capacidades de contribuir para o fortalecimento do bloco e sem condições de assegurar suas lealdades geopolíticas.
Para os otimistas, o Brics se fortaleceu com esta decisão, ao acumular mais poder com a incorporação de países vistos como amigos leais do Ocidente, baseado no princípio de que uma mudança de compromisso dessas nações resultaria em um golpe significativo às lealdades geopolíticas anteriormente existentes.
Neste quadro de opiniões contraditórias, todos reconhecem que existe um denominador comum no novo bloco: a hostilidade política, ideológica e econômica para com os Estados Unidos. Os 11 membros do Brics+ têm razões para estar contra a administração dos Estados Unidos. Contudo, mesmo que este seja o caso, as verdadeiras razões por trás da decisão unânime de ter países tão diferentes como membros continuam sendo um mistério.
Finalmente, os membros fundadores do Brics também não podem reivindicar para si homogeneidade e harmonia. Todos estão sujeitos a mudanças brutais inesperadas, como a causada durante o período em que Jair Bolsonaro foi presidente do Brasil. Outros fatores importantes são as complexas relações bilaterais entre China e Índia, assim como a exigência do Brasil em ter um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
Também está pendente a questão das reviravoltas geopolíticas produzidas pelas sanções dos Estados Unidos contra a Rússia, que, entre outras coisas, acabou por transformar a Índia num dos principais compradores do petróleo russo, para desgosto de Washington, já que essa situação gerou um inesperado fortalecimento das relações entre Moscou e Nova Déli.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.