Um Estado Falido se constitui quando ele é incapaz de garantir o seu próprio funcionamento e muito menos o dos serviços básicos aos seus cidadãos. Além disso, permite que o ambiente seja destruído, que a economia seja abandonada à voracidade dos monopólios e oligopólios, que os direitos humanos sejam violados e que o sentido de equidade e justiça seja totalmente abandonado. Estas são as características do Estado peruano há cerca de cinco anos, que mantêm o monopólio do uso da força convertida em uma máquina de repressão e perseguição de opositores políticos e sindicais.
Por que isso acontece? Por uma simples razão: aqueles que hoje governam o Peru não venceram as eleições e apelaram por um golpe de Estado para tomar o poder. Portanto, a sua origem é ilegítima e repreensível (a sua desaprovação ultrapassa os 90% dos cidadãos consultados), e a levou a saquear os recursos públicos e naturais sob a proteção de regulamentos produzidos por eles mesmos em resposta à corrupção generalizada que corrói os alicerces do Estado peruano.
Como tem razão César Hildebrandt, renomado jornalista, quando diz que o Peru tem um “Congresso de criminosos!” porque aqueles que o ocupam, liderados por um zé-ninguém chamado Alejandro Soto, tornaram-se verdadeiros assassinos da política, operadores de grandes negócios com empresários que exalam ganância, fenícios que vendem e compram votos a quem der o lance mais alto, numa lógica que alcançou a impunidade total por todos os crimes cometidos pelos seus “irmãos”.
Neste conjunto de criminosos, os “mocha sueldos”, aqueles que distorcem as “semanas de representação” ou os que “legislam virtualmente” em confortáveis instalações de praia, são apenas alguns imbecis com a posição de parlamentar que descredibilizam os “peixes grandes” representados pelos Muñante, Cueto, Tudela, Montoya, Cavero, entre outros. Todos eles esperam ser reeleitos no congresso bicameral que, violando a constituição e o mandato dos cidadãos através de um referendo, criaram para agradar a si próprios e a Keiko Fujimori, líder da organização criminosa chamada Fuerza Popular.
Ao seu lado, ou melhor, aos pés do Congresso dos criminosos, aninha-se um Executivo dócil e disposto a obedecer às suas ordens, quaisquer que forem, para merecer a “confiança” que os manterá até 2026. Quem exerce a presidência, Dina Boluarte, é uma mulher sem história que saiu dos pântanos onde a putrefação é a norma. Por isso ficou deslumbrada com os relógios ROLEX que chegaram às suas mãos como presente de criminosos, entre eles o presidente regional de Ayacucho.
Seus olhos também brilharam quando, de repente, suas contas bancárias foram preenchidas com milhões de soles sem qualquer explicação sobre a origem. Essa mulher poderia ser desocupada com amplos motivos que, ironicamente, os criminosos do Congresso não tinham quando desocuparam Pedro Castillo, Martín Vizcarra, Pedro Pablo Kuczynski, etc. Se o deslizamento de descrédito e desqualificação que envolve D. Boluarte se manter, não há razão para que continue no cargo – se a “ditadura parlamentar” mostra um pingo de lucidez política para a sobrevivência.
Até o momento, o “Congresso dos Criminosos” tem conseguido:
- Converter o “Tribunal Constitucional”, intérprete supremo da Constituição, na sua caixa de ressonância. Em nome desse Congresso, ele viola normas, gera conflitos entre poderes, endossa atos inconstitucionais do Congresso e, humilhando-se ao extremo, limpa de seus delitos a todo criminoso de colarinho e gravata que esteja sob sua jurisdição. Sua história recente inclui a proteção de criminosos contra a humanidade, como Alberto Fujimori.
- Converter a “Defensoria do Povo”, defensora dos direitos pessoais e comunitários, num apêndice purulento do “Congresso de criminosos”. Acabou o papel de protetor de direitos e, em seu lugar, instalou-se um servilismo vulgar que não tem escrúpulos em violar a lei e dizer que está agindo em seu nome. Quem o preside, Josué Gutiérrez, é um renegado esquerdista cuja metamorfose supera em monstruosidade a descrita por Maquiavel. Por isso não é de se estranhar que se tenha colocado ao serviço do fujimorismo na primeira oportunidade. A sua nomeação como Provedor de Justiça é o resultado de trocas de favores, ao mais puro estilo mafioso, entre a extrema direita e a antiga extrema esquerda.
- Converter o “Conselho Nacional de Justiça”, responsável por nomear juízes, procuradores e dirigentes do RENIEC e da ONPE, num cenáculo de advogados inofensivos de “primeiro nível” que poderiam arriscar tudo, exceto os privilégios e emolumentos dos quais gozam. Em algum momento da “luta nas alturas”, esta junta interveio com a lei em mãos e, com um pouco de consequência, pôde ter freado a loucura criminosa que segregava o Congresso. Os interesses pessoais e de grupo pesaram mais e a frase cunhada a seu favor, “último reduto da democracia”, permaneceu como uma lápide. Algumas leis do “Congresso de Criminosos” foram suficientes para assustá-los e devolvê-los à condição de juízes dispostos a servir o gestor do turno.
Sua última malícia, nos termos propostos pelo assassino político, foi a aprovação do bicameralismo a partir de 2026 que permite a reeleição daqueles que hoje integram o Congresso criminoso. Embora o bicameralismo seja, conceitualmente, mais conveniente no campo da produção legislativa, a forma e as circunstâncias em que foi aprovado fazem dele uma ferramenta que favorece imediatamente os criminosos que ocupam o congresso unicameral. Ignoraram todos os apelos e, distorcendo mais de 100 artigos da Constituição, aprovaram o bicameralismo. Não se importaram que há quatro anos, por meio de um referendo, os cidadãos rechaçaram o bicameralismo porque era evidente que só queriam o que conseguiram hoje, através de muita papelada.
Tudo isso, porém, não é suficiente. O crime político caminha para a destruição dos poderes públicos que ainda podem agir sob o ferido princípio do equilíbrio de poderes. O Poder Judiciário e o Poder Eleitoral, bem como os órgãos cada vez menos “independentes” (RENIEC e ONPE), estão na mira do Congresso. Se atingirem o objetivo, terão a garantia da reeleição em 2026 e a eventual eleição de Keiko Fujimori como presidente.
Da mesma forma, com estratégias semelhantes, estão conseguindo a genuflexão da Controladoria-Geral da República e e estão procurando retomar o controle da Procuradoria da Nação que hoje, com Juan Carlos Villena, mostra uma certa independência em suas funções.
Este é o Peru de hoje, atordoado pelo entusiasmo midiático a favor do livre mercado, bem como pelo medo ainda inspirado pelas mais de 70 mortes nas lutas sociais do ano passado. Ele não apenas contempla impotentemente os delitos do criminoso de gravata, como também vê com consternação a crescente injustiça social que, por sua vez, estimula o conflito que, mais cedo ou mais tarde, abalará o país, apesar da “paz” prometida pelo Exército e pela Polícia nas ruas.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.