Enquanto a Embaixada dos Estados Unidos em Lima apoia abertamente a ditadura liderada pelo Congresso da República, contando com a atitude submissa da presidente Dina Boluarte, no Congresso norte-americano se propõe, por meio da parlamentar Alexandra Ocasio-Cortez (Partido Democrata), congelar a ajuda econômica ao Peru (cerca de US$ 50 milhões) e os acordos de “cooperação militar e policial”.
A congressista defende que a medida seja aplicada “enquanto não cessar a criminalização dos protestos sociais, enquanto não houver novas eleições e responsabilização judicial pelos crimes contra a humanidade cometidos nos últimos meses no Peru”. Contradições dentro do imperialismo, diriam nossos marxistas ortodoxos, mas péssimos sinais para aqueles que acreditavam ter o “apoio total” do Tio Sam.
Por sua vez, a União Europeia e o Foro de São Paulo, em consonância com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, condenaram duramente os crimes contra a humanidade registrados no Peru e instaram as autoridades do país a encontrar uma solução política que inclua novas eleições imediatamente.
Além das críticas de entidades internacionais, também há a postura de diversos países que repudiam o que vem acontecendo no Peru, incluindo alguns que decidiram romper relações diplomáticas, como é o caso do México.
Neste contexto internacional de crescente isolamento do governo peruano, está sendo preparada mais uma “Grande Marcha Nacional”, a partir da mobilização de um povo que está cansado do que está acontecendo.
A partir do dia 19 de julho, diversos movimentos iniciarão sua marcha, partindo de cidades de todo o país, em direção a Lima. A ação tem como alvos o governo e o Parlamento, ambos sob o controle total de uma coalizão de ultradireita. As pesquisas mostram que tanto o Executivo quanto o Legislativo possuem mais de 85% de rejeição, e que os principais motivos dessa insatisfação seriam a repressão criminosa contra os protestos em favor de novas eleições e, principalmente, a política econômica e social do país, considerada desastrosa pela população.
Quem convoca e quem organiza a Grande Marcha?
Nos dias 1 e 2 de julho, foi realizado o I Encontro Nacional dos Povos e Organizações do Peru, com mais de 700 delegados de 24 regiões do país. Nessa reunião, foi instituída a Coordenação Unitária Nacional de Luta, cujo objetivo é criar uma articulação entre os movimentos de forma a gerar ações coordenadas contra o governo e o Congresso Nacional.
As organizações e grupos mais importantes que promovem e organizam a Grande Marcha Nacional são:
1. O Comitê Nacional Unificado de Lutas do Peru (Conlup), criado em fevereiro deste ano e é integrado por comitês de quatro macrorregiões do país.
2. A Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), a maior central sindical do país.
3. A Central Única de Trabalhadores (CUT), que reúne trabalhadoras domésticas, autônomos e trabalhadores informais.
4. A Federação Nacional dos Trabalhadores da Educação (FENATEP).
5. A Federação Nacional das Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas, Nativas e Assalariadas do Peru (FENMUCARINAP), que reúne cerca de 125 mil mulheres.
6. A Central Única Nacional de Rondas Camponesas (CUNARC), que tem apresentado um modelo de autogoverno local sem violência.
7. A Coordenadoria Metropolitana, que reúne coletivos das regiões Leste, Norte e Sul de Lima, capital do país.
Todos eles, com exceção do CONULP, são membros da Assembleia Nacional dos Povos (ANP), que liderou as lutas de dezembro e janeiro passados. Também participam dessa coletivos como centros universitários, cozinhas solidárias, frentes de defesa territorial, movimentos culturais, entre outros. Todas essas organizações revelam um maior poder de convocação e uma importante escalada no processo unitário do movimento social.
Federação Nacional das Mulheres Camponesas, Artesãs e Indígenas do Peru
Mobilização popular reflete insatisfação com governo que possui 85% de rejeição, segundo pesquisas
Plataforma de consenso
A coordenação entre os movimentos sociais produziu uma lista de demandas, com as seguintes prioridades:
1. Renúncia da presidente Boluarte, por crimes contra a humanidade.
2. Fechamento do Congresso Nacional, considerado antidemocrático e imerso em casos de corrupção – também se exige a investigação desses mesmos casos, muitos deles travados na Justiça.
3. Convocação de uma eleição para se conformar uma Assembleia Constituinte, com o objetivo de escrever uma nova Carta Magna, para substituir a atual, imposta em 1993 pelo então ditador Alberto Fujimori.
4. Libertação dos presos políticos – pessoas presas durante os protestos realizados entre dezembro de 2022 e março de 2023 –, fim da perseguição e da criminalização dos líderes de organizações sociais.
5. Investigação e punição aos responsáveis pelas mortes de mais de 70 peruanos mortos durante manifestações a partir de dezembro passado.
6. Expulsão das tropas norte-americanas do território nacional.
7. Anulação do processo de privatização de unidades de ensino público e de outros serviços estatais considerados dever do Estado peruano.
Apesar de algumas divergências, existe um consenso em relação a esta plataforma. A unidade ao redor desses pedidos é o que garantirá o triunfo do movimento popular, segundo seus organizadores.
Resposta do governo
Para a presidente Boluarte, todos os grupos e organizações que promovem a Grande Marcha Nacional “são organizações de fachada do Sendero Luminoso”, em alusão ao antigo grupo guerrilheiro peruano. Esse é o principal argumento que está na base de sua narrativa para justificar a repressão.
Os órgãos oficiais admitem que a marcha poderia ter dimensões maiores do que os seus cálculos iniciais previam. Tanto é assim que o governo colocou em ação sua estratégia de guerra em todas as regiões consideradas “altamente perigosas” para a “defesa da ordem pública e da propriedade privada”. A política conta com a assessoria do Comando Sul norte-americano e milhares de militares que estão no Peru, supostamente para “exercícios de instrução” de soldados e policiais peruanos.
Os eixos desta estratégia governamental, segundo os Ministérios da Defesa e do Interior, são:
1. Associar ao Sendero Luminoso tudo o que “perturba a ordem e afeta a propriedade privada” – existe inclusive um termo específico para isso no Peru, se chama “terruquear”.
2. Militarizar as principais estradas do sistema rodoviário nacional para “evitar bloqueios” e declará-las em “estado de emergência”.
3. Estabelecer sistemas de vigilância e controle em todas as vias de acesso à área metropolitana de Lima.
4. Montar operações especiais para resguardar todo o centro histórico de Lima, forçando até mesmo o fechamento de empresas e locais comerciais da região.
5. Buscar alianças com grupos violentos, como o La Resistencia, ligado à extrema direita peruana, para que ataquem as marchas.
6. Espalhar notícias com o objetivo colocar a população contra os manifestantes.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.