Nesta sexta-feira, 24 de maio, a nova indicada pelo Presidente da República para assumir a presidência da Petrobras, Magda Chambriard, deverá ser apreciada e aprovada pelo Conselho de Administração da empresa, podendo fazer jus ao seu mandato à frente da maior companhia estatal brasileira. A Petrobras não é uma empresa qualquer: seu poder de compra tem capacidade de mobilizar amplos setores econômicos ligados à cadeia produtiva do óleo e gás, um importante segmento econômico nacional, com profundos encadeamentos produtivos, intensivo em trabalho e intensivo em capital e tecnologia.
Além dos expressivos efeitos mobilizadores “para trás” na cadeia produtiva, expresso na demanda da Petrobras por bens de capital, construção, bens de consumo duráveis e serviços especializados, ela também tem uma importante contribuição “para frente”, ou seja, aquilo que ela oferta para a sociedade – derivados de petróleo e outras formas de energia –, sendo motor para as atividades industriais e de locomoção da sociedade brasileira, cujos insumos são ofertados a preços baixos, com previsibilidade na estrutura de oferta e em moeda doméstica. Sem contar que o petróleo é a “energia do capitalismo”, sendo, portanto, palco para diversas tensões no campo geopolítico, inclusive protagonizando o patrocínio a golpes de Estado e mobilizando conflitos armados.
Em que pese a Petrobras ser uma empresa altamente estratégica para o país, seja pelo seu impacto econômico na indústria nacional, seja pelo seu engajamento na conquista e defesa da segurança energética brasileira, um conjunto de contradições atravessa historicamente seu caminho e impõe desafios não triviais à operacionalização da sua missão como empresa estatal, vocacionada para ser instrumento da política industrial, prover rentabilidade econômica aos seus acionistas e garantir o abastecimento nacional. Ou seja, prezar por um equilíbrio tênue entre seus objetivos macroeconômicos, ligados à consecução dos interesses econômicos de longo prazo da sociedade industrial e desenvolvimento nacional e, ao mesmo tempo, os interesses microeconômicos próprios de uma empresa, que desde sempre contou com a participação de acionistas privados minoritários e que, desde os anos 1990, foi constrangida pela abertura do seu capital na Bolsa de Valores de Nova York.
Esse comportamento pendular da empresa, ora obedecendo a interesses de caráter mais macroeconômico (obviamente jamais deixando de ser uma empresa lucrativa), ora guiando-se por um comportamento de curto prazo e prezando pela ampliação e distribuição do lucro aos acionistas, encontrou um ponto de inflexão após o golpe contra a presidenta Dilma. Entre 2016 e 2022, a Petrobras mudou sua missão empresarial, passando a buscar o objetivo de ser a empresa que mais gera e distribuiu dividendos aos seus acionistas, secundarizando o investimento e a ampliação do seu ativo imobilizado.
Soma-se a isso um conjunto de mudanças microjurídicas, institucionais e na governança da empresa, amparadas na Lei das Estatais, e que cercearam ainda mais as margens de manobra para que a Petrobras e seus dirigentes pudessem guiar a empresa no caminho dos seus objetivos originais. A Operação Lava Jato, ainda que hoje absolutamente desmoralizada, deixou uma herança profunda nas empresas estatais, expressa na redução do poder dos dirigentes de realizar aquilo para o qual foram designados, a saber: política, orientação de uma empresa estatal para os objetivos nacionais, missões para as quais a sociedade depositou seu voto na urna. Com a política criminalizada, criminalizou-se também a capacidade dos gestores cumprirem seus papéis.
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(Foto: Agência Brasil)
Dessa forma, em que pese a nova presidenta da Petrobras ter um perfil e um histórico mais desenvolvimentista que o presidente anterior, é bom lembrar dos desafios de condução de uma empresa que esteve no âmago de uma operação que tinha como objetivo criminalizar a esquerda, o Estado, as empresas estatais e, em especial, uma empresa de dimensões tão estratégicas quanto a Petrobras.
O primeiro grande desafio da nova direção é retomar a natureza integrada e verticalizada que é própria das grandes empresas petrolíferas, mas que foi desmontada nos governos Temer e Bolsonaro. Ao mesmo tempo que esse é um desafio, esse é também um limite para a realização dos demais. Que a empresa não seja mais a proprietária de algumas refinarias e não tenha mais o controle sobre a distribuição de derivados dificulta a tarefa de consolidação de uma política de preços que seja guiada, sobretudo, pelos custos de produção, tendo em vista a necessidade de basear-se, muito mais que outrora, no custo alternativo ao produtor e na vulnerabilidade das margens de lucro do setor da distribuição.
Para isso, um dos desafios prioritários envolve a reestatização das refinarias privatizadas, assim como a máxima utilização da capacidade instalada (respeitando os níveis de segurança) para que haja redução do montante importado e, com isso, redução da vulnerabilidade frente os preços internacionais e seu impacto para a precificação doméstica.
Outro desafio prioritário envolve a capacidade de Planos de Negócio e Desenvolvimento de longo prazo, ou seja, revisar o horizonte temporal dos planos de planejamento para que seja possível adequar as necessidades de curto prazo e as demandas de transformação da Petrobras em uma empresa de energia, superando a era do petróleo e liderando a transição energética.
Nesse sentido, o desafio mais importante do presente, e que fica como um legado da gestão anterior, é a ampliação célere e ambiciosa da Petrobras na transição energética e na promoção da descarbonização da matriz energética nacional. Para isso, além de capacidade de coordenação e planejamento de longo prazo, a renda atual do petróleo deverá estar direcionada para financiar a infraestrutura necessária para a transição. Dessa forma, por fim, urge a solução para mais dois desafios centrais: o primeiro deles é a atuação protagonista da Petrobras na nova política industrial, garantindo que esses esforços na transição energética sejam parte de um universo mais geral da política nacional de desenvolvimento e que haja uma mudança mais profunda do que a realizada pela gestão passada na política de remuneração aos acionistas, garantindo que haja mais lucros retidos destinados a financiar o futuro, que não existirá se a Petrobras não ocupar esse novo papel de liderança na transição ecológica, através da modificação total da matriz energética, no menor espaço de tempo possível, de forma justa e inclusiva.
(*) Juliane Furno é economista, Professora da Faculdade de Economia da UERJ e militante do Movimento Brasil Popular. É autora de “Imperialismo: uma introdução econômica” (Da Vinci, 2022)