O conhecido ex-ministro da Defesa israelense Moshe Dayan estava certo quando disse que, “com certeza, os árabes formam um povo que não lê e, se leem, não compreendem e, se compreendem, não agem”. Quão curta é a memória árabe e islâmica, como a de um peixe? Rapidamente esquecemos e caímos nas mesmas armadilhas das quais acabamos de escapar. Por que continuamos repetindo o hadith (tradição profética) “um fiel não é picado duas vezes do mesmo buraco”, mas permitimos que a mesma serpente nos morda saindo do mesmo buraco de novo e de novo?
Por que os islâmicos não aprenderam com a experiência cruel que tiveram no Afeganistão? Os Estados Unidos não os enganaram ao oferecerem-se para participar na batalha histórica contra a União Soviética e apoiá-los apenas para, depois, eliminá-los e persegui-los assim que cumpriram a sua tarefa e não eram mais necessários? Os Estados Unidos não lhes prometeram o virtuoso estado Islâmico, que eles achavam que estavam buscando no Afeganistão sem saberem que eram apenas ferramentas e que não ficariam com nenhuma parte da terra?
Faz pouquíssimo tempo que muitos aplaudiam a Al-Qaeda e consideravam que o seu líder libertaria os muçulmanos da tirania interna e externa, mas qual foi o resultado disso? No fim, apesar das ambições, objetivos e lemas, essa organização, assim como outras, era apenas um Cavalo de Troia explorado por muitos. Assim que cumpriram o seu papel, foram perseguidos por todo o mundo e os seus membros detidos nos piores campos de concentração, como a Baía de Guantánamo. Por que repetem os mesmos erros agora, enquanto sabem que os seus companheiros ainda sofrem na Baía de Guantánamo, desfrutando da hospitalidade dos seus algozes americanos?
Carlos Latuff
Alguns dizem que a situação do Estado Islâmico (EI) é diferente da antiga Al-Qaeda e que não há como compará-los. O EI é herdeiro da organização de Abu Musab Al-Zarqawi, que surgiu no Iraque e causou desespero aos americanos e seus aliados, levando os americanos a criarem o chamado “Sahwat” (que, literalmente, significa “avivador”), com o objetivo de confrontar o grupo de Al-Zarqawi.
O que a região, mais especificamente o Iraque, ganhou com essa organização? A influência americana e iraniana diminuiu? Claro que não, o Irã, com quem o grupo ainda pretende rivalizar, tem o controle sobre todas as facções no Iraque e a sua influência se espalhou por lugares como a Síria, o Líbano, o Iêmen e o golfo, enquanto os Estados unidos ainda mantêm o controle firme sobre o Iraque e os seus arredores.
A pergunta mais importante é: o Estado Islâmico realmente entrou no Iraque pela Síria e ocupou Mosul e outras províncias iraquianas contra a vontade dos Estados Unidos ou com a sua ajuda e vista grossa? Os satélites americanos não detectaram os veículos russos entrando na Ucrânia na velocidade da luz? Seria possível que esses mesmos satélites não tivessem detectado os inúmeros veículos do EI entrando em Mosul e nas outras províncias iraquianas? Será que os satélites não captaram os grupos de membros do EI movendo-se dentro da Síria e tomando todas as cidades e aeroportos a céu aberto? É verdade que aviões americanos bombardearam algumas das regiões do EI no Iraque, mas não todas, apenas aquelas nas quais o EI havia passado a linha vermelha dos EUA, especialmente conforme rumaram para o Curdistão iraquiano, onde estão os interesses americanos e israelitas.
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Será que o mundo, especialmente o Ocidente, permitirá o estabelecimento de um Estado entre o Iraque e a Síria na maneira que é sonhada pelo EI? Eles não estão com medo de que o surgimento do EI e a sua expansão seja uma nova articulação na série de projetos infernais elaborados pelo ocidente para a nossa região? Não é apenas uma desculpa das forças internacionais na região para justificar o redesenho dos mapas e uma nova divisão?
Será que todos os grupos “terroristas” não estão sendo explorados pelas grandes potências mundiais para executarem os seus projetos em mais de um lugar? Quando os Estados Unidos quiseram dominar o mar Cáspio, rico em petróleo, tiveram de ocupar o Afeganistão. A desculpa foi a perseguição ao Al-Qaeda. Os americanos ficaram lá por mais de 10 anos e ainda estão lá. Durante a invasão do Iraque, os Estados Unidos usou a desculpa de que o Al-Qaeda também estaria presente no país, assim como armas de destruição em massa. Será que todos os grupos extremistas não se tornaram uma desculpa para qualquer um que queira ir atrás dos seus interesses?
Agência Efe
Refugiados curdos tentam atravessar fronteira da Síria com a Turquia por causa das ameaças do EI
Eles não usaram esses movimentos da forma certa para atingir seus fins estratégicos? Sob o pretexto de grupos terroristas, toda a nossa região tem sido violada por pessoas de perto e de longe, a fim de realizar o que bem querem sob o pretexto de combaterem o terrorismo. Hoje, organizações internacionais podem cometer qualquer crime e prosseguirem com qualquer plano na região tendo como desculpa o combate ao Estado Islâmico, e, por isso, ainda são apoiados por conta do medo que as pessoas têm do EI, sem oposição ou medo algum de que possam ser associados ao EI e ao terrorismo. Mesmo se o EI permanecer e espalhar-se, assim como os seus defensores afirmam que ocorrerá, isso será feito sem cobrança ou à custa da geografia da região?
Quais são os acordos internacionais, árabes e regionais que estão sendo feitos por trás das cortinas sob o pretexto de combater o terrorismo do EI? Ninguém está preocupado que, quanto maior for a exposição midiática do EI, mais perto a região estará de um duro golpe? O perigo do Al-Qaeda foi amplificado na mídia logo antes do seu término, quando o seu líder foi jogado para os peixes no mar.
Será que o surgimento do EI e grupos equivalentes na região não levaram às revoluções árabes e ao sonho das pessoas em serem livres de tiranos e de verem os seus patrocinadores enterrados? Não levará à exaustão e ao esgotamento da região e do seu povo? Será que esses grupos sabem que estão sendo usados como desculpa? A história não está se repetindo enquanto observamos sentados e aplaudindo como tolos?
(*) Publicado originalmente no Middle East Monitor