*Texto originalmente públicado na Carta Maior | Tradução: Katarina Peixoto
Os aliados da crise grega estão a ponto de concluir um acordo para formar um novo governo. No dia seguinte à vitória dos conservadores do Nova Democracia nas eleições legislativas de domingo, seu líder, Antonis Samaras, se reuniu com o chefe máximo dos socialistas do Pasok, Evangelos Venizelos, e ambos deixaram aberta a possibilidade de que o próximo Executivo seja formado nesta terça-feira. Nele não estará presente a coalizão da esquerda radical, Syriza, cujo líder, Alexis Tsipras, já adiantou a impossibilidade de ingressar em um governo com seus principais inimigos e com aqueles que conduzirão a Grécia pelo caminho de uma maior austeridade.
A política grega é um teatro de mentiras e hipocrisias poucas vezes vistas na história política das democracias modernas. Quando era jovem e estudava Economia no seleto Amherst Colege, de Massachusetts, o homem designado pelo presidente grego Karolos Papulias para formar um governo, Antonis Samaras, compartilhava sua habitação com aquele que seria mais tarde seu rival político de toda a vida: o dirigente socialista do Pasok, Yorgos Papandreu. Todos se conhecem muito bem e, ao longo dos anos, se acostumaram a repartir a torta que o poder serve na bandeja. Papandreu renunciou em novembro de 2011 para abrir passagem a um governo de técnicos presidido por Lukas Papademos. Este, por sua vez, abriu caminho para as eleições de 6 de maio e do último domingo, onde o partido Samaras, Nova Democracia, saiu vitorioso.
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Antonis Samaras necessita de seus antigos sócios-rivais do Pasok para poder governar. Os socialistas gregos deram ontem mostras de sua arte da metamorfose incongruente. Evangelos Venizelos defendeu a participação do Pasok no governo em troca de uma “ampla coalizão”. Esta deveria integrar os partidos que rejeitam as políticas de austeridade, neste caso a Esquerda Democrática (criada no ano passado) e a Syriza. Essa opção é uma fantasia. Ninguém é capaz de pensar em Atenas que o segundo grupo mais votado na Grécia – Syriza – graças a sua oposição aos planos de austeridade, vai entrar na equipe encarregada de ampliar essas políticas de ajuste. Tudo resulta inverossímil, começando pelas trajetórias pessoais de Venizelos e Samaras. A mitologia grega é profunda e complexa, a história imediata se parece com um telhado de gatos oportunistas.
A crise da dívida iniciou entre 2004 e 2009, quando a Nova Democracia estava no poder e não só multiplicou por dois a dívida grega, como também maquiou as contas do país: apresentou um déficit de 6% do PIB quando, na verdade, este alcançava 16%. A Europa celebrou segunda-feira a vitória da Nova Democracia como uma salvação do euro. Nada pode ser mais falso: nenhum partido, nem sequer a coalizão de esquerda radical Syriza, optou por sair da moeda única. Berlim e os meios de comunicação fizeram um grandioso trabalho de manipulação: “não acreditamos neles, por isso votamos por Nova Democracia tapando o nariz”, dizia ontem um jovem eleitor da ND. O mais assombroso reside no fato de que a Europa pôs suas fichas na casa de um partido implicado até os ossos na debacle e em um homem cuja trajetória está cheia de variações incongruentes.
Em Atenas, as pessoas comentavam com certo humor: “com ele nunca se sabe, ele muda rapidamente de ideia”. Mudar, o que se diz mudar, Samaras mudou muitas vezes. Os dois protocolos de austeridade que a Grécia firmou com a troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) o mostram como protagonista de metamorfoses fulgurantes.
Em 2010, quando se firmou o primeiro plano de resgate, Samaras o rechaçou com tanta veemência que chegou ao ponto de expulsar da Nova Democracia os deputados que votaram a favor. Quando se pactuou o segundo plano, o economista grego tomou distância e recusou que qualquer dirigente de peso de seu partido fizesse parte do governo de coalizão a cargo do banqueiro Lukas Papademos, um sócio de Goldman Sachs na maquiagem das contas gregas. Samaras mudou de postura no início do ano e se vestiu com o traje da obediência: clamou aos quatro ventos o irrevogável compromisso de cumprir com o memorando. No entanto, com a proximidade das eleições, modificou sua posição. Deixou de ser o porta-voz do cumprimento do plano para encarnar uma “renegociação amistosa” do plano.
Antes não, depois sim, mais tarde talvez e, agora, veremos. Seu futuro sócio no possível governo, Evangelos Venizelos, também tem se distinguido por suas bruscas transformações. Venizelos foi o ministro das Finanças que colocou sua assinatura no segundo plano de austeridade. Agora, porém, rema na direção da outra margem e fala em mudar as condições do texto que ele mesmo negociou e aprovou.
A história volta a seu ponto inicial. Samaras e Venizelos presidem os partidos que fizeram o país desmoronar. Hoje têm a missão de tirá-lo do buraco. A essa missão se soma outra: destruir a força emergente da Syriza. A coalizão da esquerda radical é um perigo mortal para esses dois partidos campeões da corrupção, do clientelismo e do desperdício do dinheiro público.
De fato, com os 26% de votos que a Syriza obteve no domingo, a coalizão de Alexis Tsipras se converteu no primeiro eixo de oposição real no parlamento. Até o dia 17 de junho, Pasok e ND não funcionavam como polos opositores. Tsipras reiterou que não participaria de uma coalizão “com os partidários da austeridade e do terrorismo econômico imposto pelos credores” da troika. O tempo não deixa muito espaço aos chefes da ND e do Pasok. O Executivo deverá estar formado esta semana.
Dias de castigo esperam pela Grécia. Já não há gaze, remédios essenciais nem seringas nos hospitais. Mas isso não basta: a troika exige mais ajustes, arrocho com a demissão de mais 150 mil funcionários públicos e outros cortes mais. Não é evidente apostar no futuro. A correlação de forças mudou. Há, hoje, uma oposição real representada pelo da esquerda não socialista. Syriza, o Partido Comunista e a Dinar (Esquerda Democrática) somam cerca de 40% dos votos. Este dado não só é inédito na Grécia como também no conjunto das democracias europeias onde a social democracia é a força parlamentar dominante. A Grécia inaugurou um novo caminho.