A ultradireita da Colômbia busca formas de realizar um golpe de Estado no país, para chegar ao poder sem precisar ganhar uma eleição, como conseguiu recentemente a direita peruana. Felizmente, a Colômbia não é o Peru, nem Gustavo Petro é Pedro Castillo.
Não é algo novo na região. A ultradireita também fracassou em suas tentativas contra Lula da Silva no Brasil, em janeiro de 2023, e contra Luis Arce na Bolívia, em agosto de 2022, sem contar as diversas investidas contra Nicolás Maduro na Venezuela.
Em todas elas, o povo não só impediu a consumação dos golpes como deu lições de respeito às suas decisões.
Ameaças na Colômbia
As tramoias da extrema direita colombiana terão o mesmo desenlace. A estratégia consiste em difundir vídeos e áudios de procedência duvidosa para busca a desestabilização do governo de Petro, ajudada pela maquinária comunicacional dos meios hegemônicos, liderada pela revista Semana.
Dias atrás, o periódico voltou a falar em “revelações” sobre um suposto esquema de financiamento ilegal da campanha eleitoral do presidente, escândalo que, semanas atrás, levou a queda da ministra chefe de gabinete, Laura Sarabia, e do embaixador na Venezuela, Armando Benedetti.
Os referidos vídeos e áudios insinuam que a campanha eleitoral de Petro em 2022 teria recebido financiamento de US$ 3,5 milhões, fato que o mandatário nega enfaticamente.
O presidente vai além e diz que não cederá à chantagem daqueles que hoje o ameaçam com “revelações” que comprometeriam a legalidade de seu triunfo eleitoral.
Na Colômbia, como na maioria dos países do planeta, os meios de comunicação estão à disposição dos poderes factuais, que não querem Petro no governo. Para dar uma âncora de credibilidade às tais “revelações, os meios hegemônicos utilizam Benedetti como principal fonte de informação, apesar das negações e pedidos de desculpas públicas feitas pelo diplomata.
No Peru, o jornal El Comercio utilizou a mesma abordagem para tentar desqualificar o triunfo de Pedro Castillo nas eleições de 2021, e ressuscitou o tema durante o processo de impeachment sofrido pelo então presidente peruano, em dezembro de 2022.
Por isso, não surpreende que a colombiana Semana insista em publicar em doses precisas as suas “revelações”, a maioria delas fruto da imaginação da ultradireita local, que busca provocar uma crise que possa ser aproveitada pelos setores conservadores, para levar à queda do governo.
Não importa que Benedetti tenha negado as versões que lhe são atribuídas, nem que se desculpe pelos danos causados por seus desabafos. Não importa se os vídeos e áudios foram editados ou se as testemunhas depõem negando a falácia inventada e amplificada por Semana. O que importa é o efeito disso na opinião pública, é corroer toda a legitimidade do governo de esquerda.
O que está em jogo são os grandes interesses econômicos que serão afetados pelas reformas prometidas pelo governo de Petro. Boicotá-las, ou pelo menos dificultar o trâmite legislativo – com a ajuda dos parlamentares que representam esses interesses – é o objetivo da revista colombiana, e justifica a crueldade de sua linha editorial.
Citemos algumas reformas que estão tirando o sono da extrema-direita na Colômbia:
1. a reforma do serviço de saúde, cujo objetivo é fazer da saúde um direito do cidadão, reforçando o sistema público e acabando com os negócios das empresas do setor, que queriam mais privatizações dos serviços locais;
2. a reforma previdenciária, que reconhece o direito a aposentadorias e pensões decentes, novamente, colocando em risco o monopólio do setor privado nesta matéria;
3. a reforma trabalhista, que reconhece o trabalho como fonte de riqueza que merece justa recompensa, além de atualizar os parâmetros, incorporando categorias informalizadas, como trabalhadores de plataformas digitais;
4. a reforma tributária, que visa um equilíbrio social, cobrando mais daqueles que têm mais, e que, se aprovada, entregará ao Estado mais recursos para políticas públicas.
Presidência da Colômbia
Petro apela ao povo como o grande tribunal que finalmente o julgará
As referidas reformas colidem com interesses poderosos ligados a empresas farmacêuticas transnacionais, grandes empresas de saúde na forma de hospitais e clínicas, que colocam em xeque os serviços públicos. Da mesma forma, as reformas trabalhista e tributária podem produzir o fim do abuso dos regimes trabalhistas que favorecem as empresas, especialmente as grandes corporações.
O formato de golpe tentado pela extrema direita colombiana não é novidade na região. Usam a mídia para amplificar questões que se aplicam aos seus objetivos, bem como para disfarçar os verdadeiros interesses que defendem.
Defesa de Petro
Em resposta ao ataque da ultradireita, bem como à necessidade de evitar romper com o povo que o elegeu em junho do ano passado, Petro “caminhou ao lado do povo trabalhador” em uma massiva mobilização cidadã que, segundo observadores internacionais, expressou seu apoio ao governo de esquerda. Mas o significado maior dessa mobilização foi o alerta à extrema direita de que não será fácil deter o processo de reformas, ou mesmo desestabilizar Petro.
O sórdido episódio provocado pela extrema direita já é passado? Não, porque os interesses que defendem são permanentes e não cessarão até alcançar o objetivo de minar a legitimidade do governo.
No entanto, o povo colombiano tomou conhecimento do golpe e está preparado para responder aos que vierem no futuro. Assim, haverá um antes e um depois da manifestação em apoio ao presidente, e até mesmo na atuação dos movimentos sociais como atores políticos, utilizando as ruas como instrumento de manifestação da sua força.
A revista Semana e seus aliados comunicacionais falharam em ferir o governo de esquerda. Pelo contrário, revitalizaram as fibras populares, que tendem a relaxar quando se está no poder. O fato de o golpe de direita não ter tido os resultados esperados não significa subestimá-los. Pelo contrário, é hora de estar preparado.
A coalizão legislativa que dava sustentação política ao governo Petro entrou em colapso após o golpe, com os partidos de centro passando à oposição. A extrema direita e seus meios de comunicação tiveram ao menos essa pequena vitória.
O governo terá que enfrentar um cenário legislativo complexo, já sem as maiorias que eram garantidas no Senado, graças ao apoio do presidente da casa, Roy Barreras, e na Câmara, também providenciadas pelo presidente dessa instância, David Racero.
Ambas as figuras foram importantes para aprovar a reforma tributária, a Lei de Paz Total e o Plano de Desenvolvimento Nacional, todos projetos com amplo apoio da cidadania e sintonizados com o cenário da defesa dos recursos naturais e combate aos efeitos da mudança climática, que podem ser atribuídos ao legado da efêmera aliança. Com essas maiorias esquivas, junto com o ataque sistemático da comunicação, será difícil avançar com outras reformas.
O que fazer?
Sem dúvida, quem deve saber o que fazer são os próprios colombianos e seu governo. Não é conveniente manter “nas sombras” os poderosos interesses que se movem por trás de cada motim golpista. Na Colômbia, com certeza, o povo precisa saber que por trás dessas manobras estão seres de carne e osso, como eles, e não de abstrações, como tentam dizer periódicos como Semana e os aliados da ultradireita no Congresso.
Petro apela ao povo como o grande tribunal que finalmente o julgará. É fundamental reconhecê-lo, a todo momento, como único depositário do poder, no confronto com a ultradireita e seu poder econômico. As soluções para os problemas gerados pelos poderes constituídos só serão possíveis com o apoio do povo organizado.
A Petro não tem modelos para copiar, nem do Chile, nem do México, muito menos da Venezuela. Como diria Mariátegui, a que a Colômbia terá que buscar sua própria “criação heroica”, sem seguir fórmulas pré-fabricadas.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.