O jornalismo do século XX está morto. A mídia de massas, de uma massa de leitores, deu lugar a uma “massa de mídias” (no plural). “Um para muitos” passou a ser “muitos para muitos”. Em vez de uma mídia hegemônica, ou algumas delas, sites, blogs, podcasts, Orkut, YouTube e Twitter. Mais de um bilhão de pessoas conectadas ao redor do globo. Isso tudo em menos de duas décadas de World Wide Web, sendo que o jornalismo impresso tem dois séculos – e corre o risco de se tornar uma mídia de nicho, para uma pequena elite.
Nem os jornais querem ser mais… jornais, e sim “empresas de informação do século XXI”. A internet acabará sendo o “core business” das empresas de comunicação. Os jornais sofrem de três males hoje: aumento dos custos de produção (como o gasto com papel, apenas para citar um); queda nas receitas de publicidade (migração dos classificados para a internet, por exemplo); e aumento da competição (com 1% do custo de um jornal impresso, pode-se lançar uma publicação on-line que se pague). “Mudar para não mudar” pode ser uma irresponsabilidade no presente cenário.
Todas estas afirmações não são de alguém da geração Y, a da internet, nem da geração X, a do videogame. São idéias de Ramón Salaverría, doutor em jornalismo pela Universidade de Navarra e professor titular na mesma universidade. Ramón está lançando, com o colega Samuel Negredo, Periodismo integrado: convergencia de medios y reorganización de redacciones, em que defende, passionalmente, que o debate sobre o futuro do jornalismo precisa se concentrar na integração das redações on-line e off-line.
“Abrigar, sob o guarda-chuva da integração, modelos caducos de jornalismo só levará as empresas de comunicação ao fracasso”, alerta logo na apresentação. Salaverría já esteve no Brasil, fazendo palestras, dando treinamento e oferecendo insights para o Grupo RBS, os Diários Associados (através do Estado de Minas), jornais como A Tarde e Gazeta Mercantil (entre outros). Há três anos consecutivos, é eleito um dos “500 espanhóis mais influentes”, segundo El Mundo.
“A tão alardeada 'convergência de mídias', na realidade, é um processo, enquanto que a integração é, justamente, o melhor resultado desse processo”, define Ramón Salaverría. O forte de Periodismo Integrado, seu livro, além do diagnóstico preciso da situação das empresas de mídia (frente ao desafio on-line), são os estudos de caso, das redações que já se integraram. Salaverría acredita tanto na qualidade de sua pesquisa com Negredo que disponibilizou em PDF o case do Daily Telegraph, o diário de qualidade mais vendido da Inglaterra e que se converteu, ultimamente, no mais lido na internet.
Demissões
Tudo começou com a nomeação de Will Lewis, o mais novo presidente da história do Telegraph Media Group: 37 anos na época, em 2006. Lewis tirou logo o impresso do pedestal e implantou o “videowall”, a projeção da homepage do portal do grupo, dentro da redação, com notícias de última hora e atualizações constantes. No novo Telegraph, a produção de notícias começa com uma nota curta, sempre on-line, que pode ganhar complementos em áudio ou vídeo; depois, com as reações dos leitores, e o acréscimo de contexto, vai se aproximando do texto final, mais analítico, em papel. Lewis passou a exigir mais dos jornalistas do Telegraph. E provocou, claro, demissões. Inclusive voluntárias.
A integração, embora pareça inevitável neste início de século, não é unânime nem à prova de críticas. Um dos grandes opositores é Alberto de las Fuentes, do Tiempos Revueltos, blogueiro autointitulado “inimigo ferrenho das redações integradas”. “Elas não podem funcionar”, sentencia antes mesmo de desenvolver seu argumento. “Os modelos 'híbridos', tanto na natureza quanto na engenharia, são a exceção, não a regra”, provoca. “Alguém já ouviu falar do projeto de um 'meio de transporte' que prometia misturar carro com barco?”, pergunta retoricamente. “Parece que navegava como um automóvel e rodava pelas estradas como uma embarcação”, conclui, ácido. “O referido 'modelo híbrido' funcionaria? Lógico! Mas… seria eficiente? Tenho minhas dúvidas”. Fuentes teme que a alardeada integração entre on-line e off-line busque – como em tantas outras mídias – o “mínimo denominador comum”.
Ramón Salaverría defende que, pela primeira vez em décadas, a leitura de notícias cresceu entre a faixa etária dos 20 anos. Ainda que o cenário se mostre sombrio para os impressos – particularmente nos Estados Unidos –, Salaverría vai na contramão da história e afirma que as oportunidades devem, precisamente, aumentar para os jornalistas em geral. Prevê que vamos assistir à derrubada da contradição segundo a qual a internet é o meio de comunicação que mais se expande, enquanto o volume de publicidade a ele associado não acompanha, crescendo em ritmo consideravelmente menor.
Ele aposta que a solução para um modelo on-line que sustente o velho e bom jornalismo possa estar no fato de que a internet é “um termômetro socialmente preciso”. A publicidade nunca teve uma aliada tão sofisticada para atingir seu público. Não é à toa que o Google vem comprando agências de publicidade on-line. E, igualmente, a Microsoft. O autor convoca, enfim, os jornalistas para lutar por uma causa que é deles mais do que nunca, a causa do jornalismo on-line.
* Julio Daio Borges é editor-fundador do site Digestivo Cultural
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