Muitas análises circularam sobre a manifestação pró-Bolsonaro do dia 25. Há quem amplie ou reduza a relevância dela, a partir dos diferentes objetivos identificados, e tomando como referência a própria avaliação sobre a atual capacidade organizativa da esquerda. O exercício é fundamental para não subestimar ou superestimar aqueles que estavam nas ruas. Já dizia o velho Sun Tzu, “conheces teu inimigo e conhece-te a ti mesmo; se tiverem cem combates a travar, cem vezes serás vitorioso. Se ignoras teu inimigo e conheces a ti mesmo, tuas chances de perder e ganhar serão idênticas. Se ignoras ao mesmo tempo teu inimigo e a ti mesmo, só contarás teus combates por tuas derrotas”.
Aqui, pretendemos polemizar com uma ideia específica que circulou em diferentes avaliações: a de que os militares teriam saído do palco no dia 25 de janeiro, cedendo espaço para a artilharia pentecostal. Outras análises sequer mencionam o elemento militar na equação, como se este não fosse parte fundamental para uma correta visualização da correlação de forças.
De fato, muitos militares que se engajaram no governo Bolsonaro não estavam no palanque, como seu candidato a vice, general Braga Neto, ou seu braço direito no controle do GSI, general Heleno, impedidos pela Justiça de se comunicarem com outros investigados por terem atentado contra o Estado de Direito. A instituição militar também não estava, acossada pelas revelações públicas de conflitos dentro do comando que incluíram ameaças a familiares, fragilizando a hierarquia e a disciplina internas.
Entretanto, os elementos militares abundaram, e aqui identificamos cinco deles.
1 – Em primeiro lugar, não há contradição entre segmentos cristãos (católicos e pentecostais) e militares, entre a Bíblia e a espada, entre uma ala vinculada às igrejas, e outra à caserna. Ambas se retroalimentam em uma percepção difusa de que “as coisas eram melhores antigamente”. É o conservadorismo raiz que existe desde a antiguidade, com uma leitura histórica em que o horizonte de futuro é o passado, ciclicamente;
2 – Em que pese a decepção coletiva com a ausência de um golpe militar tradicional, reivindicada durante todo o governo Bolsonaro, pautas levantadas pela multidão seguem fazendo referência às possibilidades constitucionais de intervenção das Forças Armadas na política brasileira, disponíveis para Bolsonaro enquanto presidente, como as operações de Garantia da Lei e da Ordem e o próprio artigo 142;
3 – Fica evidente o militarismo na “tropa de choque” bolsonarista mobilizada. Não havia apenas camisas da CBF, mas muitas calças camufladas, coturnos, alguns grupos participaram em marcha ou fazendo gestos militares, como a continência;
4 – As bandeiras de Israel, em outros contextos, poderiam ser apenas uma menção religiosa, daqueles que entendem que aquela terra foi prometida a um povo específico, o povo judeu. Mas depois de meses de genocídio palestino, amplamente discutido na imprensa, as bandeiras significam também apoio à ação militar levada a cabo por Benjamim Netanyahu no comando do Estado de Israel para exterminar todo o povo palestino, com a anuência dos EUA e da “comunidade internacional”;
5 – Embora não estivesse na Paulista, o senador e ex-vice-presidente, general Mourão, preparou um Projeto de Lei em defesa da anistia, em comum acordo com a palavra de ordem agitada por Bolsonaro.
Não é propriamente um elemento, pois difícil de mensurar, mas uma questão que merece ser ponderada e refletida; a participação de indivíduos militares na reserva ou na ativa, mas fora de serviço, no ato, assim como seus familiares e zona de influência, o que chamo de partido fardado. Não é possível também saber se estes foram ou não armados à atividade.
Entender a desmilitarização da política como a retirada de militares que ocupavam cargos em áreas diversas do Estado (saúde, educação, meio ambiente) é insuficiente. A militarização se configura através de diversas dimensões, que vão desde o aumento do número de armas em circulação no território nacional, até a adoção de valores e ethos militares em diferentes esferas públicas e sociais, como aqueles de hierarquia, disciplina e segredo. O militarismo é a disposição geral na sociedade para usar essa força na resolução de problemas diversos que podem ir da dengue à corrupção. No Brasil de Bolsonaro, cresceu a militarização e o militarismo, e ambos podem existir inclusive sem a presença objetiva de militares das forças armadas. A presença do partido militar nos “palanques” facilitava esse acompanhamento, pois mantinha seus principais articuladores mais expostos politicamente.
Não nos enganemos. O partido militar não desceu a rampa do Palácio. E parte considerável dele marchou no dia 8 de janeiro de 2023, estava junto com Bolsonaro no dia 25 de fevereiro de 2024 na Paulista, e nos dias 26, 27, e segue em Brasília.
(*) Ana Penido é pós-doutorada em ciência politica pela Unicamp, pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes – Unicamp) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.