A instabilidade política com Dina Boluarte na Presidência do Peru, com 8% de aprovação dos cidadãos, se confirma diariamente. Em 6 de novembro, depois de exposta a falácia da “reunião bilateral Biden-Boluarte”, a ministra de Relações Exteriores, Cecilia Gervasi, demitiu-se do cargo, esmagada pelos seus fracassos no cargo. Javier Olaechea, inimigo ultraconservador do Acordo de Escazú e macartista profissional foi nomeado como novo chanceler. Esta crise na política exterior não parece ser “só mais uma” e pode revelar o início de uma crise estrutural nas alturas do poder político com um final difícil de prever.
Por sua vez, o Congresso da República, com a sua aprovação de 6%, está prestes a cometer mais um ataque às instituições do país, ao tentar destituir os membros da Junta Nacional de Justiça (JNJ), considerado um dos poucos “bastiões democráticos” que ainda resistem ao poder esmagador da extrema direita. Porém, quando nada sugeria uma reação típica de um Estado de Direito, o Judiciário apareceu deferindo a “medida cautelar” solicitada pelo JNJ, anulando a manobra parlamentar.
A Procuradoria-Geral da República, agindo como se exigisse uma vaga na “festa” e demonstrando sem qualquer escrúpulo a sua submissão ao Congresso, abre investigação expressa sobre os membros do Poder Judiciário que ousaram impor a cautelar. É um cenário que se qualifica como uma tempestade perfeita na política peruana. A participação das Forças Armadas e das polícias nesse show de pirotecnia legal e legalista parece uma questão de horas, ou dias.
É evidente que “alguma coisa está apodrecendo” no regime ditatorial liderado por Dina Boluarte. Da mesma forma, a onipotência da que se vangloriava o Congresso recebeu um duro golpe que poderá gerar uma escalada crítica no confronto com os poderes envolvidos.
A presidente que “não sabe nada”
Segundo Waldo Mendoza, ex-ministro da Economia durante o governo de Francisco Sagasti (2020-2021), Dina Boluarte é uma presidente que “não sabe nada e não tem opinião sobre nada importante no Peru”. Comparada a Sagasti, de fato, Boluarte é uma pessoa que carece de conhecimentos básicos de política e economia. Portanto, pedir a ela que opine sobre algo “importante” é nada menos que zombar da cultura da presidente.
Se Boluarte “não sabe nada”, Mendoza “sabe muito”, pode até surfar habilmente no mar dos lugares comuns retóricos tão utilizados pelos “especialistas” da mídia. A facilidade com que o ex-ministro afirma as coisas em um momento e as nega em outro é uma especialidade que ele executa com tanta maestria que seu público mal percebe. Presta generosa homenagem à sua condição de “centrista” politicamente, mas não deixa de usar referências de esquerda, sem prejudicar suas boas relações com a direita empresarial, especialmente a que está ligada ao ramo da mineração.
Mendoza sabe que Boluarte é apoiada pelos poderes constituídos, incluindo seus amigos da mineração. Não importava para ele se “ela não sabe de nada”, porque bastava que seu governo defendesse os interesses desse setor. Esta situação mudou. O fracasso da sua gestão é tal que a presidente está perdendo a confiança daqueles que a apoiam, incluindo pessoas como Mendoza, considerado em alguns espaços como uma das “vozes mais sérias do país” e que até meados deste ano acusava os protestos sociais de janeiro e fevereiro passados como a causa da recessão e da inflação elevadas no Peru.
Governo do Peru
Dina Boluarte viajou aos Estados Unidos esta semana, para participar de evento internacional
Num cenário como o descrito, não deveria surpreender que sejam desencadeados apelos à queda de Boluarte. Até o governo norte-americano reiterou recentemente a conveniência de antecipar as eleições peruanas. Não é que este pedido seja o melhor para o Peru, mas a fragilidade da oposição “democrática” e os problemas de uma esquerda que ainda não encontrou o caminho para se tornar alternativa ao poder faz com que essas recomendações semicoloniais soem quase bem-vindas. Como em um circo romano, caricaturizado no Congresso, os políticos se preparam para apontar o “polegar para baixo” à presidente que “não sabe nem tem opinião”. Com essas características, obviamente, ela é dispensável.
O “especialista” que “sabe tudo”
Se a presidente é uma inútil, “especialistas” como Mendoza poderiam nos dizer o que pode ser feito para combater a estagflação negada por Julio Velarde, o presidente do Banco Central peruano.
Mendoza dizia que “as raízes da atual recessão devem ser procuradas na política macroeconômica contracionista adotada após a pandemia, na violência social e nos efeitos do ciclone Yaku”. Depois, sem qualquer remorso, ele mudou o discurso e passou a pregar que “o crescimento econômico não provém da política macroeconômica”. Ou seja, com a política monetária e fiscal se pode gerar recessão, mas não crescimento econômico. Este é um perfeito “sim, mas não”, a ambivalência transformada em álibi para quem não é “nem limão nem limonada”.
Para que não haja dúvidas, o ex-ministro afirma “que políticas expansivas são boas em tempos extraordinários”, como nas crises de 2008 e 2009, ou na pandemia de 2019. Os tempos que o Peru vive hoje, com recessão e inflação sem precedentes nos últimos 30 anos, não são nada de extraordinário para o “especialista”. Tampouco parece extraordinária a duração do flagelo que se arrasta desde o terceiro trimestre de 2022 e que ameaça continuar em 2024. Claro que não será nada de extraordinário que, devido à estagflação, a pobreza aumente e haja muitas mais crianças desnutridas. Não, nada disso é extraordinário, e portanto “não requer mudanças na política macroeconômica contracionista em curso”. Nem mais, nem menos.
Como bom neoliberal, Mendoza aplaude o fato de que os níveis de déficit orçamentário pré-covid foram recuperados em tempo recorde. Depois de ter um déficit orçamentário de 9% em 2020, este fixou-se em 2,6% em 2021 e 1,6% em 2022. Enquanto o Banco Central aumentou as suas taxas de juros de 0,25 para 6% nos anos acima mencionados. Em outras palavras, as políticas macroeconômicas claramente contracionistas tiveram um impacto brutal no consumo interno, no emprego, no crédito e na oferta monetária, entre outros aspectos. Se somarmos a isto os impactos do El Niño, que ameaça ser “forte”, não há dúvidas de que o país está perante uma recessão com inflação de proporções não vistas há três décadas.
Se as causas da estagflação são as políticas macroeconômicas, como diz Mendoza, por que se opor a uma política expansionista, já que o Peru tem uma dos cenários mais atraentes da América Latina para o investimento estrangeiro, um nível de dívida externa muito baixo em comparação com o PIB, déficits absolutamente administráveis, entre outros aspectos? E, com relação à inflação, ele diz que seria arriscado baixar as taxas de juros. Com essa lógica, o Banco Central deveria aumentar mais as suas taxas, mas o “banqueiro de luxo”, Julio Velarde, decidiu baixá-las o mais rapidamente possível, porque sabe que essa não é a melhor forma de combater a inflação.
Mendoza tem razão ao dizer que o crédito suplementar aprovado será “somente um analgésico” para a grave doença da qual o país padece. Mas se equivoca ao defender que a solução é a “volta à mineração” e “respeitar os contratos” baseados em parâmetros coloniais.